Por Bernardo Caram, O Estado de S.Paulo
Com apenas uma nota fiscal emitida ao mês, deputados
federais conseguem usar toda a cota de combustíveis a que têm direito. No
Senado, os valores chegam a ultrapassar os R$ 20 mil. Entre os documentos
apresentados, estão notas de postos de combustível de parentes dos
parlamentares e estabelecimentos que foram doadores em suas campanhas.
Levantamento feito pelo Estado mostra que, no primeiro
semestre, dez deputados gastaram até o último centavo a que têm direito. Eles
apresentaram apenas uma nota por mês com o valor total da cota, sempre em seus
Estados de origem, nos mesmos estabelecimentos ou pertencentes ao mesmo dono.
De janeiro a junho, a Câmara dos Deputados gastou R$ 7,8
milhões para reembolsar os gastos de parlamentares com combustíveis e
lubrificantes. Cada um tem direito a consumir R$ 4,5 mil mensais para abastecer
veículos usados no exercício do cargo.
Ângelo Agnolin (PDT-TO), por exemplo, traz na descrição da
nota apresentada em março o consumo de 1.521 litros de gasolina, o que seria
suficiente para fazer um carro médio rodar pelo menos 15 mil quilômetros. Ainda
na mesma nota, o deputado paga três preços diferentes de gasolina comum (R$
2,79, R$ 2,95 e R$ 3,12).
Fidelização. O deputado Davi Alcolumbre (DEM-AP) gasta toda
sua cota no posto Salomão Alcolumbre & Cia. LTDA, em Macapá. O mesmo
sobrenome não é coincidência. Salomão, ex-suplente de José Sarney e falecido em
2011, era tio do parlamentar. O posto continua sob o comando da família.
As normas de uso da verba indenizatória proíbem a utilização
da cota para ressarcimento de despesas relativas a bens fornecidos ou serviços prestados
por empresa da qual o proprietário ou detentor de qualquer participação seja o
deputado ou parente de até terceiro grau. De acordo com o chefe de gabinete do
parlamentar, a família Alcolumbre é dona de cerca de 70% dos postos de
combustível do Amapá, "sendo inviável não abastecer na empresa de
parentes".
Em todas as notas de Davi Alcolumbre às quais o Estado teve
acesso, os valores discriminados dos produtos sofreram pequenos arredondamentos
para que o valor final fosse exatamente o máximo que a Câmara permite para
reembolso. Na nota fiscal de março, por exemplo, apesar de a soma dos produtos
consumidos totalizar R$ 4.501,70, consta no valor final o montante de R$
4.500,00. Se o documento tivesse o valor correto, Alcolumbre teria de completar
R$ 1,70 do próprio bolso, ideia que parece não ter agradado o parlamentar.
Minimalista. A técnica utilizada pelo deputado Vinicius
Gurgel (PR-AP) é ser tão apurado quanto um conta-gotas na hora de abastecer. Os
volumes de combustível chegam a ser medidos com até três dígitos depois da
vírgula para que a nota fiscal alcance exatos R$ 4,5 mil. Em janeiro, foram
806,451 litros de gasolina e 991,189 litros de diesel.
Nas notas apresentadas pelo deputado Manoel Salviano
(PSD-CE), o "desconto" é mais claro. Consta no documento de janeiro,
por exemplo, "valor dos produtos: 4.510,45" e, logo abaixo, o
"valor total da nota: 4.500,00". O dono do posto em que Salviano
abastece todos os meses consta nos registros do Tribunal Superior Eleitoral
como financiador da campanha do parlamentar.
Em 2010, Marciano Teles Duarte doou R$ 10 mil ao candidato.
O mesmo registro aparece nas contas do presidente da Câmara, Henrique Eduardo
Alves (PMDB-RN), e do deputado Biffi (PT-MS). O posto em que Alves gastou quase
R$ 17 mil apenas no primeiro semestre também doou R$ 10 mil para a sua campanha
eleitoral. Biffi, por sua vez, gastou R$ 21,5 mil de janeiro a junho no mesmo
estabelecimento que doou R$ 1.330 para sua campanha em 2010.
Total flex. No Senado, só há restrição para o uso de combustível
nos carros oficiais. A cota, nesse caso, é de 300 litros de gasolina por mês ou
420 litros de álcool. Já o reembolso de combustível usado em outros veículos,
desde que seja justificado pelo exercício da atividade parlamentar, pode chegar
mensalmente a valores entre R$ 21 mil e R$ 44 mil, que são os limites máximos
da verba indenizatória, dependendo do Estado de origem do parlamentar.
O senador Mozarildo Cavalcanti (PTB/RR) apresentou em junho
uma nota fiscal no valor de R$ 22,5 mil com a justificativa de que eram
"despesas com combustíveis para atender demanda do escritório político em
Boa Vista". No posto onde a nota foi emitida, o litro da gasolina custa R$
3,03. Com o valor da nota, é possível comprar quase 7.500 litros do combustível,
o suficiente para abastecer 185 carros médios.
Neste ano, Mozarildo apresentou outras seis notas emitidas
pelo mesmo posto, que variam de R$ 2 mil a R$ 3,5 mil. Somados, todos os
documentos pagos pelo Senado alcançam um montante de R$ 39 mil apenas com
combustível. A equipe de gabinete do senador não detalhou o consumo, mas
informou que todos os gastos são previstos nas regras do Senado.
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