O jogo na Guerra Fria era outro
Donald Trump entrou
na Casa Branca com a cabeça no fim do século XIX. Naquele tempo, o vigor da
economia americana contrapunha-se a uma Europa dividida e a uma América Latina
sonolenta. Se os Estados Unidos tinham
rivais, depois de 1914 eles resolveram brigar com duas guerras. Em 1945,
terminada a briga, a economia americana era, disparada, a mais forte do mundo.
Do outro lado estava a falecida União Soviética. Veio a Guerra Fria, e ela
desmoronou.
Em poucas semanas o presidente americano ameaçou a Europa,
encrencou com os dois vizinhos e com a China, a segunda economia do mundo.
Falta ao trumpismo a percepção de um lugar-comum: a
paciência chinesa. No final do século XIX, o Império do Meio estava em franca
decadência e, ao final da Segunda Guerra, em 1945, era uma nação conflagrada
pela guerra civil. Hoje, a situação é outra. Misturando protecionismo e
expansionismo, Trump joga uma parte do mundo no colo da China.
No dia de sua posse, Trump teve um sinal de
que a famosa “destruição criadora” do capitalismo está num país teoricamente
socialista. Na verdade, trata-se de uma ditadura de partido único,
economicamente capitalista. Trump reclama porque consórcios chineses mandam no
Canal do Panamá,
mas isso só acontece porque as empresas americanas deixaram de competir.
Foi-se o tempo em que a China treinava guerrilheiros. De
1964 a 1968, cerca de 40 militantes do Partido Comunista do Brasil receberam
treinamento militar em Pequim, e pelo menos dez morreram na Guerrilha do
Araguaia. Naquele tempo, a China e a União Soviética competiam com os Estados
Unidos ideologicamente. Hoje a competição é exclusivamente econômica.
A visão de mundo do trumpismo quer ser expansionista e, ao
mesmo tempo, isolacionista. O sonho dos Anos Dourados, que ficaram no passado,
é hoje uma contradição em si mesma, e a China se beneficia disso. Ela investe
na infraestrutura mundo afora, ocupando o espaço dos Estados Unidos. Além
disso, se os chineses fazem carros numa fábrica que foi da Ford, o problema é
da Ford e, portanto, da indústria americana. Para ficar no caso panamenho, são
os chineses que constroem a ponte sobre o canal, coisa de US$ 1,3 bilhão. Os
americanos nem sequer competiram.
No dia em que Trump encrencou com a Colômbia, o
embaixador chinês em Bogotá disse
que as relações entre os dois países estavam em “seu melhor momento”. Aí está a
vulnerabilidade do surto trumpista: onde ele encrenca, lá entra o chinês.
O trumpismo tem algo de subversivo em relação aos valores
seculares da democracia americana, enquanto o governo chinês prossegue na
tradição milenar de seus imperadores. Às vezes essa tradição leva a desastres,
com fome e até casos de antropofagia. Há décadas, nem mesmo Trump é capaz de
achar que a máquina chinesa anda para trás.
O presidente americano tem um gosto pela bravata, e esse é
mais um problema. O Império do Meio tem horror a estridências. A ideia de impor
tarifas ao México e
ao Canadá,
para suspendê-las temporariamente dias depois, é coisa que a China jamais fez,
nem durante seus momentos de delírio. Afinal, seus governantes não precisam
cultivar diariamente o público interno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário