Todos os que foram identificados participando da baderna
e das invasões merecem ser punidos, mas não na mesma proporção
Um dos julgamentos mais importantes da História recente
brasileira começa hoje no Supremo Tribunal Federal (STF). Nós já tivemos nas
últimas décadas encontros com a mais alta instância da Justiça brasileira para
julgar as mais altas autoridades do país: ex-presidentes, ministros, juízes,
políticos em geral que desafiaram diversos artigos do Código Penal no
cumprimento de suas funções, a maioria delas exercida por meio do voto. Neste
momento, a coincidência histórica nos encara. Comemoramos 40 anos de democracia,
o mais longevo período ininterrupto que já tivemos, mas, ao mesmo tempo,
julgamos militares e civis que, incentivados pelo presidente da República em
exercício, tentaram um golpe de Estado para perpetuar-se no poder, retrocedendo
a um tempo autoritário que esperávamos já ter sido superado.
É para comemorar, mas assusta também pela
constatação de quão incipiente ainda é nosso sistema de governo. O então
presidente Jair Bolsonaro, capitão reformado do Exército, não se cansou de
elogiar a ditadura militar, ditadores e torturadores, antes mesmo de ser eleito
presidente. Aquele que deveria ser um pequeno nicho autoritário que o reelegeu
por anos a fio deputado federal transformou-se numa onda nacional que o levou
ao Palácio do Planalto. Muita gente votou nele imaginando que as bravatas que
fazia no Congresso seriam ignoradas ao assumir o governo. Seu voto no
impeachment da então presidente Dilma, elogiando o torturador Brilhante Ustra,
era motivo de cassação imediata, mas o momento não era para equilíbrio. Ao
contrário, foi acrescentando ofensas e infâmias ao exercício da Presidência da
República.
É simbólico e triste constatar que, 40 anos depois, ainda
continuemos lidando com a ideia de ditadura militar. Embora, desta vez, as
instituições democráticas tenham prevalecido, e a tentativa de golpe militar
fracassado. Até hoje lidamos com essa tentativa. Vemos um STF, fundamental na
resistência à implantação de uma outra ditadura ao lado da sociedade civil,
agora exagerando na dosimetria para condenar na mesma medida, sem nenhum tipo
de bom senso, todos igualmente envolvidos no 8 de Janeiro.
É uma pena que os juízes ainda não tenham conseguido separar
os inocentes úteis, levados a invadir os prédios da Praça dos Três Poderes
naquele vandalismo horroroso a que assistimos, enquanto mentores e
financiadores, que hoje começam a ser julgados no Supremo, permaneceram ou
permanecem soltos durante muito tempo. Hoje o julgamento é importante porque
realmente atinge parte dos verdadeiros responsáveis pela tentativa de golpe, os
asseclas do ex-presidente Bolsonaro.
Ele mesmo e seus colaboradores mais próximos, como almirante
e generais, estarão no banco dos réus, situação vergonhosa para nossa
democracia e para as Forças Armadas brasileiras. Todos os que foram
identificados participando da baderna e das invasões merecem ser punidos, mas
não na mesma proporção. Afirmar que aquela cabeleireira irresponsável que
pichou a estátua da Justiça com batom participou de uma revolta armada é uma
loucura. Acaba dando a impressão de que não está sendo feita Justiça, mas sim
uma vingança, uma revanche, que não é papel do Estado brasileiro.
Por isso, também, espera-se que o julgamento histórico de
hoje seja conduzido com equilíbrio, para que o movimento político em favor de
uma anistia aos envolvidos na revolta fracassada não tenha ambiente favorável
no Congresso. Assim como não se pode exagerar na dosimetria para não dar asas a
teorias da conspiração, também não se pode deixar que mentores e financiadores
do golpe infame fiquem à solta.
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