Por Alberto Bombig e Leopoldo Mateus, da revista Época
O jogo de roleta e a política têm pelo menos uma coisa em
comum: nas duas atividades, os novatos e os experientes se diferenciam de forma
clara. Os tarimbados na roleta começam cautelosamente, apostando poucas fichas
em muitos números. Quando reúnem um bom cacife, partem para lances mais
arriscados. Acuado pelos baixíssimos índices de popularidade – apenas 15% de
aprovação, depois de aumentar impostos e ver o caos se instaurar no trânsito
com as faixas exclusivas de ônibus – o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad
(PT), um novato na política, resolveu apostar todas as fichas numa providência
arriscada: jogar a culpa no antecessor.
O pretexto para bater em Gilberto Kassab (PSD) foi o
escândalo que levou para a cadeia Ronilson Bezerra Rodrigues, Eduardo Horle
Barcellos, Carlos Di Lallo Leite do Amaral e Luis Alexandre Cardozo de
Magalhães, todos funcionários concursados da prefeitura paulista e acusados
pelo Ministério Público Estadual de formar uma quadrilha que desviou ao menos
R$ 500 milhões dos cofres públicos. Ao comentar a prisão dos fiscais em
entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Haddad afirmou tratar-se de uma
“resposta do Executivo a uma situação de descalabro” herdada da gestão
anterior. Questionado sobre quem seria o “prefeito” citado num dos grampos,
Haddad respondeu: “Olha... Não é possível desconsiderar que (Ronilson) ocupou
um cargo da maior importância na gestão anterior”.
Kassab reagiu batendo forte. “Ele (Haddad) só esqueceu de
olhar para o próprio umbigo, para sua administração, quando a cidade está
espantada com o descalabro desse primeiro ano”, afirmou Kassab, também em
entrevista à Folha de S.Paulo. O ex-prefeito é citado pelos criminosos em
escutas feitas com autorização da Justiça. Ele nega envolvimento com o grupo e
diz que a investigação do caso começou ainda em sua gestão, no final do ano
passado.
Desde o começo de sua gestão, Haddad se sentia incomodado
com o fato de não poder atacar seu antecessor. O PSD de Kassab é um aliado
importante de Dilma Rousseff (PT) na luta pela reeleição. Ele somará de dois a
três minutos de tempo à propaganda presidencial. Por isso, o comportamento de
Haddad desagradou ao governo federal. Em junho, quando a popularidade de Dilma
caiu para a casa dos 30% de aprovação, Kassab procurou a presidente para
afirmar que não a abandonaria qualquer que fosse o cenário. O Planalto jamais
foi contra a investigação na prefeitura de São Paulo. Queria apenas que Kassab,
até por ter iniciado a investigação, tivesse recebido outro tratamento por
parte dos petistas paulistanos.
Kassab deve reafirmar na próxima semana o apoio à reeleição
de Dilma Rousseff, com quem conversa regularmente em Brasília e pelo telefone.
Além de desagradar a Dilma, a atitude de Haddad irritou seu padrinho político,
o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Uma divergência numa cidade ou num
Estado não pode atrapalhar uma aliança nacional. O Kassab está cumprindo aquilo
que ele acordou com a presidente vários meses atrás. O problema de São Paulo
vai ser resolvido em São Paulo. Fico feliz com o apoio do PSD a Dilma”, afirmou
Lula na quarta-feira (13), em Campo Grande (MS).
Além de ter perdido prestígio no Planalto, Haddad viu a
investigação do Ministério Público fazer um estrago – e dos grandes – em seu
próprio gabinete. Em depoimento ao MP na terça-feira (12), Magalhães afirmou
que, entre dezembro de 2011 até o final do ano passado, pagou uma mesada ao
vereador Antonio Donato, secretário de governo de Haddad e homem forte do PT na
gestão paulistana. Donato, que coordenou a campanha vitoriosa de Haddad, pediu
afastamento do cargo na própria terça. Donato nega o teor da acusação e diz que
se defenderá na Câmara Municipal. Um dos mais importantes secretários petistas
na gestão Haddad afirma que o partido está “estarrecido” com a acusação a
Donato. Segundo ele, Donato participou ativamente desde a construção da
Controladoria do município, que investiga o caso, e de várias ações da operação
que prendeu os acusados. Os petistas, reservadamente, acusam Kassab de ter
“armado” essa situação contra Donato, embora o próprio ex-secretário tenha
confidenciado a amigos enxergar “fogo amigo” petista no episódio.
O episódio complicou de vez a relação entre Kassab e o PT no
âmbito municipal. Ela nunca foi boa e agora se complicou de vez. E por mais que
Kassab diga que o episódio se restringe ao plano regional, reafirmando seus
votos de fidelidade a Dilma, o PT ainda pode ser prejudicado com a briga.
Kassab não é importante para o PT apenas nos planos de reeleição de Dilma. Na
estratégia montada por Lula para tentar eleger o ministro da Saúde, Alexandre
Padilha (PT), ao governo de São Paulo, Kassab precisa sair candidato para tirar
votos do atual governador Geraldo Alckmin (PSDB). O estrago está feito. E, com
ele, Haddad vê seu castelo de fichas desabar aos olhos do crupiê.
Nenhum comentário:
Postar um comentário