O cenário internacional, que muito preocupa, inclusive o
Banco Central, talvez não seja tão ruim quanto se teme
É comum entre analistas a visão de que o dólar tende a se
valorizar globalmente com a política econômica isolacionista de Donald Trump. A
menor oferta de mão de obra, por conta da deportação em massa de imigrantes
ilegais, e as tarifas sobre os importados produziriam uma inflação mais alta,
ainda que temporariamente.
Para contê-la, o Fed manteria os juros em patamares
elevados. O resultado seria o fortalecimento do dólar, por conta do diferencial
de juros a favor da atração de capitais para os EUA.
Essa equação, porém, é bem mais complexa.
Para começar, não há uma relação mecânica
entre essas variáveis. A literatura econômica mostra que o diferencial de juros
entre os países está longe de explicar satisfatoriamente o comportamento das
moedas — ainda que em alguns momentos seu efeito prevaleça, como no choque de
juros de Paul Volcker, ex-presidente do Fed, no início dos anos 1980, quando a
chamada Fed fund rate atingiu 20% a.a.
Um segundo comentário é que os mercados são movidos por
expectativas, já tendo antecipado, em alguma medida, a alta do dólar com Trump.
A moeda vinha se valorizando antes de sua vitória e ganhou fôlego em seguida.
Nos últimos dias, porém, nota-se uma correção de possível exagero, diante de
sinais de algum pragmatismo dos EUA.
Ainda no campo das expectativas, é possível que os players
de mercado passem a desconfiar dos ganhos econômicos que as medidas de Trump
prometem, influenciando no comportamento do dólar adiante.
Afinal, é sabido que o protecionismo cobra seu preço no
crescimento de longo prazo, ao prejudicar a eficiência produtiva e encarecer a
produção. Mas mesmo eventuais ganhos de curto e médio prazos são incertos.
Se as medidas forem vistas como transitórias, associadas ao
atual governo, de 4 anos apenas, não produzirão grandes mudanças na estrutura
produtiva interna — para que fazer grande investimento para a substituição dos
produtos importados se as proteções poderão ter vida curta?
Assim, o resultado seria a busca de novos parceiros
comerciais, menos eficientes, e preços domésticos mais elevados.
Mais um fator a ser considerado é a importância da economia
chinesa no comércio mundial e, assim, na dinâmica das moedas. Quando o comércio
mundial vai bem, o dólar se enfraquece, pois a economia norte-americana, com
menor peso do setor externo, é menos beneficiada. Foi o que ocorreu após a
entrada da China na OMC, em dezembro de 2001.
Desde 2011, porém, nota-se uma tendência geral de
valorização do dólar, em um contexto de desaceleração da China e do comércio
mundial.
Em outras palavras, o dólar forte depende do vigor da
economia norte-americana, mas em relação ao resto do mundo, e não em termos
absolutos. Vale lembrar que na pandemia a moeda norte-americana sofreu bastante
(não no Brasil) com os equívocos de Trump e o vigor da economia chinesa.
Isso dito, o fortalecimento adicional do dólar dependerá
também da continuidade do quadro de desaceleração da China, o que não está
suficientemente claro, tendo em vista os instrumentos para estimular a
economia.
É verdade que a China foi prejudicada pela guerra comercial
com os EUA. Mas conseguiu mitigar parte dos danos, por meio de diversificação
comercial e investimentos em tecnologia. Suas exportações voltaram a ganhar
força em 2024, com aumento de cerca de 11% no volume exportado em 2024 ante
estabilidade no resto do mundo.
Uma última ponderação é que o dólar real efetivo (a cotação
média ponderada do dólar contra uma ampla cesta de moedas, descontada a
diferença de inflação dos países) está nas máximas históricas, segundo cálculos
do Fed. O valor em dezembro de 2024 compara-se ao pico de setembro de 1985, na
esteira do aperto monetário de Volcker e suas repercussões no mundo.
Enfim, tem muita água para passar embaixo dessa ponte. Seria
precipitado declarar como dada a alta adicional do dólar com Trump.
Um quadro mais ameno do que o esperado para o dólar e os
juros nos EUA será um alento para o Brasil.
Em tempo, vale acrescentar que o país está relativamente
menos vulnerável à política de Trump, sendo um parceiro comercial pouco
relevante e cuja pauta de exportação não ameaça a produção dos EUA.
O cenário internacional, que muito preocupa, inclusive o
Banco Central, talvez não seja tão ruim quanto se teme.
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