Nenhum outro assunto abre tamanho fosso entre o temor dos
cidadãos e o dar de ombros do governo
Recentes pesquisas mostram agudo declínio na avaliação
positiva do presidente Lula. Mas, nos últimos dois anos, algo tem se mantido
constante nas medições dos humores do povo.
A segurança é invariavelmente citada como a principal
preocupação do público (acima até da saúde). Mesmo que alguns indicadores da
criminalidade revelem discretíssima melhora nos últimos anos —em alguns estados
e para certos delitos—, a sensação geral é de desamparo diante do que pobres,
ricos ou remediados vivem como ameaça cotidiana.
Nenhum outro assunto de interesse geral
abre tamanho fosso entre o temor dos cidadãos e o dar de ombros do governo.
Dois exemplos recentes deixam claro o alcance desse divórcio.
O tema da segurança pública, para começar, ficou fora da
lista de prioridades recém-apresentada aos líderes da base parlamentar do
governo pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Embora a
pasta da Justiça tenha divulgado duas propostas importantes —"Pena
Justa", sobre o problema penitenciário; e a constitucionalização do
Sistema Único de Segurança Pública—, tão escandalosa lacuna na pauta
legislativa do Executivo gerou cobranças e promessas.
Nas últimas semanas, o presidente falou muito da amazônia, para
tratar da COP30 ou
da licença para explorar petróleo na foz do "rio mar". A fim de se
reconectar com o povão, Lula foi ao Pará, onde entregou moradias do Minha Casa,
Minha Vida; visitou obras para a conferência sobre o clima; e acompanhou o
anúncio de taludos investimentos em mineração. Tudo devidamente exibido na
página oficial do chefe do governo no Instagram.
Mas dele não se viu palavra sobre o que fazer com a
inconveniente verdade de que a taxa média de violência letal
na região é 45% superior à média nacional— que já é de assustar. São também
superiores às vigentes no país as taxas de mortes violentas de indígenas,
feminicídios e estupros. Ali estão 15 municípios da lista de campeões
brasileiros de homicídios. Produzidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, os dados estão em "Cartografias da violência na Amazônia", de novembro de
2023.
Àquela altura, o crime organizado —que controla os mercados
ilegais de madeira, minérios, produtos da floresta, bem como o tráfico de
drogas e pessoas— já se instalara em 178 cidades, onde vivem quase 60% dos
amazônicos.
Não há solução fácil para a segurança pública; muito menos
esperança de resultados a curto prazo. Uma política inovadora para valer
enfrentará muitos desafios. A falta de consenso entre as elites é a primeira
delas. Seguem-se as enroscadas questões de coordenação entre diferentes órgãos
do Judiciário e do Executivo e entre entes da Federação. Finalmente, políticos,
burocracias e corporações poderosas, todos apegados ao atual sistema de
segurança, serão difíceis dobrar.
Além disso, nas democracias —principalmente quando há
reeleição para o Executivo— a duração dos mandatos é o horizonte de ação dos
governantes. Políticas que tragam benefícios a serem colhidos por sucessores
dificilmente entram para a lista de prioridades do incumbente —salvo quando um
líder em fim de carreira busque um lugar na história em vez da reeleição
duvidosa.
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