Presidente caminha para longe do centro ao fazer
indicação para ministério que negocia com Congresso
Um governo com notória dificuldade na relação com o Congresso;
que perdeu a confiança do mercado financeiro; e que assiste à queda acentuada
de sua aprovação popular. Algo precisa mudar. O caminho mais natural seria
caminhar para o centro. O Congresso está à direita do governo. Os segmentos em
que ele é pior avaliado na população. Do mercado financeiro nem se fala.
Ao tirar Gleisi
Hoffmann da presidência do PT e trazê-la
para a Secretaria de Relações Institucionais —que negocia a
articulação com o Congresso, estados e municípios— , Lula dá a resposta
contrária: caminha para longe do centro. Para você que achava que já havia PT
demais e frente ampla de menos neste novo governo Lula, as mudanças
de ontem respondem: o governo acaba de ficar ainda mais petista.
Gleisi representa o "PT raiz",
defende as bandeiras históricas do partido —desenvolvimentismo sem equilíbrio
fiscal na economia,
regime ao estilo bolivariano como ideal na política. Por mais que seu cargo não
inclua política econômica, é evidente que, no Planalto, ela será mais uma voz
contra a agenda difícil do ajuste fiscal. Afinal, a economia bate na política,
ainda mais nesta segunda metade do mandato e com a popularidade em queda.
Ajuste fiscal não costuma alegrar o eleitorado. Será que o erro não foi ter
moderado demais a visão econômica do PT?
A confusão que ela deixa no PT é o índice de sua capacidade
de articulação. O partido do governo, que deveria ajudar o governo a
potencializar sua mensagem, passou esses dois anos criando embaraços perante a
opinião pública e agora se devora numa briga sucessória que tem sobrado até
para Lula.
Há quem espere que Gleisi, ao colocar o chapéu das Relações
Institucionais, mude seu perfil para melhor se adaptar ao cargo. Sonhar não
paga imposto. Sempre que esperamos que o cargo transforme a pessoa, é a pessoa
que transforma o cargo. Dado seu histórico, veremos a defesa intransigente da
posição do presidente —que ela ajudará a formular.
Com o novo regramento das emendas de comissão, dando-lhes
mais transparência, abre-se uma janela de oportunidade para aprimorar a relação
com o Congresso. Relação que, contudo, segue desigual. Para usar a metáfora
favorita do Trump, o Congresso tem mais cartas na mão. Se a ordem do dia for
bater cabeça e comprar briga, ao mesmo tempo em que colhe a antipatia do
público em geral, não irá longe.
Abrir mão do Congresso nunca é uma boa ideia. Bolsonaro passou
o primeiro ano de seu governo em guerra com o Congresso. Recebeu de presente a
impositividade das emendas de
bancada. Hoje, a agenda que volta e meia aparece nos discursos dos
congressistas é a mudança da forma de governo. Parece algo distante, quase
impossível, mas será?
Há uma desconexão entre Lula e a opinião pública.
Encastelado no palácio, cercado de bajuladores, não deve faltar quem lhe
encoraje a não mais ceder espaço, a governar apenas com a ala fiel, a única que
está com ele de verdade. Enquanto Alckmin anunciava
medidas ortodoxas para reduzir o preço dos alimentos, Lula já alertava: se não
caírem logo, tomará
"medidas drásticas". Com Gleisi a seu lado, quem pode garantir
que é só bravata?
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