O boom do romance latino-americano decifrado em cartas
Amizade e ambição uniram Cortázar, Vargas Llosa, García
Márquez e Fuentes
A Revolução Cubana primeiro encantou os escritores e
depois os separou
O lugar-comum publicitário inventou uma fórmula para atrair
o leitor desacostumado aos livros de não ficção: garantir que estes podem ser
lidos como um romance. Raramente isso é verdade. "As
Cartas do Boom" tem essa mágica, com a vantagem de que o tema
central é a arte
de escrever romances.
Não quaisquer romances. O livro recém-lançado mostra a
gestação e registra o impacto de quatro obras —"A Morte de Artêmio
Cruz", "O Jogo da Amarelinha", "A Cidade e os
Cachorros", "Cem
Anos de Solidão"— que obtiveram êxito de público e alta estima
crítica, sacudindo a roseira da literatura na segunda metade do século 20.
É a primeira compilação da correspondência
—207 cartas— entre os principais romancistas do movimento que ganhou a etiqueta
de "boom": o
mexicano Carlos Fuentes, o argentino
Julio Cortázar, o peruano
Mario Vargas Llosa e o colombiano
Gabriel García Márquez. Os dois últimos ganharam o Nobel, e se o tivessem
dado aos dois primeiros, tudo bem.
Fruto da amizade, da ambição e da inveja, é um epistolário
pleno de vida. A parte mais relevante começa em 1955 e vai até 1976, quando as
desavenças pessoais, motivadas pela política, desintegraram o quarteto
fantástico.
É curioso notar como a vocação dos escritores esteve ligada
ao encantamento pela Revolução Cubana e como, aos poucos, modificaram seu
posicionamento em relação a Fidel Castro, até se tornarem irreconciliáveis. Em
1976, Vargas Llosa desferiu o famoso "puñetazo" contra García
Márquez, no saguão de um cinema mexicano.
As cartas mostram o Fuentes pragmático, lutando para
promover e vedetizar o grupo. Mosqueteiro mais velho, Cortázar é o crítico
cruel, mas necessário; a pedido dos confrades, lê os inéditos e não se furta em
apontar as falhas. Vargas Llosa é o mais obstinado em se tornar um escritor de
sucesso; não à toa, seu apelido é "Grande Chefe Inca". Mesmo nas
mensagens mais prosaicas, a música verbal de García Márquez sobressai, ao lado
de seu disfarce de indiferença diante do intelectualismo.


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