É necessário distinguir o mero crescimento --efêmero,
superficial, reversível-- do verdadeiro desenvolvimento econômico e social.
Muitas vezes, o alinhamento político e a busca de resultados
imediatos obscurecem a análise de governos e oposições, que se atracam em
disputas pelo crescimento em vez de buscarem consenso para estender à sociedade
benefícios do desenvolvimento. E não resta dúvida de que, nos últimos 20 anos,
mesmo quando o crescimento não foi exuberante, o desenvolvimento econômico do
Brasil avançou e vem criando condições para superar fragilidades sociais e
históricas.
Tramita agora no Congresso, em fase final de votação, a PEC
que equipara os direitos das empregadas domésticas (por que sempre usamos no
feminino?) aos dos demais trabalhadores. Sim, temos até hoje um regime
trabalhista que divide cidadãos com mais e com menos direitos em função de sua
ocupação. Sempre houve um forte apelo para corrigir essa injustiça, mas os mais
refratários à ampliação desses direitos sempre evocavam os custos elevados e o
receio de que muitos trabalhadores perdessem o emprego. Assim, as conquistas
vêm a conta-gotas.
Conheço bem esse drama. Aos 17 anos, quando fui empregada
doméstica, não tinha noção do que eram direitos trabalhistas, sentia apenas
gratidão pela família que me acolhia em sua casa e me dava emprego. Ainda sou
grata, mas sei que milhões de pessoas que realizam o trabalho doméstico não
podem constituir um gueto social, numa relação de servidão incrustada no século
21.
Agora temos um contexto favorável. Mais de 15 anos de baixa
inflação, com melhoria de distribuição de renda, avanços importantes nos
programas de transferência de renda e baixo nível de desemprego são fatores de
estabilização do desenvolvimento econômico que fornecem lastro para a conquista
de direitos trabalhistas.
Lembro que o senador Suplicy, primeiro a pregar no deserto
para convencer a sociedade a adotar programas de renda mínima, já chamava a
atenção para esse efeito: o trabalhador, tendo a garantia de uma renda de
subsistência, pode rejeitar condições inadequadas de trabalho. Isso vale para o
emprego doméstico, mas precisa avançar também em outras situações de extrema
precariedade, como carvoarias ilegais e atividades em zonas rurais e remotas.
Mesmo nas periferias urbanas persistem situações de trabalho em condições
similares à escravidão.
São situações que não deveriam existir mais num país que
chega ao século 21 reivindicando o direito de estar no time do Primeiro Mundo.
Transformar o crescimento em desenvolvimento, e dar a esse a
sustentabilidade que advém da justiça social, é o trabalho de casa inadiável de
nossa sociedade.
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