O governo do Brasil está olhando os foguetes passarem
sobre nossas cabeças. O país não tem sequer capacidade de colocar um satélite
em órbita. Mas o Parlamento continua discutindo temas tão relevantes quanto a
dosimetria
Mesmo após 26 anos de negociações, os líderes europeus
pediram ainda mais um mês com objetivo de discutir, entre si, as condições
finais para referendar o acordo com os países do Mercosul, o famoso e discutido
tratado de livre comércio que seria assinado, com grande pompa, neste final de
semana, em Foz do Iguaçu. Franceses e italianos se declararam contra o tratado,
enquanto a maioria dos europeus pretende assinar o documento. Os alemães querem
o acordo para abrir uma janela de oportunidades comerciais para o bloco europeu
constrangido pelos russos, de um lado, e pelos norte-americanos, de outro. E os
chineses olhando para avançar no momento certo.
Se o tratado for assinado, serão 722
milhões de consumidores integrados em um único mercado. Os europeus terão
frutas, verduras e carnes melhores e mais baratas. Deste lado do Atlântico, os
produtos industriais poderão conhecer novos e maiores mercados. É positivo para
os dois lados. Cria correntes de comércio, obriga a concorrência a tratar bem o
consumidor e aperfeiçoa os canais de comunicação entre os dois blocos.
Moderniza os dois lados. Na França e na Itália, a agricultura é fartamente
subsidiada e pouco produtiva. Seus agentes temem a concorrência com soja, milho
e carne produzidos na América do Sul.
Na realidade, franceses e italianos revelam antigos
preconceitos. É difícil para um francês admitir que a carne produzida na
América do Sul é tão saborosa e mais barata do que aquela produzida nos campos
do país. O mesmo distanciamento se coloca para os agricultores italianos. Eles
não podem admitir que serão superados por latinos, que produzem em campos que,
segundo eles, foram conquistados na devastação da Amazônia. Eles misturam todos
os argumentos de propósito para confundir seu eleitorado.
Lula esbraveja, mas sua irritação não movimenta um músculo
da face dos que se recusam a assinar o tratado de livre comércio. O Brasil já
se acostumou a perder tempo e a deixar passar grandes oportunidades. Em 15 de
agosto de 1974, durante o governo militar do presidente Ernesto Geisel, o
Brasil reconheceu a República Popular da China, rompeu seus laços anteriores
com Taiwan, República da China. O chanceler Azeredo da Silveira foi chamado de
"chancelerzinho vermelho", e o presidente Geisel foi acusado de governar
para os comunistas pelos mesmos militares de extrema-direita que tentaram
promover o golpe de Estado no 8 de Janeiro. O produto interno bruto chinês, na
época, era avaliado em US$ 144 milhões. O do Brasil, era várias vezes maior.
Reconhecer o regime socialista foi o primeiro e corajoso
passo para abrir uma enorme porta no sistema de trocas nacional. Hoje, a China
é o maior parceiro comercial do Brasil, superando com ampla vantagem os Estados
Unidos. Foi esse detalhe que permitiu ao presidente Lula falar de igual para
igual com Donald Trump. O Brasil não foi asfixiado pelas tarifas exorbitantes
decretadas por Washington. Foi um ponto positivo. Dos poucos avanços ocorridos
no país nos últimos 40/50 anos.
O Brasil perdeu oportunidades relevantes nos últimos anos.
Exemplo doloroso vem da educação. O mesmo partido está no poder no país há mais
de duas décadas, sempre praticou o discurso de defesa da educação, mas fez
muito pouco para reduzir analfabetismo ou massificar o ensino superior. É
preciso ter referências para entender o abismo das oportunidades perdidas. O
Vietnã, pequeno país no sudeste asiático, enfrentou guerras pesadas contra a
França e os Estados Unidos. Venceu as duas. Unificou o país. É um regime
socialista, no estilo chinês, que privatizou empresas estatais, investiu em
educação e no comércio exterior.
Hoje, é uma das economias que mais crescem no mundo. Só
agora, depois que Trump colocou o Brasil contra a parede, os negociadores
brasileiros decidiram abrir negociações comerciais com aquele país. Mesmo
fenômeno aconteceu com a Índia, país mais populoso no mundo, com 1,4 bilhão de
pessoas. A sociedade é dividida em castas, o que é um problema. Mas eles
contornaram as dificuldades e caminham para chegar ao terceiro lugar entre as
maiores economias do mundo.
O Brasil está tentando, neste momento, lançar um foguete
sul-coreano na base de Alcântara, no Maranhão. Há mais de 10 anos, aquela base
está abandonada. O esforço na área aeroespacial foi perdido, depois de um
incêndio. O país está começando, de novo, nesse setor. Enquanto isso, europeus
e asiáticos lançam seus produtos no espaço, e os norte-americanos tentam chegar
a Marte. O governo do Brasil está olhando os foguetes passarem sobre nossas
cabeças. O país não tem sequer capacidade de colocar um satélite em órbita. Mas
o Parlamento continua discutindo temas tão relevantes quanto a dosimetria das
penas ou as verbas secretas que abastecem sibaritas em vários pontos do país.
Eles garantem o desenvolvimento do subdesenvolvimento nacional. Nada acontece
por acaso.


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