Artigo de Fernando Gabeira
Os jornalistas, às vezes, chamam a atenção para os nomes
estranhos que surgem nos escândalos políticos. Surgiu agora o de Valdirene
Aparecida, que, apesar de inadimplente, teria recebido um empréstimo do Banco
do Brasil, com dinheiro do BNDES. Os nomes parecem estranhos no noticiário,
porque são nomes de batismo, de modo geral, como é comum na Bahia, uma fusão
dos nomes do pai e da mãe.
Valdirene, por exemplo, muito provavelmente, é filha de
Valdir com Irene. Tornou-se Val Marchiori, participou de um reality show,
“Mulheres ricas”, e é apresentada como socialite. Vi alguns fragmentos do
reality show. Valdirene não parecia apenas uma mulher rica, mas alguém fugindo
intensamente dos hábitos da população mais humilde, marcados inclusive no seu
nome composto: Valdirene, de Valdir e Irene, e Aparecida, talvez em homenagem à
padroeira do Brasil.
Suas matérias de viagem eram custeadas por ela, que viaja em
jatinho próprio. Val ofuscou Valdirene e conseguiu um espaço como
apresentadora, repórter, blogueira e celebridade. Além disso, tinha grana para
produzir as próprias matérias. Dizem os jornais que Valdirene e Aldemir eram
amigos, viajavam juntos, e, juntos, decidiram pelo empréstimo no BB, onde
Aldemir era presidente.
Ele é um dos executivos ligados ao PT. Chegou ao máximo da
carreira ao ser indicado para a presidência de uma Petrobras em transe. E teve
esse caso na vida, uma loira como cliente bancária.
A senadora Marta Suplicy já registrou o problema da cor do
cabelo no PT, ao afirmar que havia três candidatas mulheres à presidência,
Dilma, Marina e ela. Mas observou que não tinha nenhuma chance, pois era a
única loira.
No auge da crise internacional, Lula acusou os loiros de
olhos azuis de terem arruinado a economia mundial. Se falou isso é porque, em
alguma camada de seu inconsciente, acredita na maldade intrínseca dessa gente
branca.
Valdirene também é loira. Sua trajetória de fuga da pobreza
e a adoção entusiástica de um consumo de luxo aparentemente são sinais de
afastamento da galáxia petista. No entanto, no fundo, têm tanto ela como o PT o
mesmo deslumbramento com a riqueza. A passagem de Lula pelo Copacabana Palace,
no período eleitoral, mostra que ele tem os mesmos e talvez mais caros hábitos
que a própria socialite.
A sensação que tenho é de que Lula gostaria de ter a mesma
trajetória de Val Marchiori. Sua fúria contra os ricos e os loiros de olhos
azuis esconde um grande desejo de imitá-los.
No Brasil, há quem ganhe Bolsa Família, há quem ganhe bolsa
Louis Vuitton do BNDES. A diferença, como tenho acentuado, é o sigilo do BNDES.
Sinceramente, espero que ela não se ofenda, mas a bolsa de
Val Marchiori é uma mixaria perto do que os outros ricos empresários estão
levando. E revela algo característico da burguesia brasileira, sobretudo aquela
que o PT considera a elite do B porque o apoia, incondicionalmente. Eles
esbanjam dinheiro.
Val tem dinheiro para viajar no próprio jatinho e financiar
suas aventuras jornalísticas. Mas, quando precisa de uma graninha extra, vai ao
Banco do Brasil, que, por sua vez, aciona o crédito do BNDES. Os donos da
Friboi buscam dinheiro no BNDES e, ao mesmo tempo, destinam R$ 250 milhões à
campanha do PT.
A trajetória de Aldemir e Valdirene passaria em branco para
mim. Não me importo com a vida dos outros nem me disponho a patrulhar gastos
alheios quando não se originam em dinheiro público.
No entanto, há uma trajetória comum dos ricos que orbitam em
torno dos governos petistas e bolivarianos. Prosperam num discurso de amor à
pobreza, mas, no fundo, querem apenas mais dinheiro.
Valdirene é uma exceção. Nunca a vi elogiar a pobreza, nos
poucos minutos em que a ouvi, jamais manifestou amor pelos pobres, algo que é
muito comum nos nossos salvadores populistas.
Ao contrário, encarna apenas um espírito elitista, que quer
se diferenciar através do consumo de luxo e escolhas sofisticadas.
O PT ama os pobres, tão falsamente como é possível amar os
pobres, a Humanidade e outras grandes abstrações.
Mas Valdirene e Lula navegam no mesmo transatlântico de luxo
que está se afundando e não nos deixam outra saída, exceto seguir tocando nosso
piano, humildemente, enquanto a farsa não se revela em toda a sua amplitude.
O ideal seria tocar a sirene enquanto o drama se precipita
sem as máscaras do carnaval. Mas isso é uma tarefa para se pensar na
Quarta-feira de Cinzas.
As últimas pesquisas sobre Dilma confirmam minhas intuições
de repórter de rua. A confiança está desabando, e o edifício pode cair. Só nos
resta repetir em escala nacional o conselho do prefeito do Rio aos moradores de
área de risco: acreditem na sirene quando ela tocar.
Fernando Gabeira, jornalista, escritor e ex-deputado federal.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 15/02/2015
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