Por Dora Kramer, colunista do O Estado de S.Paulo
Em tese a proposta de tornar obrigatória a execução das
despesas previstas no Orçamento da União tal como aprovado pelo Legislativo é
uma boa ideia no tocante às emendas parlamentares.
Na perspectiva da teoria acabaria com o chamado toma lá da
cá mediante o qual o Executivo exerce seu poder discricionário de liberar
verbas para quem quiser no tempo que bem entender. Alteraria a correlação de
forças tanto no Congresso como na convivência entre os dois Poderes e tornaria
igualitária a distribuição de recursos a parlamentares governistas e
oposicionistas.
Na prática, porém, o cenário não é assim tão cor-de-rosa. A
receita no Orçamento é estimada, em geral superestimada, com base numa arrecadação
presumida. Com a obrigatoriedade no pagamento das emendas, se a conta não
bater, onde cortar? De qual política pública tirar dinheiro?
No quesito barganha, as emendas não são o único instrumento
usado pelas partes nesse sistema de coalizão sustentado no compartilhamento de
favores em detrimento de programas. Espaço resta de sobra quando o critério da
partidarização substitui o parâmetro do mérito para nomeações.
Há também consequências econômicas e financeiras, além da
questão da responsabilidade objetiva perante os órgãos de fiscalização sobre a
aplicação dos recursos.
Quem responderia no caso de irregularidades na destinação
das verbas: o parlamentar que assinou a emenda ou o gestor que foi obrigado a
pagar independentemente do juízo sobre a conveniência ou não do projeto? Tipo
do problema difícil que não requer uma solução simples.
Se de um lado o Orçamento impositivo fortalece a posição do
Legislativo na eterna queda de braço com o Executivo, de outro necessariamente
implica maior responsabilidade dos parlamentares em relação ao equilíbrio das
contas públicas. Em outras palavras: não poderão criar as despesas que
consideram necessárias para o atendimento de suas bases sem levar em
consideração a existência de fontes seguras de receita.
Tanto a questão é complicada e intrincada que propostas
semelhantes vêm sendo apresentadas no Parlamento desde 1995, sem êxito. Seja
por pressão do Executivo ou por desinteresse do Legislativo, fato é que o mais
próximo a que se chegou dessa mudança de regras foi quando da aprovação de
emenda apresentada há 13 anos pelo então senador Antônio Carlos Magalhães
(falecido em 2007). Encaminhada à Câmara, lá ficou na mais absoluta orfandade.
O assunto ressurgiu recentemente como promessa de campanha
do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, e ganhou força quando a base
de apoio governista, já farta com a indiferença (para dizer o mínimo) de Dilma
Rousseff, percebeu que a presidente seria obrigada a deixar a condição de
mandante para assumir o papel de pedinte.
A chamada "pauta-bomba", que tem no Orçamento
impositivo seu item mais bombástico, é o preço que Dilma está pagando por ter
acreditado que governo se resume ao Poder Executivo e à figura presidencial.
Em boa medida foi assim durante os dois governos do presidente
Luiz Inácio da Silva. Uma exceção. Mas, ainda assim, um ponto fora da curva que
não acentuou tanto o desequilíbrio entre os Poderes. No Brasil há uma espécie
de desigualdade republicana consentida.
Dilma rompeu esse acordo tácito sem substituí-lo por um
acerto verdadeiramente republicano. Foi vestida de rainha e acreditou na
fantasia. Resultado, a relação ficou tão insuportavelmente desigual que na
primeira oportunidade o Congresso apresentou a "dolorosa", informando
à sua majestade que presidentes podem muito, mas não podem tudo.
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