Da Veja
Em 1º de janeiro deste ano, ao tomar posse diante do
Congresso Nacional, a presidente Dilma Rousseff prometeu: "Dedicarei
obstinadamente todos os meus esforços para levar o Brasil a iniciar um novo
ciclo histórico de mudanças, de oportunidades e de prosperidade, alicerçado no
fortalecimento de uma política econômica estável, sólida, intolerante com a
inflação, e que nos leve a retomar uma fase de crescimento robusto e
sustentável, com mais qualidade nos serviços públicos". Passados exatos
cem dias deste então, fica cada vez mais claro que Dilma não tinha razões para
tanto otimismo. Quando a apertada vitória da petista se confirmou em outubro
passado, reportagem do site de VEJA apontava a tempestade perfeita que cercava
o segundo mandato da presidente. Já estavam dados os ingredientes da crise: o
escândalo do petrolão atingia em cheio o governo e o PT, a economia encolhia
enquanto a inflação aumentava. De janeiro até aqui, a fracassada articulação
política de Dilma somou a este grave cenário uma rebelião da base aliada no
Congresso - e azedou ainda mais a relação da presidente com o próprio partido e
seu antecessor e criador, o ex-presidente Lula.
Hoje o país acumula inflação de 8,13% em 12 meses (a maior
desde dezembro de 2003) e previsão de retração econômica de 1% em 2015, segundo
estimativas do mercado. Em cem dias - e por sua própria responsabilidade - o
governo Dilma foi arrastado para uma perigosa espiral: a crise econômica e os
escândalos de corrupção erodem a popularidade da presidente (62% dos brasileiros
reprovam seu governo, segundo pesquisa Datafolha), cada vez mais refém de uma
base fragmentada no Congresso - o que dificulta a aprovação de projetos caros
ao Planalto. Diante desse quadro, o governo fica impedido de apresentar uma
resposta que ajude a reerguer a popularidade de Dilma. Irritado com as
tentativas do Planalto de reduzir a participação do partido no governo, o PMDB
age hoje quase como uma sigla de oposição. E mais: tornou o Executivo de tal
forma dependente do Congresso que o presidencialismo brasileiro já se assemelha
a uma forma bastarda de parlamentarismo. Nem dentro do próprio partido Dilma
encontra refresco: contrário às medidas de ajuste fiscal adotadas pelo governo,
o PT tem dado tanto trabalho ao Planalto no Congresso quanto os opositores.
Tendo seu grupo inicialmente alijado do núcleo duro do governo, Lula não poupa
a pupila de críticas públicas. O ex-presidente teme que um eventual fracasso da
gestão Dilma interfira em seus planos de retornar ao poder em 2018.
É fato que o primeiro mandato de Dilma também incluiu
momentos de turbulência. Em 2013, por exemplo, os protestos encurralaram o
governo e derrubaram a popularidade da presidente. Naquela ocasião, entretanto,
os atos não possuíam uma pauta única e o governo conseguiu se apropriar
parcialmente das bandeiras apresentadas. Já os manifestantes que tomaram as
ruas em 15 de março deste ano e se preparam para fazê-lo novamente no próximo
domingo têm como foco a oposição ao governo e ao Partido dos Trabalhadores. É
um dos muitos sinais de que as coisas mudaram.
As trapalhadas na articulação política e a postura
inflexível da presidente ajudaram a desgastar no Congresso uma base que já
havia saído das urnas enfraquecida na comparação com 2010. É assim, sem apoio
expressivo nem nas ruas nem no Congresso, que a impopular e nada carismática
Dilma Rousseff chega ao centésimo dia de governo. Até aqui, os poucos acertos
do governo na reação do governo à crise surgiram apenas quando Dilma e o PT
abriram mão de parte do seu poder. Dilma terceirizou a gestão da economia a
Joaquim Levy, cujas ideias divergem radicalmente daquelas defendidas pelo PT, e
atribuiu ao vice-presidente Michel Temer, do PMDB, a articulação política.
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) acredita que o pior já
passou. "Dentro desse momento difícil, As coisas estão se arrumando para
ela conseguir os resultados no médio prazo. O mês de fevereiro foi muito
difícil, o de março também, mas menos. A tendência é melhorar". Já Onyx
Lorenzoni (DEM-RS) faz um diagnóstico implacável: "O segundo governo Dilma
vai ser o governo das crises. Ela vai ficar um fantasma no Planalto até o fim
do mandato".
Campanha x realidade - Antes mesmo de a presidente reassumir
o cargo, já estavam claras para os brasileiros as mentiras de que o PT fez uso
para se manter no poder. Depois de acusar seus adversários Marina Silva (PSB) e
Aécio Neves (PSDB) de agir em conluio com os banqueiros, por exemplo, Dilma
convidou o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, para assumir o
Ministério da Fazenda. Ouviu "não" como resposta e indicou, então, a
Levy, um economista ortodoxo e alinhado ao pensamento do tucano Armínio Fraga.
A crise econômica e orçamentária, motivada em grande parte
pelo populismo fiscal do primeiro governo Dilma, agora força o Executivo a
abandonar promessas de campanha, como a de que os direitos trabalhistas eram
intocáveis e a taxa de juros não seria usada para segurar a inflação.
Paradoxalmente, a solução encontrada pelo governo distanciou a presidente da
República das bases mais tradicionais do petismo, como sindicatos e movimentos
sociais. A Central Única dos Trabalhadores, principal braço do PT, tem ido às
ruas com bandeiras que, se passam pelo apoio ao governo contra o
"golpismo", também incluem críticas diretas ao ajuste fiscal.
Reação - O Executivo ainda tem armas de sobra para articular
uma reação. A principal delas é a chave do cofre da União, que costuma ser
usado para cooptar tanto os movimentos sociais quanto partidos políticos. Mas
até esse recurso é limitado. O corte orçamentário que deve ser anunciado em
breve deve atingir ainda mais a já reduzida capacidade de investimento do
governo e, assim, dificultar uma reação do Executivo.
A presidente chega aos cem dias de governo sem recursos para
investir, com uma base aliada enfraquecida, um escândalo gigantesco de
corrupção à porta, a popularidade em níveis abissais e sob a desconfiança do
próprio PT. É possível que o cenário melhore no médio prazo. Mas o mais provável
é que, para fazer isso, Dilma tenha de ser cada vez menos dona do próprio
governo.
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