No mês passado, a tribuna do Senado foi palco pela última
vez da oratória iflamada do senador Pedro Simon (PMDB-RS). Depois de quase
sessenta anos na política, 32 deles no Senado, o gaúcho de Caxias, do Sul se
despediu do Congresso com um discurso de quatro horas, ao fim do qual chorou e
foi aplaudido de pé por seus pares. Fundador
do MDB e um dos lideres da campanha pela volta das eleições direta, em 1984,
ele apoiou a candidatura de Lula à Presidência e, no primeiro mandato de Dilma
Rousseff, chegou a montar um bloco de parlamentares que daria suporte às
medidas saneadoras da presidente no campo ético. Hoje, afirma que o petista foi
“a maior decepção” de sua carreira e que Dilma se vergou ao toma lá dá cá e
ficou “igual aos outros”. Em entrevista a Veja, Simon diz por que considera que
a política brasileira vive “um momento dramático” e o que, na sua opinião,
poderá mudar essa situação.
O senhor está se aposentando depois de quase sessenta anos
na política. Nessa área, o país está melhor hoje do que no passado?
Nunca vi um momento tão dramático como este que o país vive
hoje. Estamos diante de um dos maiores escândalos de corrupção do mundo, o petróleo.
Eu era menino quando Getúlio Vargas se matou. Mais tarde, vi Jânio Quadros
renunciar com sete meses de mandato. Tivemos crise para tudo o que é gosto. Mas
nunca vi uma situação tão complicada quanto a de agora.
Por quê?
Vimo o fim de um governo melancólico e agora assistimos ao
começo de outro governo igualmente melancólico. Achamos de ter uma eleição democrática. O povo
se manifestou. Um candidato ganhou e o outro perdeu, mas há uma interrogação no
ar. A presidente da República teve dificuldade ate para montar o ministério
porque estava na expectativa do término da Operação Lava Jato. E se o ministro
fulano estiver na lista de envolvidos na operação? E se beltrano estiver também ? Uma Situação que nunca havia
acontecido. Acabamos o ano com dois ministros da Fazenda. Saiu a notícia de que
a presidente da Petrobras pediu demissão, mas a presidente da República não a
deixa sair. Parece que a Dilma não tem quem colocar no lugar. É muita desgraça.
A presidente acaba de ser eleita e a impressão que dá é a de que não tem
comando.
O senhor chegou a apoiá-la no início do primeiro mandato.
Lula soube vender tão bem a imagem da Dilma que eu acreditei
na capacidade dela. E o começo do seu primeiro mandato de fato impressionou. Ela
mandou embora seis ministros em seis meses, porque haviam sido citados em casos
de corrupção. Eu fiquei solidário a ela. Cheguei a articular um bloco de
parlamentares com os quais ela pudesse contar, para que não ficasse à mercê de
chantagens do Congresso. Mas, principalmente após as manifestações de junho,
ela se entregou e voltou a fazer de novo o troca-troca por cargos. Ficou igual
aos outros.
Dos presidentes que o senhor conheceu, algum surpreendeu?
O (José) Sarney é uma força da natureza, nasceu para estar
no poder. Sempre esteve e sempre vai estar, mesmo fora do Senado. Talvez só dom
Pedro II tenha ficado ais tempo no poder do que ele. Com o (Fernando) Collor tive uma passagem
curiosa. Fomos eleitos para o cargo de governador no mesmo ano, em 1986, ele
por Alagoas e eu pelo Rio Grande do Sul. Logo em seguida, ele me procurou, propôs
que eu saísse do PMDB para criar um partido e disputar a Presidência da
República. Achei-o louco. Itamar Franco era muito humilde, tímido até, mas
sabia dizer não. Na verdade, gostava muito de dizer não. Fernando Henrique era
o contrário. Não sabia dizer não e achava que era a melhor cópia de Deus na Terra.
Já o Lula foi a maior decepção de toda a minha carreira.
Por quê?
Porque ele tinha uma bandeira, tinha uma história, e agora
está morrendo abraçado ao José Dirceu, aos mensaleiros e aos ladrões da
Petrobras. Quando ele apareceu, todos ficamos
encantados com sua liderança no sindicato dos metalúrgicos e, em seguida, na
criação do PT. Depois de perder três eleições, chegou lá, fez um governo com ações
importantes, especialmente na área social. Ele era a grande esperança do povo
brasileiro. Mas, infelizmente, fechou os olhos para a corrupção. Deixou acontecer
mensalão, petróleo. Todos esses escândalos têm uma origem – que é ele, por ação
ou omissão. Se não tivéssemos tido tudo isso, se tivéssemos feito um governo
austero, o Brasil hoje seria diferente, muito melhor. Por tudo isso, Lula e a
grande decepção da minha vida pública.
O governo recentemente atropelou o Congresso impondo um novo
cálculo do superávit fiscal. Como o senhor avalia a relação do Congresso com a
presidente Dilma?
A manobra fiscal foi um ato absurdamente irresponsável. Dilma
conseguiu fazer isso, e ainda obter a aprovação pelo Congresso, porque mantem
vivo o troca-troca por cargos, por emendas. É lamentável esse tipo de relação. E
o governo ainda teve a audácia de condicionar a aprovação da meta ao aumento de
700 000 reais no valor das emendas parlamentares. Isso foi quase que
oficializar a corrupção. Infelizmente, não há perspectiva de melhora. Nenhum
dos últimos três presidentes teve uma relação republicana com Parlamento. Tudo ficou
na base do toma lá dá cá. Dilma manteve isso agora, ao montar seu ministério. Ela,
que havia sido apresentada como uma técnica competente, dividiu seu governo
entre partidos, pois sabe que vai precisar do Congresso neste ano, quando
veremos o aprofundamento das investigações da Petrobras.
O senhor concorda com o que dizia Ulysses Guimarães, que um
novo Congresso é sempre pior que o último?
Costumo dizer que não se podem esperar iniciativas do
Congresso Nacional. O povo precisa pressionar os parlamentares. O Congresso é
um ajuntamento de corporações – sindicatos, empreiteiras, multinacionais. Ninguém
ali fala pelo povo. Se deixar tudo calmo, não fazem nada, ou só fazem coisas de
interesse de determinados grupos. Por isso, sempre digo: não esperem nada do
Congresso. Só tem mudança com povo na rua. Foi assim nas grandes questões.
Como a campanha das diretas já, por exemplo?
Sim, quando acabamos com a ditadura. O povo foi para as ruas
pedir eleições diretas para presidente. Não conseguimos, mas tiramos os
militares e elegemos o Tancredo, um democrata, no Colégio eleitoral. No impeachment
foi a mesma coisa. A mocidade foi para a rua, vestiu preto, e o Collor foi
cassado. O julgamento do mensalão aconteceu porque o povo debateu, discutiu e
pressionou. Teve gente que foi para a frente do Supremo Tribunal Federal. Teve gente
que reclamou pela internet, mandou carta para os ministros. E todo mundo
acompanhou pela TV, pela imprensa. O resultado foi extraordinário, com a prisão
da cúpula do PT – um partido que eu vi nascer tão bonito, cheio de ideias, de
gente boa. Eu acreditava muito no PT, achava que poderia ser o que o MDB deixou
de ser após chegar ao poder. Mas me enganei. O partido deixou de representar a
ética na política. Hoje as pessoas votam no PT porque têm medo de perder o
Bolsa Família. É por isso que o Lula não deixa transformar o programa em
política de Estado permanente.
O senhor sempre disse que no Brasil “só ladrão de galinha
vai para a cadeia”. O julgamento do
mensalão essa convicção?
Na verdade, é só o começo. É preciso avançar, e é o povo que
tem qde fazer acontecer. Tem de ir para a rua, tem de cobrar, tem de usar a
internet e as redes sociais. Só com o povo é que faremos as mudanças. Agora, o
mensalão parece brincadeira de criança perto do que foi o roubo na Petrobras. Meu
Deus do céu! A Petrobras era uma das dez maiores empresas do mundo, um orgulho
nacional. E ela acabou sendo usada para fazer o maior escândalo de corrupção
que o Brasil já teve. E, se você acompanhar a imprensa internacional, vai ler
análises que dizem que se trata do maior escândalo que já aconteceu em qualquer
país democrático e desenvolvido. É uma vergonha para nós. E infelizmente o
governo do PT ganhou a eleição. Valeu o Bolsa Família do que um escândalo desse
tamanho.
A oposição tem responsabilidade nisso?
Sim. O PT, quando estava do outro lado, fez uma oposição brilhante.
Não deixava escapar uma vírgula. Já no governo, o PT foi muito pior que o PSDB.
Os tucanos não souberam fazer oposição, eles não conseguem.
O senhor estava apoiando Eduardo Campos na última eleição. Tinha
esperança de que ele pudesse fazer diferente?
Em primeiro lugar, eu achava que tinha de quebrar um pouco
essa polarização PT-PSDB. O Eduardo mostrava que queria fazer a política de um
jeito novo, sem ficar negociando carguinho de quinta categoria com o Congresso.
Depois que o partido da Marina (Silva) foi vetado pela Justiça Eleitoral, eu
disse a ela que se filiasse ao PSB e formasse uma chapa com ele. Além disso,
Eduardo tinha escola, a escola de Miguel Arraes, com quem eu convivi no PMDB. Como
gestor, também havia se mostrado competente ao fazer um grande governo em
Pernambuco. Então, o Eduardo e a Marina como vice, eram a minha grande
esperança.
Ao fim das atividades do Congresso em 2014, o senhor devolveu 1,4 milhão de reais da sua cota de
passagens aéreas, algo incomum no Congresso.
Esse dinheiro não era meu. É um dinheiro que eu podia ter
usado para exercer minhas atividades
como parlamentar. Mas, como não houve necessidade, eu tinha de devolver.
Quando se tornou vereador em Caxias do Sul no ano de 1958, o
senhor imaginava que chegaria aonde chegou?
Jamais. Eu era um professor de direito e atuava no tribunal
do júri. Modéstia à parte, eu era bom. Entrei na política por acaso. Nasci em
Caxias, mas morava em Porto Alegre. Meu título era de lá. Colocaram-me para ser
candidato e eu ganhei. O vereador é o político mais importante que existe, pois
fica mais perto do povo. Eu gostava de ser vereador – sobretudo de fazer atividades
culturais com debates. Era um sucesso, toda a cidade participava. Em seguida,
fui candidato a deputado estadual com pouco mais de 30 anos. Um ano depois veio
a ditadura e mudou toda a minha vida. Cassaram e mataram tanta gente no Rio
Grande do Sul que praticamente só sobrou a mim para ser o presidente do
partido. A partir daí, eu não mais conduzi, fui conduzido.
Como político, qual é sua principal característica?
O que me caracteriza é a coerência. Sou o que sou. Para fazer
meu discurso de despedida do Senado, usei como esboço meu discurso de formatura
na faculdade. As linhas gerais eram as mesmas. Eu não mudei.
Qual o legado que o senhor deixa para a política?
Não deixo legado. Eu não sou ninguém. Sou apenas velho, com
quase 85 anos. Quero continuar fazendo política. Pretendo ir a debates,
palestras. Estamos passando por um momento delicadíssimo. Vou procurar a Ordem
dos Advogados do Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. A gente
tem de fazer uma pauta de discussões para levar ao governo. Não preciso de
mandato no Congresso para isso.
Vai sentir saudade do Senado?
Está acontecendo muita coisa no Brasil. O Senado vai ser
quente neste ano que está começando. Dá até vontade de adiar minha saída. Essa história
da Petrobras, de empreiteiros presos, de Estados Unidos e Cuba retomando
relações... É tanta coisa. Mas vou para casa numa boa.
Entrevista publicada na revista Veja - Páginas Amarelas, edição 2 408, de 14 de janeiro de 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário