Por Carla Jiménez e Luis Prados, Brasília, El País
O senador do PSDB Aécio Neves pediu mil desculpas pelos
poucos minutos de atraso para a entrevista ao EL PAÍS, na sede do partido em
Brasília. De sorriso generoso, o neto de Tancredo Neves, personagem símbolo da
redemocratização brasileira, respira política desde que nasceu. Talvez por isso
fale com naturalidade quando questionado sobre seus índices ainda baixos nas
pesquisas eleitorais para a presidência da República. Pelo mais recente
levantamento do instituto de pesquisa Datafolha, ele tem 19% das intenções de
voto, enquanto a presidenta Dilma Rousseff, 47%.
Eduardo Campos, do PSB, que tem a ambientalista Marina Silva
como vice, teria 11% das preferências. “Mais de 60% da população quer mudar
tudo. Quando um de nós, e espero que seja o candidato do PSDB, mostrar como
combateremos a inflação, como vamos cuidar da educação etc., haverá o casamento
entre a expectativa de mudança com o candidato”, avalia o senador. A calma,
entretanto, só fica suspensa quando o assunto é o pingue-pongue que se
estabeleceu com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, sobre as
investigações do esquema de subornos nas licitações do metro em São Paulo,
administrado pelo tucano Geraldo Alckmin. O PSDB entrou com uma representação
na Comissão de Ética contra Cardozo. “Esse processo foi mal conduzido. O que
fizemos foi dizer: “Alto lá”.
Pergunta: Os eleitores de menor poder aquisitivo só enxergam
que a renda melhorou. Como o PSDB vai convencer esse grupo de que é preciso
mudar e votar no seu partido?
Resposta: Nos últimos seis meses, fui a mais de seis Estados
e conversei com as pessoas. Há uma percepção crescente, de que as expectativas
que temos do futuro não são as mesmas lá de trás. Nas últimas eleições
municipais, no ano passado, isso ficou claro. Nas principais capitais mais
pobres do Norte e do Nordeste, nós ganhamos do governo: Salvador, Aracaju,
Teresina, Maceió, Belém e Manaus. Onde há, inclusive, o Bolsa Família, que foi
o grande instrumento eleitoral do governo, iniciado por nós. Há a percepção de
que a população espera mais do governo, coisas que ele não entrega. Do ponto de
vista educacional, temos média de escolaridade pior que o Paraguai. Não avançamos
nas questões essenciais. Resumindo: não é algo fácil. Mas quando tivermos a
oportunidade de falar, num debate, mostrar que as principais conquistas dos
últimos dez anos, como o controle de inflação, a credibilidade do Brasil, tudo
isso começa a se perder, a percepção vai chegar às pessoas.
P. As pesquisas captam esse desejo de mudança. Mas, não
parece que a oposição capitalize esse sentimento. O senhor teve dois mandatos
em Minas Gerais reconhecidos. Mas, como senador, não se projeta em nível
nacional.
R. Concordo que o sentimento é real, e não há, ainda, a
apropriação desse sentimento por nenhum candidato de oposição. Em Minas Gerais
temos uma margem de aprovação muito grande, em comparação à presidenta da
República, onde conhecem nosso trabalho. Em 2009, véspera do ano eleitoral de
2010, o sentimento do Brasil era de continuidade. Economia crescendo, emprego
crescendo, etc. José Serra tinha 38%, Dilma tinha 17%, e Marina, 6%. A então
candidata Dilma só foi encostar e ultrapassar Serra no final de julho do ano de
eleição, porque aí ela teve visibilidade, encarnou o sentimento da
continuidade. Eu não tenho a menor expectativa que haja espaço para crescimento
(da intenção das pesquisas), antes de haver o espaço para debater. O que é
sólido, hoje: mais de 60% da população quer mudar tudo. Quando um de nós, e
espero que seja o candidato do PSDB, mostrar como combateremos a inflação, como
vamos cuidar da educação, como faremos os serviços públicos funcionarem, como
vamos tratar o setor privado – como parceiro e não como adversário – haverá,
com alguma naturalidade, o casamento entre a expectativa de mudança com o
candidato. Mas isso vai acontecer a partir da metade do ano que vem.
P. O senhor não acha que a mesma pessoa que deseja mudança
tem a sensação que a única coisa que une a oposição hoje no Brasil é a rejeição
a Lula? Que a oposição não tem um programa, e faz uma oposição elitista?
R. Esse estereótipo existe em relação ao PSDB. Mas, temos
uma história extraordinária. Talvez, tenhamos errado muito na nossa comunicação
nas últimas eleições. Um dos meus maiores esforços, desde que assumi a
presidência do partido, foi resgatar o nosso legado, pois boa parte do que
tivemos em termos de avanço no país foi em função do que ocorreu durante os
governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Estabilidade da moeda,
privatizações, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o início de programas de
transferência de renda. Mas, nós não nos apropriamos eleitoralmente disso.
Talvez por equívoco, ou por opção, não importa. FHC deixou entre Bolsa
Alimentação, Bolsa Escola, Vale Gás, e outros, 6,9 milhões de beneficiados.
Hoje temos cerca de 13,5 milhões de beneficiados do Bolsa Família. O presidente
Lula foi beneficiado pela herança bendita do FHC, mas ela se exauriu. Lula teve
duas virtudes. Uma foi manter, por um bom período, os pilares macroeconômicos
fundamentais, flexibilizados no final de seu governo, e também durante o
governo Dilma. O outro, foi a unificação e aprofundamento de programas de
renda. A face negra disso é o uso eleitoral, de forma leviana. Chegam perto das
regiões mais pobres e dizem que o PSDB vai acabar com o Bolsa Família (BF). Até
o ex presidente Lula disse recentemente: os adversários do BF estão de volta.
P. E o Bolsa Família torna-se política de Estado com o
senhor?
R. O Bolsa Família está enraizado. Mas, há uma diferença
entre o PT e a gente. Para eles, o BF é o ponto de chegada. Para nós, é o ponto
de partida. O Brasil não pode viver exclusivamente desse benefício. Um pai de
família não pode querer deixar de herança para o seu filho um cartão do BF. O
PT se contenta com a administração diária da pobreza. E nós queremos a
superação da pobreza. E aí é educação, educação, educação. Eu propus que todo
trabalhador que assinar a carteira, receba o benefício por mais seis meses. A
lógica do governo é inversa à racionalidade. Ele quer comemorar um milhão de famílias
a mais no BF. Eu quero comemorar um milhão de famílias a menos porque se
incorporaram ao mercado de trabalho.
P. Como o PSDB vai passar essa mensagem para a população,
quando se mostra dividido, com José Serra, fazendo a guerra por sua conta, e a
gestão de São Paulo, muito chamuscada por escândalos e possível corrupção?
R. A unidade do PSDB é o principal combustível que temos
para mais adiante termos chances eleitorais. Vamos chegar lá. É legítimo que o
companheiro Serra tenha suas pretensões, ele tem uma história política
respeitável. Mas, as últimas conversas que temos tido apontam na direção da
unidade, pois acima de qualquer diferença que tenhamos, há um projeto em comum,
que é terminar com o ciclo do PT e iniciar outro, ético, eficiente, meritocrático.
O PSDB também passa por uma mudança geracional. Temos 25 anos de partido, e é
natural que haja uma mudança. O PSDB governa hoje 52% da população, e 54% do
PIB brasileiro. Não esperem do PSDB nas próximas eleições a mesma postura
defensiva que tivemos nas últimas três. Estamos resgatando nosso legado, até
pra mostrar que parte dos avanços, sem negar o papel do presidente Lula, mas
olhando par ao futuro.
P. Educação foi frustrante tanto com o PSDB, que adotou a
política de aprovação automática dos alunos, quanto com o PT. Como fica o
projeto que está no Congresso, de dobrar o investimento de 5% para 10% do PIB?
E como melhorar a gestão do dinheiro?
R. Discordo da primeira parte. Num momento do Brasil saindo
de uma inflação de quatro dígitos, o governo FHC teve o grande mérito da
universalização do acesso. Quando ele saiu do governo, 97% das crianças estavam
na escola. Com o PT, era hora de ganhar na qualificação. Nós queremos chegar,
gradualmente, a 10% do PIB em educação. Mas, não adianta apenas investir, tem
de qualificar. E Minas Gerais é referência para o Banco Mundial, inclusive com
os contratos de metas de médias escolares para cada município mineiro. Daí se
assinava um documento, com a superintendência de educação, e o governador
também assinava. Pois se essa nota chegasse ao estipulado, os envolvidos
ganhavam o décimo quarto salário. Todo mundo ficava envolvido naquilo. As
professoras e pais de alunos, etc, se reuniam no final de semana, e davam
reforço para os alunos. É o melhor? Não sei, mas é o caminho que achamos para
otimizar o caminho.
P. O governo atrela aumento de gasto a royaltie de petróleo.
R. Votamos a favor dessa proposta, mas isso ainda é um
terreno na Lua. É coisa do governo marketeiro. Eu, pessoalmente, preferia que
se constituísse um fundo, e que o rendimento do fundo financiasse a educação.
Até que esses recursos possam vir, é preciso, pois eles só farão diferença
daqui a dez anos. E para fiscalizar o uso de recursos de educação, é preciso
uma Lei de Responsabilidade Educacional, onde haja metas estabelecidas. Não
vejo o Governo do PT encarar isso. Com crescimento de renda e pleno emprego, a
sensação é positiva. Mas esse é o momento de enfrentar contenciosos. Eu não
quero que o Brasil seja o país do pleno emprego de dois salários mínimos. Eu me
pergunto: Para que o PT quer um novo mandato? De 2008 para cá deveríamos ter
criado um ambiente estável, para tonar-nos mais competitivos. Nós assustamos os
investidores. Os próximos quatro anos serão muito duros para o Brasil, e por isso
mesmo precisamos de um governo rígido.
P. Quando o senhor diz que os próximos quatro anos serão
muito duros, passa a sensação de que a recessão está logo ali, virando a
esquina. Há quem diga que o Brasil está como a Espanha em 2008, com o governo
negando a crise e a crise chegando? O senhor acredita nisso?
R. Acho que em parte, sim. Tenho receio que a marolinha de
2008 vire um tsunami lá na frente. Tenho conversado com muitos agentes econômicos.
A situação será dura, não dá para enfrentá-la com paliativos, mas acredito que
a chegada do PSDB ao governo permitirá uma reversão de expectativas. O PT veio
flexibilizando os pilares da economia e usando instrumentos microeconômicos,
como a desoneração tributária, para resolver questões macroeconômicas.
Capitalização do BNDES, por exemplo, é via Tesouro. O governo FHC tirou
esqueletos dos armários. O governo do PT os enche com novos esqueletos. Aportes
no Tesouro passaram de 14 bilhões de reais, há seis anos, para 400 bilhões de
reais. Hoje, 400 prefeitos em Minas quase não têm dinheiro para pagar salário.
O Governo federal entrava com 56% dos conjunto de investimentos em saúde.
Passados dez anos, só entra com 45%. Quem complementa essa conta? Os municípios.
O mesmo em segurança pública. A situação é grave, mas o país felizmente tem
instituições sólidas. Os últimos fatos (com a prisão dos réus do mensalão)
trouxeram um sentimento de que a impunidade não vai prevalecer. Temos imprensa
livre, que no que depender de nós, será permanentemente livre. Apesar dos
ataques do governo atual, à liberdade de imprensa. Num viés que devemos
acompanhar com atenção, pois aproxima setores do PT ao que já assistimos,
infelizmente, na Venezuela, e na Argentina. Mas temos democracia sólida, que
passou por percalços, afastou um presidente por corrupção, e que prende hoje
pessoas que cometeram crimes.
P. A presidenta Dilma Rousseff deu uma entrevista ao El PAÍS
que gerou bastante polêmica por ter antecipado a revisão do PIB de 2013.
R. A presidência atua para minar credibilidade de
instituições de estado. Constrange o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) - responsável pela divulgação do PIB - ao antecipar um
resultado que não deveria sequer ter ainda. Nós todos comemoramos a revisão do
PIB para cima, mas é uma demonstração que o Governo não tem limites de
estruturas de estado. São informações de Estado, e não de Governo. Isso tem
efeito na economia.
P. O PSDB capitaliza imagem de um partido mais austero, mas,
vocês também têm esqueletos no armário da corrupção, com o mensalão mineiro e
os escândalos de suborno no metrô em São Paulo. Como vão lidar com isso?
R. O PSDB não tem, em campo algum, medo do debate com o
governo. Nem no econômico, nem no social, nem no ético. Por mim, o chamado
mensalão mineiro deveria ter sido julgado há muito tempo. Até porque de
mensalão não tem nada e o processo vai demonstrar isso. Ali houve financiamento
de campanha. E se houve deslize ou crime, (as pessoas) têm de ser punidas
exemplarmente e ponto final. Não faço julgamento prévio. Sobre o caso de São
Paulo, eu tenho respeito enorme pela conduta ética dos ex-governadores Mário
Covas, do José Serra e do (atual) Geraldo Alckmin. Há uma acusação, de um
cartel, e se demonstrarem que algum agente político está envolvido, que seja
punido. E se tem alguém ligado ao PSDB, que não apareceu até agora, que seja
punido também. Diferentemente da reação do PT no caso mensalão, não vamos
considerar um crime político quem usou dinheiro público indevidamente.
P. O PSDB em São Paulo vai processar o ministro da Justiça,
José Eduardo Cardozo, por ele ter encaminhado o relatório sobre o esquema da
corrupção no metro à Polícia Federal. Mas não seria esse o papel dele?
R. A meu ver, não cabe encaminhar um documento adulterado
para a Polícia Federal. Queremos que a investigação aconteça, mas algo com uma
grosseira falsificação, ser vazado, por quem detinha o documento... Sem que
houvesse qualquer operação da polícia. Delegados dizem que receberam informações
do Conselho de Administração do Direito Econômico (Cade), e depois de um
silêncio de dois dias, o ministro diz que foi ele quem mandou o documento, não
acho que seja comportamento adequado. Faltou cautela.
P. Eu vi os documentos (publicados na imprensa). Onde entra
a falsificação?
R. Então você deve saber melhor do que eu. Queremos só que a
investigação ocorra com isenção. O papel do partido é cobrar que a investigação
seja feita. Mas os instrumentos de Estado não podem ser utilizados em defesa de
um projeto partidário. Esse processo foi mal conduzido. O que fizemos é dizer:
“Alto lá”.
P. A Suíça, semanas atrás, arquivou uma investigação que
corria sobre propinas pagas pela Alstom a funcionários de São Paulo, porque o
procurador da República, que deveria ter encaminhado os documentos, não os
enviou como deveria.
R. Não conheço esse processo.
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