Por Murilo Ramos, da Época
Em 18 de novembro de 2013, o então governador do Ceará e
atual ministro da Educação, Cid Gomes, deixou Fortaleza rumo a Sobral para
participar da inauguração da segunda agência do Banco do Nordeste, o BNB, em
sua cidade natal. No palanque da foto acima, improvisado em frente à nova
agência, Cid elogiou a política de juros baixos do banco. “Se a gente não tiver
crédito e um crédito bom, um crédito barato, um crédito que estimule quem está
começando, de nada vai adiantar o saber fazer ou a boa vontade. É aí que entra
o Banco do Nordeste. É aí que entra essa segunda nova agência aqui em Sobral”,
disse. Tão logo terminou a cerimônia, Cid comentou com alguns dirigentes do
banco que ele poderia largar a política depois de deixar o governo estadual.
Disse que queria se tornar um empreendedor. Precisava pensar no futuro. Sem
delongas, Cid correu ao guichê da gerente do banco recém-inaugurado. Queria
informações sobre linhas de crédito, taxas de juros e prazo de pagamento de
empréstimos – e confirmar se tudo o que falara no discurso minutos antes era
verdade mesmo. Começava ali a aventura de Cid rumo ao empreendedorismo.
Dois meses depois, Cid pediu ao BNB mais informações sobre
as condições de empréstimos. Sem pestanejar, no dia 21 de janeiro, a gerente do
banco em Sobral, a mesma que atendeu Cid solicitamente na cerimônia de
inauguração da agência, transmitiu por e-mail ao superintendente do banco no
Ceará, João Robério Messias, informações sobre um pedido de financiamento para
a construção de galpões numa região remota de Sobral. A gerente cobrava
celeridade do chefe para dar pronta resposta ao cliente. Messias logo mostrou a
eficiência do BNB. No dia seguinte, encaminhou as informações do pedido a dois
diretores do banco. Num e-mail, Messias fez questão de frisar: “Esse pleito é
de empresa no nome do governador Cid Gomes, que iniciou negociação esta semana”
(leia o e-mail). Não precisava dizer mais nada. O BNB, banco do governo federal
voltado para financiar o desenvolvimento do Nordeste, estava pronto para
financiar a empresa do governador Cid.
O governador ficou animado. Não estava fácil empreender em
Sobral. Cid finalmente arranjara uma serventia para um terreno que comprara em
1996 – e estava abandonado. Em 2013, já mandara asfaltar uma estrada que dava
acesso ao lote. Nada de buracos e curvas acentuadas. A estrada ficou um tapete,
bem sinalizada. O dinheiro para a obra? Veio do governo do Estado, então
administrado por Cid Gomes. Foram quase R$ 2 milhões para pavimentar os 2
quilômetros da estrada.
Tudo caminhava bem, mas Cid esbarrou num problema que pôs em
risco seu sucesso no mundo dos negócios. Não havia previsão no zoneamento de
Sobral para que seu terreno pudesse abrigar o empreendimento pretendido. Cid,
então, teve de apelar ao Conselho Municipal do Plano Diretor, ligado à
administração de Veveu Arruda, do PT, prefeito de Sobral e seu antigo aliado.
Veveu, marido da atual vice-governadora, também comparecera à festa de
inauguração da segunda agência de Sobral. A despeito da contestação de um
integrante do conselho, que questionou a legalidade do projeto de Cid ser
discutido por aquele órgão, o obstáculo do governador foi superado rapidamente.
Poucos dias depois, Cid recebeu a licença para tocar o empreendimento.
No final de maio do ano passado, superadas as burocracias,
Cid se tornou sócio do engenheiro Ricardo Sérgio Farias – amigo antigo dos
tempos do colégio primário – na empresa Corte Oito Gestão e Empreendimento. No
mês seguinte, a Corte Oito pediu oficialmente o empréstimo ao BNB. Em agosto,
veio a boa notícia para Cid e seu sócio. O BNB aprovara um pedido de R$ 1,3
milhão para que a Corte Oito erguesse os galpões e os alugasse. E o melhor:
juros de 6,5% ao ano, abaixo do valor de mercado – como é normal num banco de
fomento. E com a primeira parcela de pagamento da dívida só em março de 2016.
As parcelas também são a perder de vista. Se tudo correr bem, Cid só acabará de
pagar o empréstimo em 2023. ÉPOCA perguntou ao presidente do BNB, Nelson de Souza,
se ele considerava normal um governador pedir dinheiro emprestado a um banco
público. Ele titubeou e disse: “Prefiro não responder a essa questão... Mas não
é proibido”. O superintendente do BNB no Ceará, João Robério Messias, que
estava na festa de inauguração da segunda agência em Sobral, é mais cordato com
políticos. “Como se trata de uma operação do governador do Estado, eu
acompanhei de perto até a sua concretização. Ele não teve privilégio. Eu
acompanho todas as operações do banco. Mas você há de convir da
representatividade da pessoa. É uma empresa do governador do Estado”, disse.
“Não existe nenhum problema. É relacionamento.”
Chegara o momento de a empresa de Cid receber o dinheiro,
aplicar no projeto e lucrar com o retorno do investimento. No caso, com o
aluguel do galpão. Cid e seu sócio já tinham acertado o aluguel meses antes, em
janeiro de 2014, para a Cervejaria Petrópolis, fabricante da cerveja Itaipava.
A despeito de o terreno de Cid ficar numa área isolada e pouco urbanizada, a
Itaipava preferiu alugar seu galpão a se instalar no distrito industrial,
localidade atendida por infraestrutura de qualidade, onde outras grandes
empresas ficam. A Itaipava ainda topou pagar R$ 36 mil todos os meses para a
empresa de Cid.
Há cerca de 60 dias, a Itaipava assumiu o galpão e o pintou
com as cores da cervejaria. Só não começou ainda a pagar o aluguel por reclamar
de alguns problemas na obra, principalmente no acabamento.
Na edição da semana passada, ÉPOCA mostrou como a Cervejaria Petrópolis foi beneficiada pelo Banco do Nordeste, durante as eleições do ano
passado. Após ter recebido o benefício, a cervejaria, pertencente ao empresário
Walter Faria, fez doações de R$ 17,5 milhões à campanha da presidente Dilma
Rousseff. Tornou-se, assim, o quarto maior doador da campanha petista. Um outro
empréstimo, de R$ 472 milhões, destinado à construção de uma unidade da
cervejaria em Pernambuco, também deverá dispensar a garantia da carta-
fiança. Após a publicação da reportagem, a Procuradoria da
República no Estado do Ceará abriu uma investigação para apurar possíveisirregularidades na concessão dos dois empréstimos à cervejaria, que somaram
quase R$ 830 milhões – e na operação que dispensou a fiança. Os procuradores
também solicitaram à Polícia Federal a abertura de inquérito e ao Tribunal de
Contas da União uma investigação aprofundada.
O TCU já identificara anteriormente outras irregularidades no BNB.
Procurada pela reportagem, a Cervejaria Petrópolis afirmou,
por meio de nota, que seu proprietário, o empresário Walter Faria, não conhece
o ministro Cid Gomes. Confirmou ter uma revenda em Sobral alugada pela Corte
Oito e que as negociações para a instalação do centro de distribuição foram
feitas por uma equipe técnica. O prefeito de Sobral, Veveu Arruda, afirma que
Cid jamais pediu a ele que interferisse na mudança de destinação de seu terreno
nem que incentivasse a Cervejaria Petrópolis a se instalar na cidade. Arruda
disse que a ideia de asfaltar a estrada que dá acesso à cervejaria surgiu na
prefeitura. “O trecho encurta em 40% o acesso a uma estrada estadual,
beneficiando a população de algumas localidades e tornando o trânsito mais
seguro.” O presidente do Banco do Nordeste, Nelson de Souza, disse que jamais
tratou do empréstimo com o ministro Cid Gomes e que ele foi aprovado dentro das
regras do banco. O diretor Luiz Carlos Everton e o ex-diretor Fernando Passos,
copiados no e-mail, negaram favorecimento no caso do pedido de Cid. Por duas
semanas seguidas, a reportagem de ÉPOCA tentou entrevistar o ministro. Diante
da negativa, encaminhou perguntas relativas ao empréstimo. O ministro afirmou
que não iria se pronunciar e pediu que seu sócio, Ricardo Sérgio Farias, fosse
procurado. Farias disse que conduziu o acerto do aluguel com a Itaipava e
submeteu o pedido de empréstimo ao BNB. Afirmou que a operação é absolutamente
regular.
Em entrevista ao jornal O Povo, em setembro do ano passado,
Cid disse que estava pensando no futuro: “Tem um terreno que comprei quando era
deputado estadual, peguei um financiamento do Banco do Nordeste, fiz uma
estrutura e aluguei, e isso vai dar uma tranquilidade para minha vida futura”.
Nada como ser amigo do gerente.
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