Ao mesmo tempo em que o Brasil registra o aumento de
evangélicos, há um movimento de abandono da comunidade de fé: evangélicos se
desligam das igrejas institucionais e optam por cultivar uma fé autônoma
O cenário atual do segmento evangélico mostra pessoas
entrando e saindo das igrejas. O Censo Demográfico 2022 sobre religião, do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontou que o número de
evangélicos aumentou no Brasil, chegando a 26,9% da população, somando 47,4
milhões de pessoas. Apesar desse crescimento, existe outra realidade: o
abandono da comunidade de fé, em que evangélicos se desligam das igrejas
institucionais e optam por cultivar uma fé autônoma. O movimento ficou popularmente
conhecido como desigrejados.
Esse desligamento dos membros traz um novo
panorama para a igreja institucional, que passa por mudanças. Antigamente,
existiam os católicos romanos e ortodoxos praticantes e os não praticantes, mas
os evangélicos eram praticantes. Hoje, existe o crente que não quer mais
frequentar a igreja institucional.
Cada pesquisador categoriza de uma maneira os subgrupos de
desigrejados. Entendo que são três. O primeiro grupo comporta os decepcionados,
que são pessoas que abandonaram a comunidade pelos mais diversos motivos, mas
que não querem o fim da igreja institucional. O segundo são os radicais, que
defendem o fechamento dos templos. O terceiro são os consumidores, que são
usuários de algumas atividades congregacionais, mas não querem compromisso de
membresia e comunhão.
As pessoas estão abandonando as comunidades de fé pelos mais
variados motivos. Conversando com os desigrejados que estão formando comunidade
nas redes sociais para criticar o segmento, especialmente no Facebook, percebi
que a evasão acontece porque discordam da institucionalização da Igreja, da
variedade de denominações religiosas, da secularização das Igrejas históricas,
da profissionalização do pastorado, da busca pelo diploma de teologia
reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC), da variedade de métodos de
crescimento das Igrejas onde os líderes buscam quantidade de pessoas em
detrimento da qualidade espiritual dos membros, dos ministérios que têm somente
foco em reuniões que visam bater metas da liderança, da disputa entre as
pessoas para atingir as metas, da estrutura organizacional (templo, culto
regular aos domingos, tesouraria, ofícios, oferta, dízimo, CNPJ, clero oficial,
confissão de fé, rol de membros, a igreja ter propriedade, escola ou
seminário), da hierarquia na denominação que não permite viver o sacerdócio de
todo o crente, da igreja empresa com pastores que buscam lucro financeiro e
viraram homens de negócio, da Teologia da Prosperidade, do abuso espiritual dos
líderes, dos escândalos sexuais e financeiros, e da política partidária nos templos,
que polarizou os fiéis.
É preciso pensar os aspectos sociais mais amplos que têm
levado as pessoas a abandonarem as igrejas. O movimento pode ser entendido por
meio da desinstitucionalização. O desigrejamento é fruto da crise institucional
que a Igreja Evangélica atravessa, uma falta de pertencimento que atinge todas
as esferas da sociedade, inclusive a área religiosa. Também pode ser entendido
pela destradicionalização. Anteriormente, era normal uma pessoa permanecer em
uma Igreja porque a família era daquela tradição religiosa. Hoje, a pessoa é
autônoma na escolha da fé, podendo romper com laços religiosos familiares.
Ocorre uma quebra significativa entre as gerações na transmissão da herança
religiosa, que antes era repassada de pai para filho, o que faz com que o
legado dos valores, dos saberes e dos bens simbólicos se dilua de geração em
geração. A sociedade vive uma crise na transmissão da herança cultural com
reflexos em todas as áreas, como família, Estado, movimentos sociais, entidades
civis e tradições religiosas.
Existe, ainda, a crise axiológica, que gera a decadência de
valores e o descrédito pessoal e das instituições. Essa crise também deve ser
levada em conta quando se busca desenhar os caminhos que explicam o
desigrejamento. A crise axiológica aumenta quanto mais se articulam os eventos
humanos, como a secularização, a modernidade, a globalização, as mudanças de
condições culturais, sociais e de trabalho. Na contemporaneidade, a cultura
dominante instiga a sociedade ao imediatismo, à busca permanente de novidades e
de novas experiências, a ser o próprio construtor das suas verdades. A cultura
também prega aversão à tutela institucional, o fim da verdade absoluta, o
individualismo, a religiosidade emotiva, o pluralismo e o pragmatismo.


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