O senador não pretende tentar conciliar a retórica do
candidato pragmático com o bolsonarismo
O senador Flávio Bolsonaro deu a largada em sua campanha à
Presidência anunciando ser “o Bolsonaro que todo mundo quer”. Em encontros com
empresários, tratou de listar seus pretensos atributos: “moderado”,
“equilibrado” e, como disse num vídeo, alguém que até tomou vacina — sugerindo,
assim, ter em comum com o pai só o sobrenome. Suas falas iniciais deixam claro
que ele não pretende tentar conciliar a retórica do candidato pragmático com o
bolsonarismo antissistema — investirá na primeira e desprezará a segunda. Isso
porque, para Flávio e aliados, os eleitores de Jair estarão com ele haja o que
houver e diga ele o que disser.
O passado recente atesta que, ao
primogênito do ex-presidente, o bolsonarismo tudo perdoa. Para além do
escândalo das rachadinhas, da compra da mansão de R$ 6 milhões e da suspeita de
relação com milicianos, vivos e mortos, Flávio já cometeu pecados maiores, ao
menos à luz dos postulados do grupo. Em 2019, empenhou-se em enterrar a CPI da
Lava Toga, para satisfação dos ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes,
dois dos integrantes mais notórios do arqui-inimigo STF. A petição da CPI —
iniciativa do senador Alessandro Vieira (MDB) destinada a “passar a limpo” o
Judiciário — tinha como ponto de partida a investigação das motivações que
originaram o hoje “imorrível” inquérito das fake news, aberto por Toffoli e
relatado por Moraes. Flávio não apenas se negou a assinar a petição, como
telefonou a senadores pedindo que retirassem seus nomes da lista. A Lava Toga
jamais viu a luz do dia. O fato de, meses depois, Toffoli ter atendido a um
pedido da defesa de Flávio em decisão que suspendeu as investigações da rachadinha,
deu força aos rumores de que os presidentes do STF e da República, Bolsonaro,
haviam combinado abafar a Lava Toga em troca da liminar que favoreceu Flávio.
Tão fortes foram os rumores que Toffoli veio a público negar o acordo. O
episódio atesta a aparentemente inesgotável capacidade do bolsonarismo de
ignorar as contradições de representantes do clã — nesse caso, a fundamental
contribuição do senador para desperdiçar a chance de desinfetar com a luz do
sol as chagas dos tribunais superiores.
— Esse tipo de episódio não pega no Flávio — releva um
estrategista da oposição com interlocução na família. — Os radicais podem
xingar nas redes, mas, lá na frente, votarão num Bolsonaro, e acabou.
Ao menos três presidentes dos maiores partidos de oposição
creem que Flávio levará a candidatura até o fim e já trabalham com a hipótese
de ele ir ao segundo turno. Esse cenário não tem impedido o presidente do PSD,
Gilberto Kassab, de dizer a interlocutores que lançará o governador Ratinho
Junior na virada do ano, “desde que as coisas continuem como estão” — quer
dizer, se o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, hoje candidato à
reeleição, não mudar de planos.
No âmbito da família Bolsonaro, a situação é, no momento,
favorável a Flávio. Michelle, desconsiderada por Jair como candidata, passou a
ser vista como “inviável” até pelo presidente do seu partido, Valdemar Costa
Neto, depois da tentativa de intervir na montagem do palanque do PL no Ceará.
Eduardo, que chegou a ameaçar lançar-se candidato, vinha perdendo voz e impacto
nas redes antes até da cassação do seu mandato. A suspensão da Magnitsky sobre
Moraes sepultou qualquer ambição individual do Zero Três — hoje um reiterado
apoiador da candidatura do irmão mais velho.
Se a presente união do clã representa para Flávio um
obstáculo a menos, muitos outros o aguardam. Um deles é o sabido desconforto
dele diante de confrontos públicos (chegou a desmaiar durante um debate em
2016, quando candidato a prefeito do Rio). Outro é a astronômica rejeição de
62% a seu nome revelada pela pesquisa Quaest — a soma das fraquezas do filho
com os passivos do pai.


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