Por Paulo Moreira Leite, da revista ISTOÉ
Levado às pressas para o Incor de Brasília, na tarde da
quinta-feira 21, José Genoino recebeu duas notícias ao mesmo tempo. A primeira
veio dos médicos. Ao contrário do que se temia no início, ele não havia sofrido
um infarto do miocárdio. Enfrentava uma nova crise de pressão alta, igualmente
preocupante, mas previsível num paciente em sua condição. A segunda novidade
veio do Supremo Tribunal Federal. Como o próprio Genoino, seus advogados e a
procuradora-geral da República em exercício, Ella Wiecko, solicitavam desde a
segunda-feira 18, o ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF, concordou com
o pedido de mudar seu regime prisional.
Em vez de cumprir seis anos e sete meses de pena em regime
semiaberto, como ficou definido no julgamento da Ação Penal 470, Genoino foi
autorizado a mudar-se para o regime de prisão chamado “domiciliar ou
hospitalar”, considerado compatível com um estado de saúde classificado como
“grave” ou “ gravíssimo” por todos os médicos que o examinaram nos últimos
dias. Com a mudança, deixará de ser obrigado a dormir todas as noites na cela
de uma prisão, com direito a sair apenas para trabalhar durante o dia, passando
a viver internado num hospital ou mesmo em casa. Joaquim Barbosa fez questão de
ressalvar que sua decisão tem caráter “provisório”, esclarecendo que irá
aguardar um novo laudo – o quarto em cinco dias – para anunciar uma resolução
definitiva. Ao ser informado da mudança, Genoino reagiu em tom de alívio:
“Então quer dizer que não vou voltar para a Papuda?”, perguntou à mulher,
Rioko, referindo-se ao presídio de Brasília onde se encontrava internado desde
o sábado 16. Horas antes de se dirigir ao Incor, ainda na Papuda, Genoino
concedeu entrevista exclusiva à ISTOÉ, quando falou do drama de sua terceira
prisão. “(Quando entrei na prisão) Vieram à minha cabeça imagens terríveis de
quando fui preso durante a ditadura. Depois de uma viagem de um dia inteiro,
totalmente desnecessária, ficamos quatro horas em um pátio porque não sabiam
onde nos colocar. Se não sabiam onde nos colocar, por que nos fizeram viajar?”,
questionou.
Num país que acompanhava com apreensão a evolução da saúde
de Genoino desde a noite da sexta-feira 15, quando ele se apresentou de punho
erguido à sede da Polícia Federal, em São Paulo, numa cena que marcou o início
das prisões de uma primeira leva de 11 condenados na Ação Penal 470, a decisão
de Barbosa teve caráter reconfortante. Não deve ser vista, porém, como sinal de
que a condenação tenha sido amenizada. A pena continua igual. A menos que, como
outros condenados, Genoino consiga livrar-se da condenação por “formação de
quadrilha” no julgamento do STF sobre embargos infringentes, sua situação legal
será a mesma de antes.
O novo regime de prisão é fruto da compreensão de que,
diante de seu estado de saúde, as razões da medicina deveriam orientar a letra
fria do Direito, pois uma vida humana estava em jogo. Fumante inveterado a
ponto de consumir três maços de cigarro por dia até quatro meses atrás,
hipertenso que há muitos anos toma medicamento para controlar o mal, Genoino em
julho foi vítima de uma dissecção da aorta, patologia que costuma produzir
hemorragias graves, infarto e acidente vascular cerebral. Depois de uma
cirurgia de oito horas, saiu do Sírio Libanês com uma prótese de 15 cm no tórax
para substituir uma parte da aorta. “Nesta situação, é preciso que o paciente tenha sua pressão
arterial mantida nos níveis adequados”, explica o cardiologista Ricardo Miguel,
da Sociedade de Cardiologia do Rio de Janeiro. Lembrando que a rotina da prisão
pode “desencadear picos de hipertensão, que podem produzir um novo rompimento
da aorta”, Ricardo Miguel acredita que “a melhor coisa para um paciente como
ele é ficar em casa.” Com pequenas variações, um diagnóstico semelhante foi
firmado por Roberto Kalil e Fabio Jatene, dois dos maiores cardiologistas do
país, que atenderam Genoino no Sírio, e por Fábio Daniel, que o examinou, a
pedido na família, a uma da madrugada de sábado, em Brasília. Os laudos
deixaram claro que o deputado era um prisioneiro de risco – e a ninguém
interessava a ocorrência de uma tragédia de conseqüências políticas
imprevisíveis.
Verdadeira exceção numa sociedade polarizada e dividida,
onde grande parte da população tem ojeriza por políticos profissionais, Genoino
é um parlamentar de sete mandatos que colecionou um número imenso de
admiradores nas várias fatias do espectro político, sejam aliados, sejam
inimigos. O deputado do PT foi condenado a 6 anos e 11 meses de prisão, em
regime semiaberto, por corrupção ativa e formação de quadrilha. Durante o
julgamento do mensalão, três ministros que votaram por sua condenação – por
ter, como presidente do PT, avalizado os empréstimos fictícios dos bancos BMG e
Rural ao PT e participado de reuniões com dirigentes de partidos aliados em que
se tratou de apoio político ao governo Lula em troca de vantagens financeiras –
não deixaram de ressalvar o caráter admirável de Genoino e sua biografia com
tantas passagens exemplares. Assinado por unanimidades da literatura, como
Antonio Candido, e da música, como Chico Buarque, circula pela internet, com
apoio de 11 000 pessoas, um abaixo-assinado que diz que “José Genoino é um
homem honesto, digno, no qual confiamos. José Genoino traduz a história de toda
uma geração que ousa sonhar com liberdade, justiça e pão.”
Durante a semana, criticada pelos militantes do PT por
manter um silêncio absoluto em relação ao destino dos condenados da Ação Penal
470, a presidenta Dilma Rousseff demonstrou preocupação com a saúde de Genoino
por “razões humanitárias.” Na verdade, a presidenta tem uma afeição pessoal
pelo deputado e por Rioko, guerrilheira do PC do B como o marido, quando as
duas ficaram presas sob a ditadura militar. Quando, em função da ação penal 470, Genoino deixou o posto de
assessor especial no ministério da Defesa, Dilma fez questão de receber o casal
num jantar, no Alvorada. “É claro que a presidente se importa com o destino e o
estado de vários condenados” afirma um assessor do Planalto. “Mas ela tem uma
ligação com Genoino”, reforçou.
A melhor explicação para uma admiração com origens tão
diversas encontra-se, provavelmente, numa ladeira no bairro paulistano do
Butantã, endereço do maior patrimônio material do deputado. É um sobrado
germinado, em formato de salsicha, comprado há três décadas com
financiamento-padrão da Caixa Econômica. Os móveis são simples, mas acolhedores
e confortáveis. O índice de luxo é zero e foi ali que o dono da casa criou um
filho, uma filha. Uma outra filha de Genoino, nascida de uma relação fora do
casamento, sempre morou com a mãe, em Brasília. De correspondentes estrangeiros
a prestadores de pequenos serviços, todos visitantes se surpreendem ao
descobrir a identidade do dono da casa. “Pensei que deputado só morava em
mansão,” admitiu um funcionário de uma empresa de TV a cabo que, em função de
uma política permanente de contenção de todas despesas que podem ser
eliminadas, fora chamado para desinstalar um ponto num quarto que a primogênita
Miruna desocupou quando foi passar uma temporada na Espanha.
Normalmente, Genoino mostra-se constrangido quando o interlocutor
ameaça fazer um elogio que no fundo é um diminutivo – falar bem de um sujeito
pelo simples fato dele não ter-se tornado ladrão. Considera-se um lutador da
política. “Jamais deixarei a luta política. Posso ter que mudar a forma, o
local e o uniforme, mas o sentido da minha vida é lutar por sonhos e causas.
Nunca lutei por questões pessoais”, disse à ISTOÉ. Sempre atuou à esquerda.
Deixou a guerrilha do Araguaia fazendo a autocrítica da luta armada. Tornou-se
um dos cérebros do Partido Revolucionário Comunista, uma organização efêmera,
em sua existência, mas duradoura em militantes que fizeram boa história – como
o governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro e a ex-ministra e adversária
Marina Silva, o mártir da ecologia Chico Mendes. Mas na década de 1990 andava
tão moderado entre os petistas que sentia-se mais à vontade para dialogar com
estrelas do PSDB, inclusive o presidente Fernando Henrique Cardoso, e Luiz
Eduardo Magalhães, nome em ascensão no PFL baiano até ser derrubado por um
infarto fulminante.
Incapaz de longas caminhadas, sem fôlego para a mesma
oratória do passado, dias depois de deixar a mesa de cirurgia Genoino entrou
com pedido de aposentadoria no Congresso, iniciativa que deu início a uma
corrida contra o tempo nos bastidores de Brasília. Interessado em preservar
seus direitos como parlamentar, Genoino quer aprovar a aposentadoria o quanto
antes, encerrando a carreira no mesmo instante. Em busca de medidas que ajudam
a agradar as ruas em ano pré-eleitoral, o presidente da Câmara, Henrique
Eduardo Alves, quer votar a cassação dos parlamentares condenados pelo mensalão
em prazo recorde. Se isso ocorrer, e Genoino for cassado, perderá o mandato e
os direitos acumulados na carreira.
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