Da Época
Nas noites dos últimos dias, o juiz federal Sergio Fernando
Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, após botar os filhos para dormir e
checar os últimos e-mails do dia, dedicava-se, quando ainda tinha forças, à
leitura de uma coletânea de artigos sobre os 20 anos da Operação Mãos Limpas. A
megainvestigação logrou o que parecia impossível: expurgar do Estado italiano
organizações mafiosas centenárias. Os acertos – e os erros – dos juízes
italianos ajudavam Moro a refletir sobre as melhores estratégias para conduzir
a Operação Lava Jato. Como fechar os casos ainda em aberto e, ademais, como
avançar naqueles que se avizinham rapidamente? Nas mesmas noites, não muito
longe da casa do juiz, mas no frio da carceragem da Polícia Federal em
Curitiba, para onde fora transferido, dividindo cela com o doleiro Alberto
Youssef, Nestor Cerveró, o ex-diretor internacional da Petrobras condenado a
cinco anos de prisão por Moro, tinha ataques de pânico. Pressionado pela
família, especialmente pelo filho, Cerveró cedeu. Resolveu contar o que sabe,
como apostavam Moro e os procuradores da força-tarefa da Lava Jato. E Cerveró
sabe muito.
Cerveró chamou os procuradores e, à revelia de seu advogado,
começou a negociar os termos para se tornar o 20º delator da Lava Jato. Segundo
políticos, empresários, investigadores e lobistas da Petrobras, somente duas
pessoas podem esclarecer, entre outros contratos inexplicáveis na Área
Internacional, a infame operação de compra da Refinaria de Pasadena, há quase
dez anos. Nela, a Petrobras perdeu cerca de US$ 800 milhões. Uma é o operador
Fernando Baiano, ligado ao PMDB e que atuava em parceria com Cerveró. Baiano
está preso. Ele, porém, não exibe nenhum sinal de que pode vir a falar. A outra
pessoa é o próprio Cerveró.
De acordo com essas fontes, ouvidas por ÉPOCA nos últimos
anos e, também, nos últimos dias, Cerveró, se falar o que sabe, sem esconder nenhum
fato, pode causar um estrago político devastador, ainda mais considerando-se o
acúmulo incessante de provas da Lava Jato nas semanas recentes. Tanto Baiano
quanto Cerveró confidenciaram – e não agora – a essas fontes que a operação de
Pasadena além de outras na Diretoria Internacional beneficiaram o presidente do
Senado, Renan Calheiros, do PMDB, parlamentares do PT e até o empresário José
Carlos Bumlai, um dos melhores amigos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. Em miúdos: beneficiaram todos aqueles que o indicaram ao cargo, como já
se comprovou que era a prática nas demais diretorias. Bumlai, que frequentava a
intimidade do petista, falava em nome de Lula durante o segundo mandato do
petista. E tinha relações estreitas com o grupo Schain, que obteve contratos na
Petrobras com a ajuda de Cerveró. Todos os citados sempre negaram qualquer
relação imprópria com Cerveró.
Edson Ribeiro, o advogado de Cerveró, chegou a Curitiba na
quinta-feira, disposto a fazer de tudo para demovê-lo da delação. O advogado
disse a Cerveró ter certeza de que os executivos da Odebrecht, também presos na
Lava Jato, conseguirão decisões judiciais favoráveis no recesso do Judiciário,
daqui a alguns dias, seja no Superior Tribunal de Justiça, seja no Supremo
Tribunal Federal. Se gente como Marcelo Odebrecht sair da cadeia, raciocina o
advogado, outros sairão em seguida, como Cerveró. Até a noite da sexta-feira,
os argumentos do advogado não foram suficientes para convencer Cerveró. Ele
continua negociando os termos da delação com os procuradores. E demonstra uma
mágoa especial pela presidente Dilma Rousseff. Sente-se abandonado por ela –
que, como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, aprovou a
compra da refinaria de Pasadena. Em suas defesas entregues às autoridades,
Cerveró alega que a responsabilidade pelo investimento em Pasadena é do
Conselho de Administração da estatal. Ou seja, de Dilma.
A iminência da delação de Cerveró, decidida nos gabinetes e
nas celas de Curitiba, revela como, no Brasil de 2015, o poder sobre os rumos
da nação deslocou-se, momentaneamente, para a capital do Paraná. Se levada a
cabo, a delação de Cerveró terá impacto em gente do calibre de Lula e Dilma.
Por isso, um rastilho silencioso de pólvora – e pânico – acendeu-se até
Brasília. Políticos e empresários poderosos ficam à mercê, mais uma vez, como
acontece desde outubro, com as delações de Paulo Roberto Costa e Alberto
Youssef, de fatos sobre os quais eles não têm o menor controle – e, muitas
vezes, nem sequer compreendem.
Essa mudança, ainda que temporária, nas regras do jogo, no
controle da situação, explica parte das falas e ações destemperadas de
políticos experientes, como Lula, ou até aqui cautelosos com o verbo, como
Dilma. A combinação de crises pela qual passa o Brasil hoje converge,
cotidianamente, para Curitiba. Os rumos das principais decisões políticas neste
momento definem-se, mesmo com uma economia malparada e um governo anêmico, pelo
que acontece na Operação Lava Jato. A sucessão de provas, de delações, as
imagens quase semanais de tesoureiros e executivos sendo presos pela polícia
sobrepõem-se a qualquer processo político e econômico em Brasília. Por uma
razão simples: as decisões de Curitiba põem em risco a sobrevivência dos
principais partidos e políticos do Brasil. O mesmo vale para as principais
empreiteiras do país.
Nenhum gabinete, portanto, concentra tanto poder neste
momento no Brasil quanto aquele no 2o andar na Avenida Anita Garibaldi, 888. É
de lá que despacha Sergio Moro, o cérebro e centro moral da Lava Jato. A
Operação, na verdade, envolve dezenas de procuradores da República, delegados e
agentes da PF, equipes na Procuradoria-Geral da República, em Brasília, além do
ministro do Supremo Teori Zavascki. Todos têm poder para definir, em alguma
medida, os rumos das centenas – isso, centenas – de casos de corrupção
investigados na Lava Jato. Alguns casos tramitam em Brasília – aqueles que
envolvem políticos com foro no Supremo. Mas a maioria fica em Curitiba e de lá
não sai. Moro alia virtudes raríssimas para a missão: preparo jurídico,
pensamento estratégico, inflexibilidade de princípios, coragem moral e
disciplina de trabalho. Entra cedo, sai tarde e prossegue na lida mesmo de
casa. Alguns dos procuradores da força-tarefa compartilham, em maior ou menor grau, as mesmas características.
Estudaram muito, trabalham sem parar e entendem que estão fazendo história.
Após mais de um ano de Lava Jato, já está claro que esses
homens e mulheres – pelo tamanho dos presos, pela força das provas, pelos nomes
envolvidos e pelo dinheiro recuperado – estão promovendo uma revolução na luta
contra a grande corrupção no Brasil. O método, a estratégia e a disciplina para
manter o foco nos alvos certos, como Cerveró ou Marcelo Odebrecht, demonstram
que essa revolução, cujo acúmulo intenso de fatos desnorteia até o observador
mais atento, irá longe. A partir das delações capitais de Paulo Roberto Costa e
Alberto Youssef, em outubro do ano passado, surgiu a obtenção de mais provas,
como extratos bancários de contas em paraísos fiscais e a confissão dos demais
envolvidos. O efeito cascata, irrefreável, parece destinado a parar apenas
quando todos os envolvidos no petrolão, esse esquema que envolvia empresas
inescrupulosas e políticos corruptos, estejam identificados e devidamente
processados. É uma réstia de esperança para um povo que precisa,
desesperadamente, acreditar novamente em seu sistema político.
Engana-se, porém, quem pensa que Moro ou os procuradores da
Lava Jato tenham ganas de pegar Lula ou Dilma. Na visão deles, e que as provas
de fato oferecem (até o momento), Lula e Dilma não eram chefes de uma
organização criminosa. Não que ambos não tenham responsabilidade pela
sustentação política do petrolão – pelo aval, no mínimo, tácito aos resultados
de suas decisões fisiológicas, de distribuição irresponsável de cargos na
Petrobras. Mas a decisão de distribuir diretorias da estatal não é crime. O
petrolão é, pelo que as evidências apontam até o momento, um esquema
horizontal, organizado entre empresários corruptores e funcionários públicos
corruptos. Entre as duas partes, havia operadores de partidos políticos e
doleiros. Todos ganhavam, especialmente os políticos dos partidos (PT, PMDB e
PP, sobretudo) que controlavam os cargos. Não havia chefes. Havia apenas
cúmplices na roubalheira.
Há muitas novidades, no entanto, a caminho. Nestor Cerveró,
o quase certo 20º delator, trará apenas parte delas. A 16ª fase da Lava Jato
não tarda. E ela será decidida em Curitiba, para desespero do poder em
Brasília.
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