Longe de entregar suas promessas de campanha, o político
enfrenta baixa popularidade, isolamento no partido e resistência dos vereadores
Ao assumir a principal cadeira do Edifício Matarazzo, em
janeiro de 2013, Fernando Haddad frustrou a maior sanha dos vereadores: indicar
subprefeitos. Aos poucos, acabou cedendo a pressões para a indicação de chefes
de gabinete e de ocupantes de outros cargos, mas não dava brecha nas nomeações
para as vagas mais cobiçadas. Nos últimos tempos, esse muro caiu. Sob forte
pressão dos parlamentares famintos de influência em órgãos recheados de poder e
bons contratos, trocou, desde maio, doze desses chefes. Entre outros
recompensados, Antonio Goulart (PSD) emplacou o titular da Vila Mariana,
Orlando Silva (PCdoB), o do Jabaquara, Arselino Tatto (PT) e Milton Leite
(DEM), o do M’Boi Mirim.
Dar um passo para trás foi crucial na governabilidade do
petista, que viu sua base rachar na Câmara, está escanteado por boa parte do
PT, tem problemas sérios de orçamento e recebeu, na última semana, mais um
golpe. Pesquisa do Instituto Datafolha divulgada na segunda (30) manteve
praticamente inalterado seu baixo índice de aprovação popular, o que
representou uma péssima notícia para Haddad. Após um ano e meio de mandato,
apenas 17% dos paulistanos consideram sua gestão boa ou ótima. Na comparação do
mesmoperíodo com prefeitos das últimas três décadas, onúmero só é superior ao
de Jânio Quadros (1986-1988), com 9%, e ao de Celso Pitta (1997-2000),com 11%.
Haddad bem que tentou minimizar a história.“Todo governo de
mudança passa por isso. É preciso esperar um pouco até que as pessoas asimilem
uma nova cultura”, afirmou. Nos bastidores, sua reação é dúbia. Se tem tomado
providências para manter algum diálogo com vereadores, ele tenta não demonstrar
grande apego ao cargo — costuma dizer aos aliados que o importante é implantar
as medidas necessárias para a cidade. Ao mesmo tempo, põe na ponta do lápis a
conta da reeleição: se elevar a aprovação de 17% para 25% ao fim do mandato e
conquistar um terço dos que o consideram regular (44%), teria fôlego para
continuar na poltrona. Para isso ser possível, porém, avalia que precisa de
empenho de Dilma Rousseff. Por questões políticas, a presidente pediu ao Senado
que travasse um projeto de lei que aliviaria muito a sufocante dívida do
município.
Com o ex-presidente Lula, a relação é melhor: os dois se
falam sempre e almoçam uma vez por semana. Enquanto continua bem na foto com o
padrinho político, está desgastado com o restante do PT. Internamente, é
acusado de agir contra os interesses do partido, ao ter criado, por exemplo, a
Controladoria-Geral do Município, cujas investigações da máfia do ISS
culminaram na saída do secretário de Governo, Antonio Donato, após um dos
denunciados ter declarado que pagava mesada a ele para manter o esquema. Donato
pediu afastamento jurando inocência e reclamando da falta de uma defesa
enfática por parte do chefe. Esse clima, somado à impopularidade, fará com que
Haddad tenha participação discreta na campanha de Alexandre Padilha para o
governo estadual. O partido elegeu não a ele, mas a senadora Marta Suplicy para
circular com o candidato ao redor da capital.
Para piorar, a relação com o também petista José Américo,
presidente da Câmara dos Vereadores, não é das melhores. Nos bastidores, ele
costuma criticar o prefeito e um de seus nomes mais próximos, o secretário de
Comunicação, Nunzio Briguglio, a quem chama de “Nunzio Bagulho”, pela
dificuldade em ter seus pleitos atendidos. Uma das últimas desavenças envolveu
a recusa dos quinze convites para a abertura da Copa do Mundo, no Itaquerão,
enviados pela administração. Américo queria embarcar todos os membros do
plenário no evento. O pior estaria por vir. Haddad avaliou que não houve
empenho do suposto aliado na aprovação na Câmara de um feriado em 23 de junho,
planejado para evitar o caos nos congestionamentos nesse dia: a metrópole
receberia Holanda x Chile e o Brasil enfrentaria Camarões em Brasília. Não
ficou barato. Uma propaganda de rádio criada pela equipe de Haddad cravava: “A
Prefeitura de São Paulo está buscando alternativas para minimizar os problemas
de trânsito (...), uma vez que a Câmara Municipal não aprovou o feriado para
esse dia”. Américo ligou furioso e, após dois dias no ar, a peça teve a
provocação suprimida — segundo a Secretaria de Comunicação, a mudança do
conteúdo estava planejada desde o princípio.
Em março, o prefeito havia revoltado os vereadores ao subir
em carro de som do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e incitar os
militantes apressionar os políticos para a votação do Plano Diretor, o conjunto
de diretrizes de longo prazo do desenvolvimento da cidade (veja o quadro
abaixo).
Em paralelo, o tom sereno do prefeito tem mudado desde a
derrocada da popularidade. Em um gesto considerado como de desespero pelos
opositores, teria feito acenos amigáveis a alguns deles. “Ele me chamou há
algumas semanas em sua sala durante um evento e propôs uma trégua”, relata o
tucano Floriano Pesaro. Segundo a assessoria de Haddad, o encontro ocorreu, mas
por motivação diferente. De acordo com essa versão, o prefeito apenas pediu que
questões de Estado, como a votação do Plano Diretor, não fossem partidarizadas
(o pedido não foi atendido, na visão dos governistas).
Com dois anos e meio pela frente, enquanto espera que a
negociação da dívida alivie seus problemas de caixa e tenta implantar seu
programa de governo, o gestor deve lançar mão de projetos com baixo custo de implantação
e boa repercussão na classe média. O próximo da série, que Haddad estuda ao
lado do secretário Fernando de Mello Franco, de Desenvolvimento Urbano, é uma
reformulação do coração da Vila Madalena. Pelo estudo, ruas como a Aspicuelta,
cheias de bares, poderiam ser fechadas para o trânsito, ao menos nos fins
desemana, e receberiam uma série de parklets, pracinhas que ocupam o lugar de
carros na via, com bancos e vagas de bicicleta. Sem uma grande virada, porém, o
jogo do prefeito continua duro.“Os serviços precisam melhorar muito, o que é
difícil, porque São Paulo é problemática”, diz o cientista político Rubens
Figueiredo, do Centro de Pesquisa, Análise e Comunicação. “Não lembro de um
prefeito ter começado mal e depois se recuperado.”
AS RAZÕES DO MAU HUMOR
A quebra de expectativa em relação às promessas de campanha
e os frequentes dias de caos na cidade entram na conta da impopularidade
A campanha de Fernando Haddad à prefeitura, em 2012,
insistiu na tese de que a proximidade política com a presidente Dilma Rousseff,
também do PT, ajudaria a atrair recursos federais. Com eles, seria possível
implanta rsua principal bandeira eleitoral, o Arco do Futuro, uma reforma
urbana com a construção de novos eixos viários e moradias populares. Um ano e
meio após a posse, o prefeito não conseguiu renegociar a dívida com a União e
enfrenta dificuldades para viabilizar o maior projeto de sua agenda política.
“Ele passou a impressão de que realizaria bem mais nesse período”, diz o
cientista político Rubens Figueiredo, diretor do Centro de Pesquisa, Análise e
Comunicação.“Para se recuperar até o fim do mandato, será necessário criar algo
simbólico de grande apelo, como foi o Cidade Limpa para o Gilberto Kassab”,
completa. Somem-se a essa expectativa frustrada os dias de caos ocorridos de um
ano para cá, ora por manifestações, ora por greves, e o endêmico problema do
trânsito. Sua solução para o problema de mobilidade, a proliferação recorde de
faixas exclusivas de ônibus (338 quilômetros desde o início do mandato), ainda
não é unanimidade entre a população. Confira a seguir os detalhes desses e de
outros motivo sque colaboraram para a baixa aprovação do atual prefeito.
O frustrado reajuste do IPTU
Ainda que a tentativa de aumento do imposto predial e
territorial urbano (IPTU) em até 20% para os imóveis residenciais e 35% para os
comerciais tenha sido barrada em dezembro pela Justiça após ação movida pela
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o episódio deixou
marcas negativas na administração. Nessa época, opositores políticos tentaram
disseminar o pejorativo apelido de “Malddad” para estigmatizar o prefeito. “Era
um reajuste considerável e, caso tivesse sido aprovado, iria ferir mais a
classe média e o segmento produtivo”, afirma o professor Rui Tavares Maluf, da
Fundação Escolade Sociologia e Política de São Paulo.“Causou a sensação de que,
para viabilizar algumas das promessas eleitorais, seria preciso atacar o
dinheiro do contribuinte”, completa.
As recentes greves e protestos de classe
Entre maio e junho, a capital sediou uma série de protestos
de entidades de classe, como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST),
agreve dos professores municipais e a paralisação de motoristas de ônibus e de
empregados do Metrô. Em alguns dias específicos, quando os serviços funcionaram
mais precariamente, a metrópole viveu horas de desordem absoluta, com estações
e terminais abarrotados e trânsito recorde. “Nem todas aquelas greves podem ser
debitadas na conta do município, como a do metrô, porexemplo, que é da esfera
estadual”, explica o cientista político Rubens Figueiredo. “Mas, sempre que há
caos, a população tende a achar quea cidade está sem comando, e isso repercute
diretamente na figura do prefeito”, afirma.
Trânsito e faixas exclusivas de ônibus
A pesquisa do Datafolha traz números contraditórios sobre o
assunto. Mais paulistanos sentiram uma melhora no tráfego após a ampliação das
faixas de ônibus: 64% contra 55% em setembro. Mas o apoio ao programa diminuiu
de 88% para 84%, ao mesmo tempo em que aumentou o número de entrevistados que
acham o trânsito ruim ou péssimo: eram 74% e hoje são 81%. A análise é que boa
parte da população é a favor da prioridade ao transporte público, mas o
consequente transtorno para os automóveis particulares (que têm menos espaço
para circular) causou irritação. Entre 2013 e 2014, a média de lentidão na
cidade caiu no pico da tarde, de 140 para 136 quilômetros, mas subiu bastante
no da manhã, de 83 para 100 quilômetros. Muitos criticam também a subutilização
dos corredores. “A impressão é que ele quer tornar insuportável a vida de quem
anda de carro”, diz o professor Edison Nunes, do Núcleo de Estudos de Políticas
Públicas da USP.
As manifestações de junho de 2013
Ao anunciar um reajuste de 20 centavos no preço das
passagens de ônibus (de 3 para 3,20 reais) em junho do ano passado, Haddad
encarou uma onda de protestos organizados pelo Movimento Passe Livre. “Sua
intenção era até razoável, mas a maneira como ele lidou com a questão foi
errada”, diz o professor Rui Tavares Maluf. “Insistiu muito que essa era a
única forma de manter o sistema viável e depois recuou. A postura foi pior do
que um aumento abusivo. ”A princípio centradas na tarifa, as manifestações
evoluíram para demandas mais amplas, como a exigência de melhorias na saúde e
na educação. Seis meses após a posse, o episódio derreteu a imagem do prefeito.
Àquela altura, sua aprovação era boa para um início de mandato, 34%. Poucos
dias depois, havia despencado para 18%, patamar que se mantém quase idêntico
até hoje.
Arco do Futuro
O plano de revitalização urbana, para levar“ emprego onde
tem moradia e moradia onde tem emprego”, foi o carro-chefe da campanha
eleitoral. Um de seus pontos centrais previa a construção de duas vias de apoio
à Marginal Tietê, ao norte e ao sul. Mas, em agosto, a secretária de
Planejamento, Leda Paulani, anunciou que as obras não seriam mais realizadas
por falta de recursos. “Ainda que o projeto não tenha sido totalmente
abandonado, vendeu-se algo que não se confirmou”, diz o professor Rui Tavares
Maluf.
Negociação da dívida
Em 2013, a cidade pagou 2,5 bilhões de reais de dívidas com
a União. Ainda assim, o saldo devedor passou de 53 bilhões para 61 bilhões de
reais desde que Haddad assumiu, por juros. O prefeito confiava na proximidade
com Dilma Rousseff para renegociar a correção, calculada pela variação de um
índice de preços, mais taxa de 9%. A princípio, a presidente demonstrou que
apoiaria a alteração na lei. Mas, como a apreciação do projeto pelo Senado
ficou para 2014, ano eleitoral, pediu para interromper seu andamento. Ela teme
ser acusada de favorecer aliados ou rivais políticos.
Da Veja S.Paulo - Por Daniel Bergamasco e Mauricio Xavier
[Colaboraram Silas Colombo e João Batista Jr.]
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