Por Ruth de Aquino, colunista da Época
Todo homofóbico, a meu ver, tem algum problema de
sexualidade. Porque uma coisa é um homem só gostar de mulher. Bravo, está no
seu direito. O homem hetero também pode não se sensibilizar com a causa gay,
não ser militante por direitos iguais, ter uma ideia conservadora de família e
ser até contra o divórcio. Bravo, há espaço para todos. Outra coisa, bem
diferente, é um homem odiar homem que goste de homem. Achar que
homossexualidade é doença. Querer varrer homossexuais para dentro do armário.
Ou coagi-los, transformando os gays em cidadãos de segunda categoria.
Desses, eu desconfio. Caramba, esse pastor evangélico
catapultado a presidente de Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara,
à revelia da sociedade civil, só pensa naquilo. O deputado do PSC de São Paulo
– e PSC, minha gente, quer dizer Partido Social Cristão – a todo momento,
semana sim, semana não, dá um jeito de colocar na pauta mais um projeto que
retira direitos já conquistados por homossexuais. Num retrocesso inadmissível.
O mundo atual é outro, muito mais tolerante com a diversidade sexual. E muito
mais avesso ao preconceito.
Em São Paulo, um debate público que começou ontem e termina
amanhã, promovido pela Escola Paulista de Medicina da Unifesp, junto com a
Organização Mundial da Saúde (OMS), revê a Classificação Internacional de
Doenças (CID), no que se refere à sexualidade. A nova edição da CID formaliza
enfim a igualdade entre orientações sexuais no mundo todo. É condenável,
portanto, segundo a OMS, a visão distorcida e discriminatória da
homossexualidade como uma “doença” que pode ser “curada”. Está explicado
(precisa desenhar, sr Feliciano?) que qualquer orientação sexual deve ser
considerada uma parte intrínseca e natural do desenvolvimento do ser humano.
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Por que o deputado insiste em espernear? Quem é, na vida
pregressa, o pastor de ovelhinhas brancas e heterossexuais, que deu tantas
declarações racistas e homofóbicas e que, por causa de nossa política do
toma-lá-dá-cá, passou a cuidar dos Direitos Humanos, um escárnio para todos que
participaram do abaixo-assinado de 450 mil contra sua nomeação?
Marco Feliciano tem origem pobre. Diz que trabalhou como
vendedor de picolé. Começou a pregar aos 19 anos e tentou ser pastor em Belém.
Em sua biografia, diz-se que foi rejeitado por líderes religiosos da própria Assembléia
de Deus e de igrejas pentecostais. Só aos 26 anos, ainda sem a consagração de
pastor, foi reconhecido pela Assembléia de Deus. Aos 27 anos, viajou para os
Estados Unidos e foi consagrado pastor. Fez curso de contabilidade, faculdade
de teologia e é doutor em Divindade e Artes da Teologia por uma instituição
americana.
Ainda responde a uma ação por estelionato aberta pelo
Ministério Público gaúcho no STF. É acusado de ter recebido R$ 13 mil para
realizar um culto ao qual não compareceu. Seu advogado diz que ele devolveu o
dinheiro.
Os vídeos em que aparece são mais contundentes do que
qualquer ação ou acusação não comprovada.
Vídeo 1: Feliciano pede a senha do cartão de crédito a um
fiel de sua igreja.
“É a última vez que eu falo. Samuel de Souza doou o cartão,
mas não doou a senha. Aí não vale. Depois vai pedir o milagre pra Deus, Deus
não vai dar, e aí vai falar que Deus é ruim”.
Vídeo 2: Feliciano diz em culto que John Lennon foi morto
por “vingança divina” por ter dito que os Beatles eram mais populares do que
Jesus Cristo.
“Ninguém afronta Deus e sobrevive para debochar”. “Eu queria
estar lá no dia em que descobriram o corpo dele (Lennon). Ia tirar o pano de
cima e dizer: me perdoe John, mas esse primeiro tiro é em nome do Pai, esse é
em nome do Filho e esse é em nome do Espírito Santo”.
Vídeo 3: Feliciano diz que Dinho, vocalista do Mamonas
Assassinas, “se vendeu ao diabo” por dinheiro e por isso morreu em acidente
aéreo.
“O avião estava no céu (...) Ao invés de virar para um lado,
o manche tocou para o outro. O anjo pós o dedo no manche, e Deus fulminou
aqueles que tentaram colocar palavras torpes na boca das nossas crianças”.
Vídeo 4: Feliciano fala de Caetano Veloso e Lady Gaga.
Caetano conseguiu sucesso com ajuda de “forças malignas”
após encontro com Mãe Menininha do Gantois.
“O diabo tem uma Lady Gaga que canta e encanta”.
Vídeo 5: Feliciano contra a Igreja Católica.
Católicos “adoram Satanás” e têm o corpo “entregue à
prostituição”. Classifica a religião católica de “morta e fajuta”.
Vídeo 6: Feliciano contra gays.
“O meu Jesus não foi feito para ser enfeite de pescoço de
homossexual, nem de pederasta. Nem de lésbica”.
Ok, Marco Feliciano pode ser um doente que resistiria a
qualquer tentativa de cura psiquiátrica. Sem problema. Bem-aventurados sejam os
pobres de espírito.
Mas, colocar na presidência da Comissão de Direitos Humanos
da Câmara um deputado desses?
Vejamos suas últimas tentativas de legislar sobre a
sexualidade.
No mês passado, outubro de 2013, a Comissão aprovou projeto
de Marco Feliciano. Ele ressuscitou um texto que estava parado havia dois anos
na Câmara. Objetivo? Dar direito a expulsar gays de cultos religiosos. Em
setembro, Feliciano mandou prender duas jovens que se beijaram num culto ao
qual ele estava presente, em São Sebastião (SP). Pediu que os policiais dessem
“um jeito nas meninas”. Elas saíram do local algemadas e num camburão. O
deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) protestou contra o projeto aprovado: “É a
descriminalização da homofobia nos templos”.
O pastor deixou passar um tempinho e voltou à carga agora: a
Comissão presidida por ele aprovou dois projetos que, se levados adiante, farão
o Brasil voltar atrás e desgarrar da tendência mundial. Um dos projetos
suspende resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de maio de 2013, que
autoriza cartórios a realizar casamentos entre pessoas do mesmo sexo. A
Comissão presidida por Feliciano também rejeitou, na mesma reunião, proposta
que daria a companheiros de gays direito de receber pensão pelo INSS.
Homossexuais, segundo Feliciano, não podem ter direitos previdenciários
garantidos a outros cidadãos. Por várias vezes Feliciano tentou colocar na
pauta da Comissão o projeto que permite a psicólogos a “cura gay”.
Sério. O que pensa de tudo isso a ministra da Secretaria de
Direitos Humanos de Dilma, Maria do Rosário? O que pensa a presidente Dilma
Rousseff, que ontem chamou a sociedade brasileira de ainda "sexista e
preconceituosa" contra as mulheres? O que dizem os cidadãos deste país,
que tem outras prioridades, como a não violação de direitos humanos de todos,
qualquer que seja a cor, a classe social, o gênero e a orientação sexual?O que
quer dizer a obsessão sexual de Marco Feliciano? Nessas horas, eu me lembro do
magnífico filme Beleza Americana, de Sam Mendes, em que um coronel (Chris
Cooper), obcecado com a ideia de que o filho pudesse ser gay, acaba matando o
vizinho (Kevin Spacey) por achar que os dois tinham um caso. No final das
contas, antes de dar tiros, o coronel tenta beijar o vizinho e é rechaçado.
Estranho, não? Mas acontece. O coronel projetava no filho seus próprios desejos
reprimidos.
Na semana passada, dia 20 de novembro, a Comissão de
Direitos Humanos e Minorias da Câmara aprovou, sob insistência de Feliciano, a
convocação de um plebiscito sobre a união civil de pessoas do mesmo sexo. É que
ele não aceita que homossexuais se casem, não quer, já bateu o pé. Lindo.
Feliciano pretende fazer o plebiscito coincidir com o primeiro turno das
eleições de 2014. Um plebiscito nacional, que seria decidido por maioria simples.
Sim ou não para o casamento civil de homossexuais?
Proponho um outro plebiscito, também por maioria simples.
Marco Feliciano pode ter as ideias lá dele, defendê-las em casa e até com seus
fiéis. Ele já provou que a tolerância com a diversidade passa longe de suas
convicções. O que torna uma galhofa nacional seu atual cargo. É verdade que ele
tem representatividade em seu rebanho: em 2010, foi o evangélico com maior
número de votos no país. O que não faz nenhum bem à imagem dos evangélicos
brasileiros.
O plebiscito seria uma pergunta simples. Marco Feliciano tem
condição de ser presidente de uma comissão de direitos humanos e minorias do
governo? Sim ou não?
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