Por Flávio Ilha, O Globo
PORTO ALEGRE – Prestes a completar 85 anos de vida, o
senador Pedro Simon (PMDB-RS) esperneou, relutou, tergiversou, mas acabou
cedendo e anunciou sua aposentadoria após seis décadas e meia de política e
quatro mandatos consecutivos no Senado. Não sem avisar, por meio de assessores,
que ainda “gostaria de correr esse páreo”, como se refere às eleições do
próximo mês de outubro. Em Porto Alegre, onde mora, Simon recebeu O GLOBO e fez
uma análise crítica da política brasileira, com ênfase na fragilidade dos partidos
e na prevalência dos interesses pessoais no Congresso. Sobre a presidente Dilma
Rousseff, foi taxativo: se entregou ao “toma lá dá cá” quando começou a perder
popularidade e viu o projeto da reeleição ficar ameaçado.
Por que o senhor não será mais candidato?
PEDRO SIMON – Faço 85 anos exatamente no dia em que encerro
meu quarto mandato, em 31 de janeiro de 2015. São 65 anos de vida pública e 32
de Senado, então achei que era a hora de me retirar. Mas não foi uma decisão só
minha, o PMDB também optou por fazer uma aliança com o PSB e a vaga (ao Senado)
coube a eles (ao deputado federal Beto Albuquerque). Mas eu sempre disse que se
o partido tivesse alguma dificuldade, algum problema, eu concorreria. Foi uma
decisão natural.
A aliança com os socialistas, antigos aliados do PT no
Estado, não lhe surpreendeu?
Sim, positivamente. Foi uma aliança boa, feita entre pessoas
com afinidade de ideias e propósitos. Com 35 partidos, o que temos visto no
Brasil são alianças feitas sem motivo além dos minutos que cada legenda tem na
televisão. O Supremo até tentou determinar que as alianças fossem nacionais,
mas os partidos não aceitaram. Se fossem nacionais, teríamos seriedade ética e
social na nossa política. Do jeito que está, não é possível.
Com diferenças regionais tão acentuadas, seria viável uma
verticalização da política no Brasil?
Todos os países sérios têm isso, se dividem em blocos bem
nítidos. Democratas e republicanos nos Estados Unidos, trabalhistas e
conservadores na Inglaterra. É esquerda e direita, no mundo inteiro é assim.
Duvido que exista algum país com o número de partidos que há aqui. E com essa
política do governo, do “é dando que se recebe”, do “toma lá dá cá”, lá pelas
tantas um grupo de quatro ou cinco deputados se reúne e funda uma legenda nova
para tirar algum proveito. O último a fazer isso foi o PSD, fez uma aliança
gorda, hoje é a quarta bancada, tem um belo tempo de televisão e todo mundo
quer seu apoio, que no fundo é o tempo do partido na propaganda eleitoral.
Essa fragmentação pode ameaçar a democracia brasileira?
Não usaria o termo ameaçar, mas acho que complica e
dificulta. Pior ainda, ridiculariza. Esse é o primeiro princípio da reforma
política que eu priorizaria: o número de partidos. Foi a minha grande disputa
com o (Leonel) Brizola na democratização: minha tese era de que Arena e MDB,
criados pela ditadura, deveriam persistir até a convocação da Constituinte (em
1985) e, eleito o Congresso, os partidos seriam dissolvidos, com a criação de
blocos ideológicos e prazo de um ou dois anos para se criarem as novas
legendas. Aí se evitaria o que sempre ocorreu no Brasil: partidos de
mentirinha, que nos acompanham desde o Império. Mas não foi isso o que ocorreu,
como sabemos.
O foco do governo na reforma política é a forma de
financiamento de campanha. Não é um tema mais importante?
As campanhas brasileiras são, de fato, um escândalo, o
dinheiro rola das maneiras mais criativas. O PT sempre foi contra o exagero de
dinheiro nas campanhas, mas hoje se mostra a favor. O que não é de estranhar
porque os números mostram que quem dá dinheiro para campanha é empreiteira e
banco, ou seja, os setores tradicionalmente mais ligados ao governo. E nas
últimas eleições, 70%, 80% desse dinheiro de doações foi para o PT. Eu defendo
o financiamento público, mas com cuidado. Hoje, por exemplo, um candidato que
não tem mandato enfrenta os atuais parlamentares, deputado ou senador, em
enorme desvantagem. O poderio da máquina é muito grande, tem as emendas
parlamentares, tem os funcionários do gabinete, verba disso, verba daquilo.
Então, quem decide as eleições já é esse dinheiro público, que vem de tudo que
é jeito. Quando falo em limitação de partidos não quero dizer que tenha que ter
uma lei proibindo de criar, mas determinando exigências para que funcione. A
principal delas é o voto, claro. E depois a fidelidade partidária. No Brasil a
única coisa que não muda na vida do cidadão é o clube de futebol.
Mas a fidelidade partidária já existe.
É verdade, mas nunca foi devidamente regulamentada pelo
Congresso. É um remendo. Na ausência, no vazio da lei depois da Constituinte, o
Supremo até determinou a perda de mandato para quem trocar de partido (em
2008), o que obrigou o Congresso a correr atrás e fazer uma lei regulamentando
o tema. Mas quando o Supremo baixou essa norma, atendendo a um pedido do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Congresso fez o quê? Uma emenda dando seis
meses, depois da eleição, para que os parlamentares possam trocar de partido.
Aí é pra matar, não é?
Depois de quatro mandatos consecutivos no Senado, o que o
senhor pensa do Congresso?
Eu tenho dito ao povo, da tribuna do Senado, que não espere
nada do Congresso. As iniciativas têm que vir do povo. Veja bem: a maior
vitória em termos de reforma política desde a democratização de 1985, a meu
ver, foi a lei da ficha limpa (em 2010), que se deveu a uma iniciativa popular.
O Congresso não queria aprovar, isso era evidente. Um dia antes da votação no
Senado, mais de 20 parlamentares foram à tribuna falar contra a proposta.
Diziam que era um absurdo, que não tinha cabimento, essas coisas. No outro dia,
um mar de gente foi para a frente do Congresso e colocou cruzes no gramado
dizendo que iriam encher o Brasil de cartazes com os nomes de quem votasse
contra a proposta. A lei foi aprovada por unanimidade no dia seguinte. A maior
conquista em quase 30 anos de democracia não foi do Congresso, mas sim uma
proposta de emenda popular.
É pouco para a nossa democracia?
É muito pouco. Nosso Congresso só fez isso (a lei da ficha
limpa) e assim mesmo por pressão da sociedade, não foi uma iniciativa dos
parlamentares. Em qualquer país do mundo quem é condenado pode recorrer, mas a
condenação tem efeito desde o primeiro recurso. No Brasil é o contrário: o
sujeito só é condenado na última instância, quando não há mais possibilidade de
recurso. O (Paulo) Maluf é o exemplo mais clássico dessa distorção: tem um
número infinito de condenações, mas até hoje nenhuma definitiva. Só com a ficha
limpa é que conseguimos impedir que o Maluf continuasse sendo candidato e se
elegendo, eleição após eleição.
O senhor falou em participação e recentemente a presidente
Dilma Rousseff editou um decreto criando os chamados Conselhos Populares. O que
o senhor acha da proposta?
É da maior importância porque permite a participação das
bases sociais na fiscalização e na análise do processo político. O que causou
estranheza, no entanto, foi a falta de um projeto de lei para tratar do tema.
Fazer uma reforma dessa importância e desse significado por decreto não pode. É
evidente que, dessa forma, atingiu diretamente o Congresso. Decreto é só para
atos normativos do Executivo, não para criar estruturas de governo. Mesmo que
sejam mudanças no poder Executivo, como alega o governo, o Congresso tem que
analisar, tem que participar, ver como é que vai funcionar. E hoje está todo
mundo preocupado com o aparelhamento de órgãos do governo. Na crise da
Petrobras ficou evidente que ratearam politicamente os cargos da estatal, coisa
que nunca tinha sido feito. Até os fundos de pensão foram distribuídos
politicamente, para a CUT, para a Força Sindical. Aí, no meio disso, vem o
governo e sigilosamente faz essa mudança sem que ninguém saiba de nada? Aí, sem
mais nem menos, a presidente baixa um decreto? Isso causou uma certa
interrogação.
O que o senhor achou da convenção do PMDB, que renovou a
aliança com o governo para as eleições de 2014?
Prejudicial. Ao longo do tempo, o PMDB se consolidou como o
maior partido do Brasil. Mas viveu seu momento áureo na luta pela democracia,
nos anos de 1980 e depois, com a morte do Tancredo (Neves) e a posse do Sarney
na presidência (em 1985), em vez de se apresentar como um partido de ideias e
propostas, com candidatos próprios, se limitou a ser coadjuvante. Primeiro do
Fernando Henrique (em 1994), depois do Lula e agora da Dilma. Como coadjuvante,
foi perdendo autoridade porque não se impôs como o maior partido do país, que
efetivamente é, e nem como governo. Ficou com essa fama de só querer cargo.
Uma fama equivocada?
Muito. Hoje temos cinco ministérios, mas nossa influência no
governo é zero. Nem o vice-presidente (Michel Temer) participa do núcleo que
toma as decisões. Temos um único ministério importante, Minas e Energia, cujo
ministro (Edison Lobão) não apita nada. Tanto que até hoje ninguém sequer
pensou em convocá-lo para depor na CPI da Petrobras porque sabem que não manda
nada, vai ser inútil ouvi-lo. Então, a cada ano o PMDB é isso: na próxima
eleição vamos apresentar candidato à presidência. E nunca apresentamos.
Chegamos ao extremo de não fazer convenção nacional (em 2004) só para não
apresentar candidato. Temos nos conformado em ser apenas o véu da noiva.
O senhor acha que o PMDB errou ao manter a aliança com o
governo?
O PMDB errou mais uma vez, como sempre, pois tinha condições
de se entender, até mesmo com o PT, em torno de uma candidatura própria. Era
para lançar o Temer candidato, ou qualquer outro, o (Roberto) Requião, por
exemplo, e ver quais dos chegava no segundo turno. Acredito até que os dois, os
candidatos do PT e do PMDB, poderiam chegar no segundo turno. Seria uma grande
saída. Mas o PMDB vem dizendo isso há 20 anos, é sempre na próxima eleição.
Tínhamos o governo do Rio Grande do Sul, perdemos. Tinha Santa Catarina,
perdeu. Em Minas, perdemos. Pernambuco, Paraná, São Paulo, Bahia, Ceará,
perdemos. No Rio não sabemos o que vai acontecer. Então, ficamos com os Estados
pequenos. E a bancada está sujeita a diminuir drasticamente. Nos principais
colégios eleitorais não teremos candidatos majoritários em 2014, o que é um
desastre. As lideranças que estão surgindo são o filho do Renan Calheiros em
Alagoas, o filho do Jader Barbalho no Pará, o filho do Lobão no Maranhão e por
aí vai. Todos candidatos apoiados pelo PT, é bom que se diga. Essa é a nova
geração do PMDB.
Isso é fruto da aliança com o PT?
Sem dúvida. O comando do PT se une só a essa gente que
comanda o partido, ao Renan, ao Sarney, ao Jader, a esse grupo. Não ao PMDB de
fato. A bancada do Senado, por exemplo, nunca se reuniu para indicar um nome
que ocupasse um ministério e, no entanto, aparece que a bancada pediu isso,
pediu aquilo, como se o partido fosse essa gente que está no comando. O PMDB
está sofrendo as consequências de ser coadjuvante. O papel do PT é ficar cada
vez mais forte, isso está mais do que evidente. Nessa eleição, além de ganhar
de novo a presidência, o grande sonho do PT é provocar o enfraquecimento de
todas as outras bancadas no Congresso. Querem chegar a 100 deputados e sonham
com que o PMDB baixe a 50, que todos os outros partidos somem 40, no máximo 45
deputados cada um, só para fazer uma negociação como todos eles no varejo, sem
compromisso com programa de governo. Vou dar um exemplo: quando a atual
legislatura assumiu, houve uma reunião no Senado onde adotamos uma atitude
independente em relação ao PMDB, de apoio ao governo, e propusemos a criação de
um grupo no Congresso, sem pauta de reivindicações, que desse apoio à linha de
moralização adotada pela presidente Dilma nos primeiros meses de governo.
Resultado: ela nunca deu importância a isso e os parlamentares que comandavam
dessa articulação foram sendo, um a um, nomeados para presidente disso ou
daquilo, para esse ou aquele cargo e todo mundo saiu colocado. Aí acabou. O
governo age nesse sentido. Tanto no tempo do Fernando Henrique quanto do Lula e
agora, a primeira coisa que eles fazem é isso.
Mas se governam na base dos cargos não é porque tem gente
disposta a aceitá-los?
Essa sua pergunta é muito ingênua! A quase totalidade do
Congresso quer cargos, está lá para isso. Esse é o problema. Fulano está
incomodando? Dê-lhe uma viagem à Europa para descansar um pouco. Aquele ali
está mais ou menos? Bote ele de presidente da Comissão que está saindo. Ou
então libere as emendas parlamentares do sujeito, R$ 5 milhões, R$ 10 milhões
para gastar no seu Estado. A maneira é essa. Se o Brasil tem essa montanha de
partidos, onde cada deputado é quase sua própria legenda, o governo não tem
nenhuma condição de ter uma maioria garantida. Aí se pratica a tal da
governabilidade, que é um termo bonito mas ineficaz. Só quem fez isso bem no
Brasil, de governar acima dos partidos, foi o Itamar (Franco), depois do
impeachment do ex-presidente (Fernando) Collor (em 1992).
O senhor acha que o Bolsa Família continua sendo a maior
vitrine do PT?
Sem dúvida. Esse foi o maior erro, a meu ver, do
ex-presidente Fernando Henrique: o Comunidade Solidária, que depois o Lula
transformou no Fome Zero, foi uma criação do Fernando Henrique, mas quem
assumiu a gestão foi a dona Ruth Cardoso, que não entendia nada de política.
Era uma ótima antropóloga e tal, mas de política não entendia. Então, fez a
coisa toda de forma despreocupada. Foi um bom programa, mas teve imprensa zero.
Aí o Lula fez uma coisa espetacular, envolvendo os prefeitos quando fez a
passagem do Fome Zero para o Bolsa Família. Tipo da coisa que não tem o que
discutir porque a maioria dos prefeitos nem era do PT. O cara organiza as
listas e distribui o dinheiro pelo banco. Quer dizer, é sensacional. Eu vi
várias pessoas me dizerem que passaram a almoçar e a jantar todo dia graças ao
Bolsa Família. Pela primeira vez na vida. Então, é um programa fantástico que
sustenta o governo até hoje, junto com o Minha Casa, Minha Vida.
A presidente Dilma faz um bom governo?
Quando iniciou seu mandato (em 2010), a presidente Dilma foi
rígida. Nem Lula e nem Fernando Henrique, por exemplo, demitiram ministros por
acusações ou denúncias de corrupção. A Dilma demitiu seis. Saía a notícia,
demitia. Até do PT. Mas quando começou a ditar essa linha, de que seria
inflexível, de que não teria jogo de cintura, com ela era diferente, começaram
as cobranças e as pressões. E como foi se isolando cada vez mais e a queda de
popularidade começava a se acentuar, com inflação e baixo crescimento, a Dilma
acabou se entregando. Começou a se identificar mais com os presidentes da
Câmara e do Senado, com o Renan (Calheiros), com o (José) Sarney, e a cuidar
mais do projeto de reeleição. Hoje está igual ao fim do segundo mandato do
Lula, o estilo é esse. Passa quatro dias da semana viajando. Só aqui em Porto
Alegre ela já anunciou as obras da segunda ponte do Guaíba, que nunca começam,
três vezes.
As manifestações contra a Copa do Mundo são justas?
A mobilização de 2013 foi impressionante no Brasil inteiro,
espontânea e de início sem agitação. Mas em determinado momento começaram a
haver convocações por onde entraram pessoas que estavam ali para quebrar, para
anarquizar, fazer confusão. Eu assisti da janela do Senado aos manifestantes
querendo quebrar o Itamaraty (em junho de 2013). Eu vi muita gente tentando
evitar isso e vi também a Polícia assistir, sem fazer nada. Eu vi disputa entre
os jovens. Agora os vândalos cresceram e até falam na participação de
organizações criminosas no movimento. Fui o primeiro governador de oposição no
Rio Grande do Sul (eleito em 1986) depois da ditadura e me reuni na época com
os chefes militares para determinar que polícia é feita para garantir a
segurança. Então, muitas vezes penso que os movimentos sociais querem é isso,
pancadaria como forma de provocação. Mas Copa do Mundo é Copa do Mundo. O que
tem de errado nós já denunciamos, agora somos a vitrine do mundo e, a essa
altura, importante é mostrar como somos de fato. Nunca tivemos um momento como
esse e não sei quando teremos novamente. Claro que o PT vai usar politicamente,
vai fazer um Carnaval, mas isso é outro problema. Agora, anarquizar a Copa não.
Criar uma confusão para ser manchete no mundo inteiro, isso não. O povo não
pode aceitar esses mascarados e essa turma toda querendo fazer agitação durante
a Copa. A sociedade não pode viver, num momento como esse, com essa confusão
dos diabos. O direito de greve é legítimo, mas ninguém está morrendo de fome.
As greves, especialmente nos transportes públicos, são inoportunas neste
momento.
O que o senhor leva como bagagem desses 65 anos de vida
pública?
Se pudesse sintetizar minha vida na política, diria que
sobrevivi. Cheguei no fim da onda inteiro. É suficiente.
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