terça-feira, 25 de março de 2025

FATO INÉDITO

Míriam Leitão, O Globo

Militares perante um tribunal civil por tentativa de golpe é fato inédito no Brasil

Generais, almirante e ex-comandantes militares podem se tornar réus na Justiça Civil

O ex-presidente Jair Bolsonaro muito provavelmente terminará o julgamento da denúncia, que começa hoje, como réu em ação penal por tentativa de golpe de Estado. Isso é totalmente novo na história do Brasil. Além dele, este primeiro grupo de denunciados pela Procuradoria-Geral da República inclui figuras emblemáticas: três generais, um almirante, ex-ministros da Defesa, ex-comandantes militares, o diretor da Abin, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, um ex-ministro da Justiça e um tenente-coronel ajudante de ordens. Bolsonaro e seu grupo mais próximo estão a um dia ou dois de se tornarem réus.

Conspirações militares atravessam toda a história da República. Mas nunca houve punição. Os golpistas que tiveram sucesso governaram com o arbítrio que impuseram ao país, os malsucedidos foram perdoados. Desta vez, está sendo diferente. É importante dar aos acusados amplo direito de defesa e tudo o que não dariam aos seus opositores caso tivessem tido sucesso na empreitada. Essa é a força da democracia.

Hoje é um dia histórico, porque militares de alta patente estão sendo submetidos a um julgamento civil. Talvez no futuro venham a ser julgados pelo STM quando a procuradoria da Justiça Militar representar contra eles no processo de indignidade para o oficialato. Lá serão julgados por eventuais crimes militares que tenham cometido. Mas sobre a tentativa de golpe de Estado quem vai decidir é a Justiça civil.

Os acusados apresentaram diversas alegações em sua defesa, todas refutadas pela acusação. Hoje, cinco ministros do Supremo analisarão as preliminares levantadas pela defesa e decidirão sobre a denúncia. Neste momento, não se julga o mérito, mas se existem elementos que sustentem a denúncia, se os indícios são robustos o suficiente para iniciar a ação penal. Ao fim é que se saberá se são culpados ou inocentes das gravíssimas acusações que foram feitas contra eles.

Os generais de quatro estrelas Walter Braga NettoPaulo Sérgio Nogueira e Augusto Heleno; o ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier; o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; o ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem; o ex-ajudante de ordens Mauro Cid; e o ex-presidente Jair Bolsonaro enfrentarão, pela primeira vez na história do Brasil, um julgamento por tentativa de abolir violentamente o Estado de Direito.

Eles argumentaram em sua defesa que não podem ser julgados pelo Supremo porque não têm hoje prerrogativa de foro, exceto o deputado Alexandre Ramagem. Argumentam também que, dada a importância do que está sendo julgado, o caso deveria estar em plenário e não numa turma. Alguns disseram que não houve tempo hábil para analisar um volume tão grande de documentos, o “document dump”. Ou que a Polícia Federal fez ações apenas para tentar obter provas, o “fishing expedition”. A defesa também alegou que o ministro relator Alexandre de Moraes não é imparcial, dado que uma das acusações é de que se planejou a sua morte. E foi pedida a nulidade da colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid por “ausência de voluntariedade” e por “descumprimento das cláusulas acordadas”.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, argumentou para sustentar a denúncia que o Supremo fixou a tese de que “a prerrogativa de foro, nos casos de crimes praticados no exercício do cargo e em razão das funções, subsiste mesmo após o afastamento das autoridades de suas atividades”. Sobre o caso da primeira turma, ele argumentou na resposta às alegações da defesa, que o STF estabeleceu como regra a competência das turmas para julgamento das ações penais originárias. Quanto à “alegada imparcialidade do ministro relator”, esse assunto já foi examinado pelo plenário do STF que derrubou a tese. Gonet também respondeu que não há excesso de documentos, apenas a acusação é complexa. Sobre a delação premiada, o PGR explicou que o colaborador esteve sempre acompanhado de seus advogados e que especificamente pediu para manter o acordo de delação.

Gonet terminou sua resposta lembrando que nesta etapa é apenas a “fase processual de recebimento da denúncia” e não “de cognição exaurente”. Ao longo dos meses e no andamento do processo é que as acusações serão analisadas, refutadas, ou aceitas. Mas o que acontece hoje, na primeira turma do STF, é absolutamente inédito na História do Brasil.

Bookmark and Share

Nenhum comentário:

Postar um comentário