A grande divisão da COP foi a escolha entre sair de forma
ordenada do petróleo e do carvão ou torrar na Terra e sermos varridos por
tufões, enchentes e secas
A última noite dde Belém foi em claro. Houve acordo em várias questões. Segundo o
presidente André Corrêa do Lago, vai demorar para explicar todos os pontos
positivos. O negativo é fácil de entender. Venceu o veto dos defensores dos
fósseis ao mapa do caminho para a menor dependência das fontes de energia que
estão ameaçando a vida na Terra. Belém rachou. Havia 80 países a favor, e o
resto contra ou se abstendo. O
embaixador disse que o mapa do caminho será uma decisão da presidência
brasileira que tem ainda 11 meses pela frente. O problema é que, se
não está no acordo, não vira mandato. Mas ele tem o respaldo de mais de 80
países para tentar construir uma fórmula que permita a sobrevivência da ideia.
Os últimos dias foram tensos. O susto
espalhou-se pela Blue Zone antes do fogo na quinta-feira de manhã, quando
circulou a má notícia de que o mapa do caminho do petróleo e carvão havia
morrido, pelo bloqueio do grupo LMDC, formado por países como Arábia Saudita, Índia e China e outros.
O incêndio suspendeu os trabalhos quando começava a se organizar a reação ao
veto. Ao retornarem às consultas na noite da quinta-feira, o impasse estava
instalado. Na manhã da sexta-feira, diante dos documentos postados no site
da ONU,
às 3h da madrugada, houve uma reação indignada de ONGs, cientistas e
delegações. Os europeus disseram que, sem mapa do caminho, não haveria dinheiro
para financiar a adaptação.
Esta gangorra de sentimentos é comum em Conferências do
Clima. Na sexta-feira de manhã, havia raiva e tristeza. O incêndio constrangia
os brasileiros, porque parecia confirmar as críticas feitas à infraestrutura. O
local era amplo, bonito, porém com descuidos e detalhes que não funcionaram. A
tristeza maior, contudo, era das delegações, observadores e ONGs que defendiam
a proposta de dar em Belém o impulso inicial da formulação de um roteiro para a
saída gradual dos combustíveis fósseis. Era só um primeiro passo e nem isso foi
possível.
Há sempre divergência numa COP, mas o que se
discutiu em Belém não foi apenas mais um ponto. Era a questão central: a dúvida
sobre se vamos sair de forma ordenada do uso do petróleo e do carvão, ou se
preferimos torrar neste planeta e ser varridos por tufões, enchentes,
secas. A
questão dos fósseis levou a um conflito aberto da Colômbia com a presidência na
hora de votar os documentos.
A COP do Brasil atendeu ao mandato de entregar indicadores
de adaptação. Eles foram formulados, e apontam o que precisa ser feito em áreas
como saúde, saneamento, cidades, para nos preparar para a mudança do clima.
A menção a afrodescendentes e indígenas nos textos finais é motivo de
celebração. Assim como o avanço em gênero.
Na tarde da sexta-feira, a União
Europeia fechou questão em não aceitar o veto dos LMDC. Na COP, há 16
grupos de países que se reúnem por afinidades. Certos países estão em mais de
um grupo, os menos desenvolvidos, o grupo dos 77, o AILAC, da América Latina e
Caribe, o Basic, formado por Brasil, África do Sul, Índia e China. E há o LMDC,
um caso à parte. O grupo, de perfil fóssil, chama-se Like-Minded Developing
Countries. Nem todos compartilham o empenho da Arábia Saudita em defender essa
bandeira. A China integra o grupo, como outros, e um de seus delegados chegou a
dizer que não se oporia ao mapa do caminho. Contudo, aceitou o jogo dos
sauditas. A Índia está lá por ser grande consumidora de fósseis. A Arábia
Saudita ameaçou derrubar tudo o que estava negociado, caso houvesse referência
ao mapa do caminho.
Para a União Europeia, era constrangedor render-se à Arábia
Saudita, Índia e China, por isso ameaçou com a arma que tem: não haveria
dinheiro para adaptação. Depois mudou de ideia. Na Blue Zone, na enervante
espera por um acordo, em que as horas se esticam, as informações são escassas e
as portas se fecham, conversa-se muito nos corredores. Os observadores
alertavam que a União Europeia estava mais interessada em segurar o dinheiro do
que na agenda mesmo de redução do uso dos fósseis. Não é mesmo o caso de acreditar
em mocinhos. Mas o vilão é bem conhecido. Os gases de efeito estufa fizeram o
mundo ficar o ano inteiro com a temperatura a um grau e meio acima do início da
era industrial, batendo o teto do Acordo de Paris. O maior responsável, de
longe, pelo problema é a queima de carvão e petróleo. Não haverá futuro sem o
abandono dos fósseis. O assunto pulou para a agenda das COPs e agora caberá a
André Corrêa do Lago trabalhar para que lá o assunto permaneça.


Nenhum comentário:
Postar um comentário