Artigo de Fernando Gabeira
A BR-020 é uma estrada radial de longas retas que liga
Brasília ao Piauí. Aproveitei o percurso para refletir sobre o rumo dos meus
artigos. Vale a pena insistir nos erros de Dilma e do PT, ambos no volume
morto? A maioria do povo brasileiro já tem uma visão sobre o tema.
Num hotel do oeste baiano, abri uma revista na mochila e me
deparei com uma frase do escritor argelino Kamel Daoud: “Se já não há vida
antes da morte, por que se preocupar com a vida após a morte?”. Ele se referia
à sorte do septuagenário presidente argelino Abdelaziz Bouteflika, internado
num hospital de Paris. Mas sua frase é uma pista para buscar outro rumo.
Visitei a cidade de Luís Eduardo Magalhães (BA), um polo do
agronegócio. Ali se tornaram campeões mundiais da produtividade nas culturas do
milho e da soja. Construíram um aeroporto com uma pista de 2 mil metros, quase
o dobro da pista do Aeroporto Santos Dumont. Numa só fazenda, vi uma lagoa
artificial maior que a Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio. O número de habitantes
ali cresceu 300% em 15 anos. Tudo marchou num progresso acelerado, em níveis
chineses – pelo menos os do passado recente. Mas a crise começa a afetar até
mesmo essas áreas do agronegócio, que exporta e se favorece com o preço do
dólar. Somos todos interligados.
A região depende de um Estado e de um governo federal
mergulhados numa grave crise. Mesmo para os que estão bem situados há um desejo
de achar o caminho do desenvolvimento, sair dessa maré.
É possível que alguma forma de unidade nacional possa ser
alcançada pelos que querem superar a crise. E o ajuste na economia deve ser a
base de seu programa. Quando digo alguma forma de unidade nacional, deixo de
fora aqueles que ainda creem que um ajuste seja o caminho errado. Gostaria de
incluir aqueles que acham o ajuste um caminho certo, mas agem no Parlamento
como se não houvesse amanhã: gastos e mais gastos.
O fator Grécia continua perturbando os que romanticamente
acham possível desafiar as leis do capitalismo: aqui se faz, aqui se paga.
Admiradores de Cuba e Venezuela se voltam, agora, para a Grécia democrática,
sem perceber que estão apenas trocando de fracasso econômico.
A realidade impôs à esquerda grega uma tarefa mais árdua do
que seus antecessores. O governo teve de passar no Congresso um projeto mais
draconiano do que a direita tentou, sem êxito, aprovar. O plebiscito disse não,
o próprio governo de Alexis Tsipras disse não e, no entanto, o acordo com a
Europa diz sim às condições dos credores.
O que o exemplo mostra também é que, às vezes, saídas
românticas podem conduzir a um processo de humilhação nacional. No caso grego,
creio, houve uma diferença de tom entre a França latina e a Alemanha. Os
franceses acham que os alemães têm um enfoque vingativo. William Waack, que foi
correspondente na Alemanha, lembra do fator cultural. Num país de formação
calvinista, a palavra dívida é a mesma de culpa: Schuld.
Não creio que as coisas sejam as mesmas entre países tão
diferentes como a Grécia e o Brasil. Mas um colapso econômico, com bancos
fechados, é sempre uma lição.
Não existe necessariamente uma catástrofe no horizonte
brasileiro. Mas seria bom que houvesse uma discussão sobre as premissas para
sair da crise e algum compromisso com elas.
A oposição tem seus objetivos eleitorais. Precisa combater o
PT. Mas o combate erradamente, quando usa os mesmos métodos do adversário,
falando uma coisa, fazendo outra. Buscar uma saída estratégica não jogaria a
oposição no volume morto. Muitas pessoas que encontro pelo País estão ansiosas
não pela solução imediata da crise, mas por um sentimento de que o barco anda
no rumo certo. O grande motor seria a política. A crise econômica depende do
impulso favorável do processo político.
Hoje, o quadro é caótico. Dilma, escorregando na rede, na
Itália, ilustrou sua própria situação. Meio à Guimarães Rosa, ela disse:
“Quando você está lá em cima, você inclina para um lado e, imediatamente, para
o outro, você fica balançando mesmo, você consegue se equilibrar. Eu não caí,
mas para não cair é preciso ser ajudada”. Quem ajudará Dilma a não cair? Por
que ajudá-la a não cair? Em respeito aos seus eleitores? Mas eles já a rejeitam
há algum tempo.
Há três frentes acossando o Planalto: TCU, TSE e Operação
Lava Jato. Isso tem uma certa autonomia, não depende de ajuda. Dilma se encontrou
com Lewandowski em Portugal. Supremo e Planalto se encontram, discretamente, em
Porto. Não vou especular sobre o que disseram. Lembrarei apenas que se
encontraram em Porto no auge da crise.
Mesmo neste caos, é preciso encontrar saídas. Na política,
ela passa pela punição dos culpados de corrupção e campanhas pagas por ela.
Simultaneamente, precisava surgir algo no Parlamento e na sociedade, um desejo
real de superar a crise, uma unidade nessa direção. No momento, estamos
saudando a mandioca e vivendo num parlamentarismo do crioulo doido.
Se estivéssemos vendo o Brasil de uma galáxia distante, até
nos divertiríamos. Mas eles estão entre nós.
É preciso pensar o pós-Dilma. Ela fala muito em queda,
parece preocupada com isso. Não deve doer tanto. Collor caiu e reaparece – como
coadjuvante, é verdade – no maior escândalo do século. E muito mais rico: do
Fiat Elba ao Lamborghini.
É preciso, pelo menos, pensar o País sem Dilma, deixá-la
balançar na etérea sala do palácio, criar uma unidade em torno de um ajuste
possível, recuperar o mínimo de credibilidade no sistema político.
Nas eleições, os políticos gostam da imagem de salvador.
Isso não existe. Mas, no momento, ao menos poderiam dar uma forcinha criando um
pequeno núcleo suprapartidário buscando uma saída, apontando para o futuro.
Seria ignorado? Por que não experimentar? Um dos piores efeitos da crise são o
desânimo e a paralisia. Por onde ando, vejo um compasso de espera. A maioria
sabe que uma pessoa que mal se equilibra não consegue liderar o Brasil durante
a tempestade. É preciso extrair as consequências dessa incômoda constatação.
Artigo publicado no Estadão em 17/07/2015
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