Artigo de Cristovam Buarque, via O Globo
Parecemos estar num tempo em que argumentos não têm papel
pedagógico
Chama-se “pedagogia da catástrofe” o conjunto de lições
tiradas de tragédias geralmente anunciadas e desprezadas. A população de São
Paulo está passando por um aprendizado desse tipo. Depois de anos desperdiçando
água e sujando rios, investindo em asfalto e estádios, em vez de reservatórios,
sem incluir nas escolas o respeito à água e demais preocupações ambientais, a
população começou a conservar água.
A pedagogia da catástrofe funcionou para o povo, mas os
governos, aparentemente, não aprenderam e continuam resistindo a fazer as
necessárias políticas de investimento e de educação, e a população segue de
olhos fechados para outros problemas.
Estamos esperando a destruição da Petrobras para só então
aprendermos o risco do aparelhamento do Estado e da corrupção ligada ao
financiamento de campanha por empreiteiras. Por anos, o governo federal
caminhou a passos firmes na direção da atual crise fiscal e a estagnação
econômica. Muitos alertamos para os riscos da baixa poupança, do excesso de
gastos, da preferência pelo consumo, da falta de base educacional, mas o
governo preferiu caminhar até o ponto da pedagogia da catástrofe. Para
conseguir a reeleição, o governo federal prometeu o que não ia cumprir, sem
considerar as consequências da desconfiança criada pelo divórcio entre o
discurso do marqueteiro na campanha e a fala dos ministros depois da posse.
Tudo indica que precisaremos da catástrofe de um
engarrafamento absoluto para percebermos o erro da opção da indústria e do
transporte com base no automóvel privado; e de uma guerra civil em todas as
ruas das cidades para admitirmos a violência que criamos com um modelo de
desenvolvimento centrado no crescimento econômico, concentrando a renda,
relegando a busca de educação da cidadania e a construção de harmonia social. A
crise ecológica talvez só seja enfrentada quando o aquecimento global já tiver
provocado todos os desastres planetários que se avizinham, mas que população e
líderes se negam a ver.
Aparentemente estamos em um tempo em que argumentos não têm
papel pedagógico; só as catástrofes convencem. O mundo parece ter apenas duas
cores e estar parado no tempo; as análises que procuram mostrar as diferentes
nuances dos problemas e prever suas consequências são recusadas. Há uma clara
preferência pelas ilusões instantâneas no lugar da realidade em movimento, até
que a pedagogia da catástrofe desperte a consciência, corrigindo os erros
quando o preço já é muito alto.
É pouco provável que as próximas eleições mostrem que o povo
aprendeu com seus erros eleitorais e consequentes opções de desenvolvimento,
tanto quanto a população de São Paulo aprendeu com o desprezo pela água. Mesmo
assim, é preciso insistir nos alertas, ainda que não sejam ouvidos, porque não
tentar convencer seria uma catástrofe pessoal.
Cristovam Buarque e senador (PDT-DF)
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