Artigo de Marina Silva, publicado na Folha de S. Paulo
É comum, ao final de cada ano, que os veículos de
comunicação façam enquetes e consultas para escolher –e, às vezes, premiar– as
personalidades que se destacaram e influenciaram o rumo dos acontecimentos no
país. Exponho aqui o meu voto e o justifico.
Em 2013, o Brasil se encontrou nas ruas. Este não é apenas o
fato mais significativo do ano, mas se estende ao futuro e influencia todas as
expectativas para o próximo ano.
Na verdade, as jornadas de junho permanecem como uma
presença extra, incômoda para muitos como um fantasma na sala, gerando uma sensação
de que os bastidores foram devassados, de que não há mais possibilidade de
"votos secretos", de que o reino inteiro está nu.
Por mais que os operadores do sistema político tentem
restaurar a opacidade na vida institucional, não conseguem escapar aos olhos de
um novo sujeito político que, de fora, abre as janelas. Ainda não chegaram a um
termo na insistente tentativa de controlar a internet, mas já criaram grandes
dificuldades para o surgimento de novos partidos e novas formas de
representação política. Não adianta erguer novos muros, todos serão
ultrapassados ou derrubados.
Esse novo sujeito, coletivo e difuso, que não obedece a um
comando único e age a partir de vários centros, ganhou diversos nomes: ruas,
multidão, manifestantes são alguns dos mais frequentes.
Antes de entrar em cena, era o último a saber das coisas, a
massa de manobra, a maioria silenciosa, enfim, os que não viam, não ouviam e
não falavam. Agora tudo mudou. Esse novo protagonista torna à vida pública de
fato pública e exige que vigore efetivamente uma nova República.
Novos tempos e espaços surgem e neles navegam milhares,
talvez milhões de militantes de uma política diferente, despreocupados em
aparelhar esses espaços ou espichar seus tempos, ou seja, sem a ansiedade
tóxica das disputas por hegemonia e poder.
Essa nova militância, que chamo de ativismo autoral, pois
não se submete a direções partidárias ou sindicais, ONGs ou lideranças
carismáticas, produz uma nova agenda em que as prioridades não são manipuladas.
Assim, no país do futebol, tornou-se possível fazer da Copa das Confederações
uma ocasião para reivindicar mais saúde e educação.
Por essa emergência que surpreendeu aos desatentos e,
principalmente, por essa permanência que se anuncia para o futuro, pela ruptura
com os velhos falsos consensos estabelecidos, pelo reencontro de uma utopia de
justiça que parecia esquecida, voto nessa bela multidão que foi às ruas como
personalidade do ano de 2013 e desejo-lhe mais força e criatividade para
renovar a democracia no Brasil em 2014.
Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no
governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Escreve às sextas na versão
impressa da Folha de S. Paulo.
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