Tudo isso somado deveria abrir nossos olhos para o fato
de que somos um país teoricamente robusto, mas vulnerável a graves retrocessos
Peço vênia para repetir o que há tempos tenho feito: uma
tentativa de diálogo com quem queira olhar o Brasil com os olhos abertos. Parto
do que enxergo sem grande esforço, baseando-me apenas no que me chega pelos
jornais.
Tenho para mim que o Brasil não é um país difícil de
governar. Somos naturalmente protegidos pela extensão de nosso território e
pelas enormes distâncias que nos separam das potências que nos varreriam do
mapa se nos encrencássemos com elas no terreno bélico. Sublinhemos também que,
pelo menos no setor externo, já não estamos ameaçados por vulnerabilidades como
as de meio século atrás, quando a escassez de insumos essenciais nos
estrangulava e endividamentos mastodônticos como o da era Geisel eram um tormento
constante. Ao contrário, nosso pujante agronegócio e a mineração nos dão certa
tranquilidade, sem embargo de serem poucos os produtos que somos capazes de
exportar e poucos, também, os países compradores.
É essencial frisar que estamos voando com
duas turbinas desligadas, a da indústria (cuja participação no PIB já foi de
27% e hoje está reduzida a 21,3%, na ampla definição do IBGE, que não se
restringe à indústria manufatureira) e a debilidade do consumo doméstico. Tudo
isso somado deveria abrir nossos olhos para o fato de que somos um país
teoricamente robusto, mas vulnerável a graves retrocessos.
A anemia do mercado a que me referi no parágrafo anterior é
a que estamos vivendo no momento, de caráter conjuntural. Mas temos de afirmar,
em alto e bom som, que quase nada fizemos de relevante para criar uma classe
média digna do nome, apoiada em médias e pequenas empresas, capacitada não só a
produzir, mas também a inovar, como aconteceu na Itália, e livre da teia
burocrática que a cada momento lhe tolhe os passos. Desde o saudoso Hélio
Beltrão, tudo o que se disse a esse respeito foi conversa fiada. Visualmente,
nossa estrutura social pode ser descrita como uma pirâmide com um minúsculo
ápice formado por 1% da população, bilionários que controlam 37% da renda e da
riqueza, segundo levantamento feito dois anos atrás pelo Ministério da Fazenda.
A chamada “classe média” pode equivaler a 40% ou 60%, dependendo de como se
faça a conta, mas não nos esqueçamos de que grande parte dela são crustáceos
que fincaram as unhas no casco do Estado: os grupos que denominamos
“corporativistas”, que se valem da posição privilegiada que lhes advém do fato
de estarem “lá dentro” para inserir todo tipo de privilégio na legislação, nos
níveis federal, estadual e municipal.
No setor privado, por classe média deve-se entender as
famílias que têm pelo menos uma pessoa trabalhando, em empregos estáveis. Essas
não têm muito com o que se preocupar, salvo sua própria passividade, pois pouco
ou nada farão para monitorar e pressionar o sistema político, uma vez que mal
conhecem seus próprios interesses.
A base da pirâmide nem requer uma descrição detalhada. Uma
pequena parte dela é o que, por misericórdia, chamamos de baixa classe média; o
resto, que deve compreender pelo menos 30% da população total, são os
permanentemente desempregados, os que mal sabem o que vão comer no dia
seguinte, os que mal conseguem ler o letreiro do ônibus e que formam a imensa
maioria das favelas e periferias das metrópoles. Os mais desprovidos da sorte
passam a tarde revirando latas de lixo na esperança de encontrar algo que lhes
seja digestivo na refeição da noite.
A chance de nos alçarmos ao nível de desenvolvimento
econômico e social pelo menos dos países da Europa meridional é remota. Nossa
renda anual por habitante é inferior à do Mississippi, o Estado mais pobre da
federação norte-americana. Crescendo 2% ao ano, durante um longo período,
levaremos uma geração inteira para sair desse poço em que caímos. O nível da
França ou da Alemanha não alcançaremos em décadas, talvez nem em séculos. Não
custa lembrar que a Europa sofreu duas guerras devastadoras e se reergueu. Na
1.ª Guerra Mundial, 20 milhões morreram em combate e 21 milhões em decorrência
de doenças causadas pela movimentação das tropas.
Em termos realistas, temos de pensar num Uruguai ou num
Chile grande, construindo uma sociedade mais justa, capaz de proporcionar
saúde, educação e bem-estar a seus cidadãos. Mas já passa da hora de cairmos na
real: mesmo isso será muito difícil.
Dado o quadro esboçado acima, é fácil concluir que a eleição
presidencial e as legislativas de 2026 serão cruciais. Os nomes que por aí vêm
pipocando dificilmente empolgarão nossos 150 milhões de eleitores. Se os poucos
atilados que permanecem na vida pública não forem capazes de se aglutinar num
centro consistente e confiável, com um candidato competitivo, o velho enredo se
repetirá: teremos Lula, que enfiado até o pescoço no velho hábito da gastança,
e seu Partido dos Trabalhadores, tentando mais uma vez empurrar a campanha para
a velha patacoada ideológica de esquerda versus direita. No ramerrame lulista,
permaneceremos onde há tempos estamos. Fellini mostrou-nos uma nave que
zarpava, a nossa não partirá. •


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