Militares perante um tribunal civil por tentativa de golpe é
fato inédito no Brasil
Generais, almirante e ex-comandantes militares podem se
tornar réus na Justiça Civil
O ex-presidente Jair
Bolsonaro muito provavelmente terminará o julgamento da denúncia, que
começa hoje, como réu em ação penal por tentativa de golpe de Estado. Isso é
totalmente novo na história do Brasil. Além dele, este primeiro grupo de
denunciados pela Procuradoria-Geral da República inclui figuras emblemáticas:
três generais, um almirante, ex-ministros da Defesa, ex-comandantes militares,
o diretor da Abin, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, um
ex-ministro da Justiça e um tenente-coronel ajudante de ordens. Bolsonaro e seu
grupo mais próximo estão a um dia ou dois de se tornarem réus.
Conspirações militares atravessam toda a história da
República. Mas nunca houve punição. Os golpistas que tiveram sucesso governaram
com o arbítrio que impuseram ao país, os malsucedidos foram perdoados. Desta
vez, está sendo diferente. É importante dar aos acusados amplo direito de
defesa e tudo o que não dariam aos seus opositores caso tivessem tido sucesso
na empreitada. Essa é a força da democracia.
Hoje é um dia histórico, porque militares
de alta patente estão sendo submetidos a um julgamento civil. Talvez no futuro
venham a ser julgados pelo STM quando a procuradoria da Justiça Militar
representar contra eles no processo de indignidade para o oficialato. Lá serão
julgados por eventuais crimes militares que tenham cometido. Mas sobre a
tentativa de golpe de Estado quem vai decidir é a Justiça civil.
Os acusados apresentaram diversas alegações em sua defesa,
todas refutadas pela acusação. Hoje, cinco ministros do Supremo analisarão as
preliminares levantadas pela defesa e decidirão sobre a denúncia. Neste
momento, não se julga o mérito, mas se existem elementos que sustentem a
denúncia, se os indícios são robustos o suficiente para iniciar a ação penal.
Ao fim é que se saberá se são culpados ou inocentes das gravíssimas acusações
que foram feitas contra eles.
Os generais de quatro estrelas Walter
Braga Netto, Paulo
Sérgio Nogueira e Augusto
Heleno; o ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier; o ex-ministro
da Justiça Anderson
Torres; o ex-diretor da Abin Alexandre
Ramagem; o ex-ajudante de ordens Mauro Cid; e
o ex-presidente Jair Bolsonaro enfrentarão, pela primeira vez na história do
Brasil, um julgamento por tentativa de abolir violentamente o Estado de
Direito.
Eles argumentaram em sua defesa que não podem ser julgados
pelo Supremo porque não têm hoje prerrogativa de foro, exceto o deputado
Alexandre Ramagem. Argumentam também que, dada a importância do que está sendo
julgado, o caso deveria estar em plenário e não numa turma. Alguns disseram que
não houve tempo hábil para analisar um volume tão grande de documentos, o
“document dump”. Ou que a Polícia Federal fez ações apenas para tentar obter
provas, o “fishing expedition”. A defesa também alegou que o ministro relator
Alexandre de Moraes não é imparcial, dado que uma das acusações é de que se
planejou a sua morte. E foi pedida a nulidade da colaboração premiada do
tenente-coronel Mauro Cid por “ausência de voluntariedade” e por
“descumprimento das cláusulas acordadas”.
O procurador-geral da República, Paulo
Gonet, argumentou para sustentar a denúncia que o Supremo fixou a tese de
que “a prerrogativa de foro, nos casos de crimes praticados no exercício do
cargo e em razão das funções, subsiste mesmo após o afastamento das autoridades
de suas atividades”. Sobre o caso da primeira turma, ele argumentou na resposta
às alegações da defesa, que o STF estabeleceu como regra a competência das
turmas para julgamento das ações penais originárias. Quanto à “alegada
imparcialidade do ministro relator”, esse assunto já foi examinado pelo
plenário do STF que derrubou a tese. Gonet também respondeu que não há excesso
de documentos, apenas a acusação é complexa. Sobre a delação premiada, o PGR
explicou que o colaborador esteve sempre acompanhado de seus advogados e que
especificamente pediu para manter o acordo de delação.
Gonet terminou sua resposta lembrando que nesta etapa é
apenas a “fase processual de recebimento da denúncia” e não “de cognição
exaurente”. Ao longo dos meses e no andamento do processo é que as acusações
serão analisadas, refutadas, ou aceitas. Mas o que acontece hoje, na primeira
turma do STF, é absolutamente inédito na História do Brasil.
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