Cid Gomes se virou sozinho. Àquela altura do dia, ainda
ministro da Educação, ele apareceu na garagem da casa mantida pelo governo do
Ceará, em Brasília, e saiu dirigindo um carro cinza. Seu irmão Ciro Gomes e
vários apoiadores vindos do Ceará especialmente para a ocasião entraram em
outros quatro carros e o seguiram. Na quarta-feira, Cid nem parecia um ministro
de Estado. Ministros se deslocam em Brasília em sedãs pretos com placa oficial,
motorista, segurança e vidros escuros; Cid dirigia um carro compacto com os
vidros abertos. Em poucos minutos estacionou em frente à entrada do Congresso,
desceu e se encaminhou para a missão de se explicar diante daqueles que chamara
de “300, 400 achacadores”. Parecia já praticar o desapego ao cargo de apenas
três meses – que perderia três horas depois.
Saiu de lá após lances rocambolescos como Cid, o ministro da
Pátria Educadora, que se tornou breve no cargo por um episódio de má educação –
ou, no mínimo, de pouquíssimo tato político. Duas semanas antes, atacara o
Congresso: “Tem lá uns 400 deputados, 300 deputados que, quanto pior, melhor
para eles. Eles querem é que o governo esteja frágil porque é a forma de eles
achacarem mais, tomarem mais, tirarem mais”. Prevalecia a tradição dos
políticos da família Gomes de cometer grosserias verbais em profusão. Ao sair
do Congresso, foi ao Palácio do Planalto. “Você não precisava ter feito isso,
não precisava ter sido desse jeito”, disse a presidente Dilma Rousseff. Cid
lamentou. Dilma, que gosta dele, também. A demissão foi anunciada pelo
presidente da Câmara, Eduardo Cunha, não pelo Palácio do Planalto – num sinal
inequívoco de desprestígio do governo. Mais um vexame para a lista de erros
políticos de Aloizio Mercadante e de Dilma. Foi ideia de ambos dar um cargo de
tamanho prestígio ao irmão menos talentoso da família Gomes. Cid voltará ao
Ceará; Dilma, Mercadante, o governo e o PT sofrerão as consequências políticas
da verborragia tresloucada dele.
Cid Gomes nunca chegou realmente a Brasília – sua mente e
seu modo de agir estiveram o tempo todo voltados para o Ceará, que ele governou
por dois mandatos e monitora por meio do governador Camilo Santana. Durante os
três meses que passou em Brasília, Cid viveu em uma casa alugada pelo governo do
Ceará no Lago Sul, bairro nobre da cidade. O aluguel de R$ 15 mil da
“residência da representação do Ceará”, com 700 metros quadrados, quatro
quartos (duas suítes), sala de TV e piscina, começou em 2011, ainda no governo
de Cid. Em geral, ministros moram em residências do governo federal no Lago Sul
ou recebem verba para pagar aluguel. A residência destinada ao ministro da
Educação, que seria ocupada por Cid, está em reforma. O governo do Ceará afirma
que Cid não morou na casa, apenas “utilizou um dos cômodos, enquanto recebia o
imóvel do governo federal, que estava sendo reformado”. Cid Gomes não foi
localizado.
Na quarta-feira, a casa estava lotada por uma delegação que
chegou a Brasília para encenar a retirada de Cid do cenário nacional. O
governador Camilo foi para apoiar o amigo. O presidente da Assembleia
Legislativa, Zezinho Albuquerque, não só foi, como convocou vereadores e
prefeitos para a viagem – estavam lá vários deles, inclusive o de Fortaleza,
Roberto Cláudio, e o de Sobral (cidade de Cid), Veveu Arruda. Dez deputados
estaduais também foram. Parte dessa turma se deslocou em jatinhos alugados. Na
Câmara, a galera se acomodou nas galerias para assistir ao calvário de Cid.
Osmar Baquit, secretário estadual da Pesca, comandava os aplausos e gritos da
galera como se ainda fosse presidente do time de futebol Fortaleza. “Eu prefiro
ser acusado por ele de mal-educado do que ser, como ele, acusado de
achaque...”, disse Cid na tribuna da Câmara, em referência ao presidente da
Casa, Eduardo Cunha, do PMDB, que estava a 5 metros dele. Sua torcida aplaudia
efusivamente – tanto que foi retirada pela segurança da Casa.
Cid teve de ouvir desaforos. “Vossa Excelência é
desqualificado, Vossa Excelência envergonha este país; que está atravessando
uma crise enorme, inclusive moral, e não pode ter um ministro que não tem
moral, que não tem decência, que não tem ética, que é achacador do Estado do
Ceará”, disse o deputado André Moura, do PSC. Cid ouviu em pé, a maior parte do
tempo com as mãos para trás. Muitas vezes reagia com sorrisos. Cid acabou
perdendo a paciência. “O senhor, por favor, me respeite!”, gritou, mas seu
microfone foi cortado. Irritado, Cid desceu da tribuna e saiu do plenário. A
claque cearense fez seu trabalho: gritou, empurrou e aplaudiu Cid. Produziu
para a política local cearense a versão do político que perdeu o cargo porque
chamou parlamentares de corruptos. Nesse embate de baixo nível, o empate é a
tragédia nacional.
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