Quem ainda tem esperança de um mundo e de um Brasil melhores
deve manter neste momento uma grande atenção nas conquistas democráticas e
apoiar com firmeza o trabalho da Polícia Federal, do Ministério Público e da
Justiça. O que está em curso no Brasil não é apenas a desconstrução de um
sistema político que revela, a cada dia, sua falência. Há também uma lenta
construção da democracia e de instituições independentes e fortes, instrumentos
de navegação em meio às crises.
Assim como saímos do impeachment de Collor para outro ciclo
de evolução, com a estabilização econômica nos governos de Itamar e Fernando
Henrique, que possibilitou avanços sociais no governo Lula, da mesma forma
podermos ser capazes de sair da crise atual para outro momento positivo. Para isso,
entretanto, devemos cuidar de manter as bases institucionais democráticas que
construímos a duras penas e, como diz o ditado popular, não jogar a criança
fora com a água suja.
Aparentemente, há apenas sujeira. Mas devemos ver além das
aparências, ou seja, além da crise e da confusão política que se profundam e
crescem. Na realidade, as novidades são poucas. A crise é a mesma e todos os
envolvidos nela já faziam o que fazem e diziam o que dizem – com os mesmos maus
resultados na vida do povo brasileiro – há vários meses. Os rompantes dos
dirigentes políticos e as manifestações de seus seguidores, a histeria na
guerrilha virtual, as justificativas diante das denúncias, tudo igual.
Num artigo que escrevi há alguns meses, quando reclamavam
que eu estava em silêncio, mostrei que continuava participando da vida política
brasileira com os poucos meios que tenho à minha disposição. Naquela ocasião
afirmei: “basta olhar o ambiente político para ver que tudo serve à
manipulação, que o objetivo não é sair da crise, mas usá-la”. Isso também
continua.
Se a manipulação da crise foi o modo como o presidente da
Câmara encontrou para aumentar seu poder, é normal que ele agora tente explicar
as denúncias de corrupção que recebe como sendo manipulação dos outros – o
governo, no caso. Não há novidade nisso e boa parte dos que saem gritando “fora
Cunha” parecem querer apenas aproveitar a oportunidade de apontar um novo
inimigo público para desviar a atenção dos gritos de “fora Dilma”.
O Congresso Nacional divide com o governo as
responsabilidades pela crise e a atenção pública se volta para os
parlamentares. Neste momento, deveria predominar entre eles a consciência de
que o Poder Legislativo é maior que seus membros, mesmo aqueles que ocupam
cargos de direção. Como poder independente, deve respeitar a independência dos
demais poderes e avaliar suas ações em conformidade com a Constituição Federal.
Repito o que disse há pouco mais de uma semana, numa nota
pedindo apoio aos órgãos de investigação e do sistema judiciário: “a confiança
vigilante nas instituições é a melhor maneira de evitar precipitações ou
aventuras”. Precisamos estar alertas contra a manipulação política de qualquer
lado e contra todas as formas de pressão e intimidação sobre a Justiça, o
Ministério Público e a Polícia Federal.
Quando as investigações resultarem em provas e denúncias
formais ao Supremo Tribunal Federal, devemos exigir o afastamento dos que
ocupam cargos cujos poderes possam interferir nas decisões. Mas desde já
precisamos estar atentos contra qualquer tentativa de sabotagem.
Aos denunciados resta rever suas práticas e posturas. Ao
menos em nome do bom senso impõe-se evitar mexer mais ainda num equilíbrio
institucional que já está precário, não usando poderes públicos como navios de
guerra de onde os litigantes disparam contra os outros.
Obviamente, ninguém mais espera um comportamento minimamente
virtuoso da maioria dos personagens no palco da política brasileira dos dias
atuais. Mas se temos que respeitar as instituições que eles, infelizmente,
dirigem tão mal, e respeitar a população que lhes confiou seu voto, temos
também que manter viva nossa esperança de que a Justiça será feita e os erros
serão punidos. Afinal, como disse Rui Barbosa, “a Justiça tardia nada mais é do
que injustiça institucionalizada”.
Que o epílogo desse drama, quando ocorrer, seja o prólogo de
uma nova história de afirmação da democracia no Brasil.
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