sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

O JOGO 'ASSIM, ASSADO' DA POLÍTICA E DAS RUAS

Andrea Jubé, Valor Econômico

Presidente explicou aos jornalistas as regras do jogo, ao confirmar que vetará o PL da dosimetria

No café com jornalistas, na quinta-feira (18), em uma fala didática, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva explicou as regras do jogo, ao confirmar que vetará o PL da dosimetria. “O Congresso tem o direito de fazer as coisas. Eu tenho o meu direito de vetar. Depois, eles têm o direito de derrubar o meu veto, ou não. É assim que é o jogo”.

Nos últimos dias, petistas reclamavam que, no mesmo dia em que dezenas de milhares de brasileiros, militantes e cidadãos comprometidos com a democracia, voltaram às ruas - atendendo convocação da esquerda - para protestar contra a aprovação, pelos deputados, do PL da dosimetria, Lula encontrou-se, fora da agenda oficial, com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).

Lula e Motta reuniram-se no domingo (14), que marcou as novas manifestações contra o projeto que reduz a pena do ex-presidente Jair Bolsonaro e demais condenados pela tentativa de golpe de Estado. E segundo fontes credenciadas, vai se reunir com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), antes do Natal.

O presidente do PT, Edinho Silva, tem afirmado que Lula está melhor do que nunca aos 80 anos, porque está mais experiente e mais paciente. “Quando ele aposta na paciência, ele ganha o debate”, desafiou, em entrevista recente. Difícil discordar. E cabe acrescentar: está mais pragmático do que nunca.

São encontros que sem traquejo político e paciência de Jó, não se consumariam. Motta e Lula dialogaram no mesmo dia em que militantes petistas despejaram insultos contra o chefe do Legislativo. Da mesma forma, Lula e Alcolumbre se reunirão, depois que o presidente do Senado tornou pública a irritação com a indicação do ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, para a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Alcolumbre queria no posto seu aliado, o ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Segundo poucas fontes a par do assunto, o presidente da Câmara queixou-se da estratégia do PT e da esquerda de mirar a artilharia contra o Parlamento, com palavras de ordem como “Congresso inimigo do povo”, e ataques diretos a ele e ao presidente do Senado.

Mas o governo faturou. Num momento em que era torpedeado pela esquerda e pela direita na Câmara, Motta realinhou-se com o Palácio do Planalto. Da reunião com Lula, saiu o acordo para que a Câmara votasse, na noite de terça-feira, o projeto de lei de corte dos incentivos fiscais, bem como o aumento da taxação das bets e fintechs. A aprovação desse projeto era fundamental para destravar R$ 22,45 bilhões no Orçamento e abrir caminho para a votação da lei orçamentária.

Em paralelo, Lula reajustou as forças da base na Câmara. Substituiu o ministro do Turismo, Celso Sabino, que havia comprado briga com seu partido para permanecer do lado do presidente, pelo ex-secretário de Turismo da Paraíba Gustavo Feliciano. Foi um movimento costurado com Motta, segundo fontes a par do arranjo. Gustavo é filho do deputado Damião Feliciano (União-PB), vice-líder do governo, e aliado de Motta.

“Lula não tem coração”, queixaram-se alguns petistas, face o destino de Sabino, que acabou na chuva. “Foi o Lula pragmático de sempre”, disse à coluna um aliado de Motta. Com a mudança, Lula recuperou cerca de um terço da bancada do União que é governista, mas que ele havia perdido em razão da desavença de Sabino com a legenda.

O episódio é uma aula de Centrão. Quando a federação União Brasil-Progressistas deu um ultimato para que os ministros do bloco deixassem o governo, as condutas foram distintas. Com chances reais de se eleger senador pelo Maranhão, o ministro do Esporte, André Fufuca, fez gestões internas, negociou com os caciques, e sustentou-se no cargo. Com o apoio de Lula no Estado, poderá garantir uma cadeira no Senado para o PP em 2027. Sabino foi menos hábil, e perdeu o posto e a legenda.

“É assim que é o jogo”, diria Lula. Um dos exemplos notórios do pragmatismo lulista foi a foto que tirou ao lado do deputado federal Paulo Maluf (PP) em 2012. Na imagem, Lula cumprimenta Maluf, observado pelo pré-candidato do PT à Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, selando a inusitada aliança naquele pleito. A fotografia alarmou os petistas, e levou Luiza Erundina a recusar a vice de Haddad.

Um tempo depois, questionado se arrependia-se do gesto, Lula negou, e provocou. “Logo estarei batendo falta e fazendo gol. Se for necessário, morderei a canela dos adversários para que Fernando Haddad possa ser o prefeito de São Paulo”.

No Senado, o acordo costurado pelo líder governista, Jaques Wagner (PT-BA), que garantiu a aprovação do projeto de corte dos incentivos, obrigou a votação, antes, do PL da dosimetria, gerando reação na esquerda. As ruas pediram a não apreciação do projeto, mas o líder do governo agiu na direção oposta.

Uma letra da banda “Secos e Molhados”, de forte crítica ao sistema, diz que “é preciso ser assim, assado”. A multidão nas ruas pede um jogo “assim”, os políticos entregam um “jogo assado”. Segundo Lula, se esquecermos a importância da democracia, “a gente termina perdendo o jogo”. É este o risco, mesmo se morder a canela dos adversários.

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