Em janeiro deste ano, o recém-eleito prefeito de São Paulo,
Fernando Haddad (PT), ainda não poderia prever todos os percalços que surgiram
em seu primeiro ano de mandato na cidade, como o levante de protestos em junho
e o escândalo da máfia dos auditores fiscais. Mas, quinze dias depois de
assumir a cadeira, deu uma declaração vaticinadora ao afirmar que São Paulo era
“um cemitério de políticos”.
Prestes a completar 365 dias de governo, o tombo em sua popularidade
mostra que petista de primeiro mandato não soube se equilibrar na
administração, que também chamou de "esporte radical": dos 34% de
aprovação em junho, Haddad despencou para 18% em julho, segundo o Datafolha.
Os tropeços de Haddad
Janeiro Quinze dias
depois de assumir, congela 12% do orçamento, R$ 5,2 bilhões e logo determina a
revisão de contratos
Abril - Enfrenta protesto de movimentos organizados de
moradia popular
Junho - Aumenta a
tarifa de ônibus para R$ 3,20 e vê a cidade ser tomada por onda de protestos e
vandalismo.Revoga, a contragosto, o reajuste; e adia licitação de ônibus
Julho - Popularidade cai de 34% para 18% após protestos.
Fila para exames médicos aumenta e passa de 840.000 pacientes
Agosto - Prédio em construção irregular desaba e mata dez
operários em São Mateus; prefeitura investiga propina. Altera plano do Arco do
Futuro, promessa de campanha
Setembro - Improvisa lançamento da Rede Hora Certa em
carreta móvel; ambulatórios reformados não ficam prontos no prazo
Outubro - Aprova aumento de até 35% do IPTU. Rompe contrato
com a Controlar, mas Justiça mantém inspeção veicular obrigatória. Muda
itinerário de linhas ônibus e moradores protestam
Novembro - Estoura operação contra Máfia do ISS. Perde seu
homem forte, Antonio Donato (PT), envolvido no esquema por fiscal
Dezembro - Popularidade fica estagnada em 18%
O prefeito terá meses torrenciais pela frente para evitar
ser sepultado pela cidade. Em meio às tradicionais enchentes de verão, trânsito
caótico e à chegada do carnê do IPTU mais alto na casa dos paulistanos, Haddad
precisará fazer vingar o projeto do PT de transformar sua gestão numa vitrine
do partido para as eleições de 2014 – quando pretende reeleger a presidente
Dilma Rousseff e desalojar o PSDB do Palácio dos Bandeirantes com a candidatura
do ministro Alexandre Padilha (Saúde).
O PT voltará a disputar o Estado governando a prefeitura
depois de doze anos – a última vez foi com Marta Suplicy, em 2002. É justamente
na capital paulista e nas cidades do entorno, sobretudo no ABC, que o partido
costuma se sair melhor nas urnas. Padilha tem 5% das intenções de voto na
capital e só 3% no interior, mostra o Datafolha.
Sem conseguir a renegociação da dívida paulistana de 54
bilhões de reais com o governo federal, Haddad conta com auxílio financeiro de
Dilma para alavancar projetos anunciados em campanha – como os corredores de
ônibus e as 55.000 casas populares. Dilma foi pessoalmente à sede da prefeitura
anunciar um pacote de 8 bilhões de reais, depois da eclosão das manifestações
que por pouco não conseguiram invadir o prédio da prefeitura após quebra-quebra
na região central.
Tarifa - O estopim das marchas foi o aumento das tarifas de
transporte, de 3 reais para 3,20 reais, que havia sido adiado do início do ano
em uma manobra combinada com Dilma para segurar a inflação. Enquanto os
protestos tomavam uma proporção descontrolada, Haddad batia o pé em dizer que
estava “cumprindo o prometido na campanha” e resistia a revogar o aumento. O
desgaste do petista ficou ainda mais evidente quando deixou Alckmin anunciar
primeiro, no Palácio dos Bandeirantes, que a medida estava suspensa. Ao lado do
tucano e visivelmente contrariado, Haddad pareceu agir a reboque, segundo
avaliação de petistas.
“O prefeito Haddad teve uma séria de dificuldades que não
estavam previstas, foi um ano atípico”, diz o presidente eleito do PT paulista,
Emídio de Souza.
Haddad argumentou que a revogação do aumento de 20 centavos
comprometeria investimentos na cidade e passou a intensificar a agenda pela
revisão da dívida com o governo federal – que ainda não foi aprovada pelo
Senado. O prefeito reclama do comprometimento da receita, porque o subsídio passou
de 600 milhões de reais para 1,6 bilhão de reais.
Para compensar, Haddad enviou à Câmara Municipal o projeto
de aumento em até 35% no valor do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU),
o que ele justificou que ajudaria a sanear as contas da gestão e bancar a
tarifa. O projeto reforçou a impopularidade do petista, na avaliação de
integrantes do primeiro escalão.
A base de vereadores de Haddad na Câmara Municipal começou a
balançar justamente na votação do reajuste do IPTU, aprovado com pouca margem e
já sem apoio do PSD de Kassab – embora os articuladores do prefeito tenham
conseguido aprovar os projetos mais importantes para o Executivo no ano.
Foi depois da votação que Haddad enfrentou o principal
protesto desde que assumiu o cargo. Ele subiu no palanque no Vale do Anhangabaú
para discursar no Dia da Consciência Negra – tema em que o PT tem militância
histórica –, mas foi vaiado e enfrentou uma chuva de garrafas d’água e latas de
cerveja.
Base - A indisposição de vereadores não contemplados com cargos
em subprefeituras e verbas para obras de sua indicação se espalhou no PT
paulistano e partidos aliados. Deputados estaduais e federais de olho em
“feudos” na capital paulista também cobram indicações de cargos. Os vereadores
ameaçam dificultar a relação com Haddad caso a gestão não apresente resultados
positivos até o primeiro semestre do ano que vem: “Se não estiver bom, a gente
não tem dificuldade nenhum em ir para a oposição”, diz um vereador da base.
Parlamentares do PMDB e do PSD reclamam que os secretários
são “inexperientes” e “imaturos”. Os vereadores também recebem queixas dos
secretários, que acham Haddad “centralizador”, “desconfiado” e “impaciente”. Há
pressão sobre os secretários da Saúde, José de Filippi Jr (PT), da Educação,
Cesar Callegari (PSB), e de Assistência Social, Luciana Temer (PMDB) – uma das
que teve redução de verba de 14% no projeto orçamentário de 2014, que soma 50,7
bilhões de reais.
“Os vereadores do PMDB já não têm relacionamento com os
secretários, que não conseguem dar vazão às demandas, não comandam as pastas”,
relata um parlamentar do partido. “A Luciana Temer virou intocável porque é
filha do vice-presidente da República e faz o que quer. É a pior área do
governo.”
O PSD prepara o desembarque da gestão Haddad – o partido do
ex-prefeito Gilberto Kassab abandonará a São Paulo Turismo (SPTuris) – e flerta
com a oposição. A legenda acha que a empresa controlada pela prefeitura não tem
o mesmo “tamanho” da bancada de vereadores.
“O prefeito não é agregador, portanto faz uma administração
solitária”, diz o vereador José Police Neto (PSD), ex-presidente da Câmara
paulistana. “A cidade de São Paulo não consegue ser resolvida com Sassá Mutema,
precisa de muito mais do que isso. Salvador da pátria aqui não tem.”
O mal-estar com correligionários de Kassab se ampliou com a
operação de combate à máfia de auditores fiscais que podem ter desviado até 500
milhões de reais dos cofres da prefeitura. Auditores nomeados para cargos de
confiança na gestão Kassab davam descontos no pagamento do Imposto Sobre
Serviços (ISS) a construtoras em troca de propina. Eles agiram entre 2005 e
2012, segundo apuração do Ministério Público e da Controladoria-Geral do
Município. A apuração foi incentivada pessoalmente por Haddad, mas acabou
respingando em sua própria gestão: o secretário de Governo, Antonio Donato
(PT), caiu após um fiscal afirmar em depoimento que ele recebeu mesada de
20.000 reais para campanha a vereador em 2012.
A condução do caso por Haddad e um bate boca com Kassab
também causou desgaste e controvérsia com a cúpula do PT. Donato pediu demissão
em um almoço com Haddad, Emídio e outros dois presidentes do PT: Rui Falcão
(nacional) e Paulo Fiorilo (municipal). Depois da reunião, um deles admitiu: “É
crise atrás de crise”.
Para o deputado estadual Edinho Silva (PT), as críticas
internas a Haddad de correntes como a PT de Lutas e de Massa são inerentes ao
jogo democrático do partido: “No primeiro ano do governo Lula, ele fez ajustes
na economia e setores do PT e movimentos sociais teceram críticas duríssimas. É
algo muito semelhante ao que o Haddad está vivendo”.
Trânsito - Mesmo medidas administrativas consideradas
corretas por especialistas e bem avaliadas pela população foram pouco
exploradas positivamente pela gestão Haddad, na avaliação de líderes do PT.
Exemplos são a criação do Bilhete Único Mensal, a mudança nos ciclos de ensino
da rede pública de escolas com fim da aprovação automática de alunos e a
inclusão de provas bimestrais; e a pintura de faixas exclusivas para ônibus nas
avenidas da cidade – que o prefeito pretende ampliar para 300 quilômetros até o
fim do ano.
Haddad não “solucionou o trânsito com uma lata de tinta e um
pincel”, como o padrinho Lula se apressou em dizer, já que a cidade chegou ao
recorde histórico de 309 quilômetros de congestionamento. Mas as faixas tiveram
aprovação de 88% dos paulistanos, aceleraram o deslocamento dos coletivos e
viraram tema de propaganda na TV. E mesmo assim não impactaram a avaliação
sobre o prefeito.
“Está faltando comunicar um pouco melhor essa agenda
positiva que ele tem. O Bilhete Único Mensal está começando a vigorar agora e
precisa ser comunicado, foi uma bandeira importante da campanha. Ninguém viu
nada até agora”, afirma Emídio.
Petistas como o deputado Cândido Vaccarezza afirmam que
Haddad está “acertando e fazendo os ajustes apara governar bem” e virar um cabo
eleitoral de Dilma e de Padilha no ano que vem. A impopularidade pode
transformar, porém, a vitrine petista numa vidraça a ser explorada pelos
adversários. A esperança do partido é que com um Orçamento calibrado por ele
mesmo – e não herdado de Kassab –, Haddad possa reverter a popularidade em
queda. “Nunca vi governo em primeiro ano bombar. É um ano duro, quando tem de
consertar, e é o ano que dói mais”, diz o deputado federal e secretário-geral
do PT, Paulo Teixeira.
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