Excelências só se preocupam em saciar os próprios desejos
Na mesma semana, a Câmara dos Deputados adiou para 2026 a
apreciação do PL Antifacção e da PEC da Segurança Pública, em nova evidência de
desprezo pela agenda prioritária da população. Pesquisa Datafolha,
apurada nos primeiros dias de dezembro em 113 cidades brasileiras, mostrou que
a violência é o maior problema do país para 16% da população, atrás apenas da
saúde, citada por um quinto. Mais importante para Hugo Motta e
seus pares, Senado incluído, é atenuar a pena de quem atentou contra a
democracia, cláusula pétrea da Constituição. Promulgado o projeto da dosimetria
(em letra minúscula, por favor), que passou como um raio pela Casa revisora,
golpismo será crime menor, beneficiado com semiaberto após cumprimento de um
sexto da pena em regime fechado; troca de dias de prisão por leitura, mesmo em
custódia domiciliar; imposição ao Judiciário de fundir dois ataques distintos,
abolição violenta do Estado Democrático e golpe.
A corrosão da política no Brasil se dá em
inúmeras frentes — da agenda parlamentar que ignora interesses do eleitorado à
sucessão de operações policiais envolvendo apropriação e desvios de recursos
públicos mergulhados na opacidade. Não importa que a população se manifeste em
pesquisas contra anistia plena ou branca, nem nas ocupações dominicais em praça
pública. A um ano da eleição que elegerá 513 deputados federais, dois terços do
Senado, presidente da República, 27 governadores e membros de todas as assembleias
legislativas, as Excelências só se preocupam em saciar os próprios desejos.
— Vontade de beijar os olhos de minha pátria /De niná-la,
passar-lhe a mão pelos cabelos — poetizou Vinícius de Moraes em “Pátria minha”
(1949).
É Natal; o que não tem remédio remediado está; é com este
Congresso que seguiremos até o fim do ano novo, à espera da renovação em 2027.
Mas este 2025 é véspera da entrada em vigor da mais festejada mudança na
tributação dos assalariados. Hugo Motta, número um da Câmara, e Davi
Alcolumbre, presidente do Senado, abriram mão de sair na foto da sanção da
lei que isenta do Imposto de Renda os que ganham até R$ 5 mil por mês e reduz a
carga de quem recebe até R$ 7.350. Por zanga com o governo, faltaram ao
convescote no Palácio do Planalto, a que compareceram o deputado Arthur Lira e
o senador Renan
Calheiros, relatores do projeto e rivais nas Alagoas. Deixaram de
surfar a concretização da medida capaz de unir eleitores de Lula e
de Jair
Bolsonaro nas eleições de 2022. Pesquisas mostravam que oito em cada
dez brasileiros eram favoráveis ao benefício, promessa de campanha do atual
presidente.
O Ministério da Fazenda estimou que 15 milhões de
trabalhadores serão beneficiados com a nova regra, dos quais 10 milhões ficarão
isentos de IR, e 5 milhões pagarão menos imposto. Nesta semana, o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
apresentou nota técnica sobre o impacto entre docentes do ensino básico. Uma
barbaridade, no melhor sentido. Ao menos 1 milhão de professores receberão mais
após a mudança; destes, 620 mil deixarão de sofrer desconto de IR. Os
pesquisadores tomaram por base a Relação Anual de Informações Sociais (Rais),
que reúne dados sobre vínculos empregatícios. Agrupando códigos de ocupação e
atividade econômica, identificaram 1,95 milhão com, pelo menos, um vínculo como
docente no setores público ou privado.
No atual sistema, 19,7% dos professores da educação básica
são isentos do IR. Após a mudança, a proporção passará a 51,6%, mais da metade
da categoria. Outros 21,9% entrarão na faixa de redução de alíquota. Significa
que praticamente três em cada quatro professores do ensino básico no país serão
beneficiados pela mudança no Rio. Em estados como Alagoas, Minas Gerais, Paraíba, Roraima e Tocantins, mais de
60% dos docentes ficarão isentos. O levantamento, de um lado, demonstra o
impacto positivo da lei; de outro, escancara o nível insuficiente de rendimento
dos professores no Brasil. O piso nacional do magistério em 2025 é R$ 4.867,77.
Na média, segundo o Ipea, os professores deixarão de ser descontados em R$
5.079,84, praticamente um décimo quarto salário resultante da reforma do IR.
O alívio tributário também tem impacto de gênero. Dados do
Censo Escolar mostram que o ensino básico brasileiro é ofício predominantemente
feminino. As professoras somam praticamente 80% dos profissionais. Nas creches,
elas representam cerca de 97%; na pré-escola, 94%; no ensino fundamental, 77%;
no médio, pouco mais da metade (57%). Como a desigualdade salarial impõe às
mulheres rendimento, em média, 20% inferior ao dos homens, dá para imaginar que
a mudança no IR tende a favorecê-las. O mesmo raciocínio vale para pretos e
pardos, habitualmente ocupados em postos de menor remuneração, quando não estão
confinados na informalidade.


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