quarta-feira, 5 de agosto de 2015

JUNIOR DECOLA

Da revista Piauí

No dia 6 de março de 2011, um helicóptero branco, modelo Esquilo, com apenas dois anos de uso, caiu em Goiás. Além do piloto, estavam o jovem advogado Ricardo Fenelon das Neves Junior, então com 24 anos, e sua namorada, a estudante de direito Marcela Paes de Andrade Lopes de Oliveira, de 22 anos, filha do senador Eunício Lopes de Oliveira (PMDB-CE), dono da aeronave. As investigações apontaram combustível adulterado. Junior foi quem recomendou um aeródromo no interior do estado para abastecer o aparelho, mesmo sabendo que o local não era homologado pelas autoridades da aviação civil. Ocorre que não se deve julgar alguém apenas por não saber avaliar a qualidade de combustíveis. No mês passado, Junior foi indicado diretor do principal órgão fiscalizador da aviação civil do país, a Anac.

O desafortunado incidente aéreo ocorreu durante o Carnaval de 2011, quando os dois namorados resolveram viajar para o interior de Goiás. Depois de dois dias em Três Ranchos, cidade perto da fronteira com Minas Gerais, decidiram visitar a Fazenda Santa Mônica, uma gigante de 21 mil hectares (o equivalente a 21 mil campos de futebol), incrustada no centro do estado, em Corumbá de Goiás. A fazenda está entre os setenta imóveis rurais que o senador Eunício tem na região – há quem diga que ele é o “dono” de Corumbá de Goiás.

O trajeto de 373 quilômetros entre Três Ranchos e Santa Mônica seria feito a 170 quilômetros por hora, no helicóptero de Eunício, cujo prefixo PR-ELO remete às iniciais de seu nome. A aeronave estava registrada como propriedade de uma de suas empresas, que só no ano passado receberam pelo menos 85 milhões de reais em contratos com o governo federal.

Antes da viagem, porém, era preciso abastecer o aparelho. O piloto foi checar o Manual Auxiliar de Rotas Aéreas e percebeu que no percurso não havia nenhum posto homologado pela ANP (Agência Nacional de Petróleo). Afeito a desafios, Junior veio com a solução. O genro de Eunício sempre teve gosto pela aviação – foi estagiário da Procuradoria da Anac e até pouco tempo mantinha um blog sobre o tema, o Hangar20 – e logo informou que no caminho da fazenda havia o insuspeito Aeródromo de Catalão. O local, em obras desde 2009, ainda não fora homologado pelas autoridades para realizar abastecimento. Mas tudo bem. Dava para arriscar. Junior passou os contatos para o piloto.

No dia 6 de março, domingo de Carnaval, a aeronave pousou no Aeródromo de Catalão, no final da tarde. O abastecimento durou poucos minutos, e logo Junior e Marcela estavam de novo no ar. Após uma hora e quinze minutos de voo, uma luz acendeu. Fuel Filter, avisou o sistema do helicóptero. Problemas com o filtro de combustível. O piloto diminuiu a potência do motor, mas não adiantou. Alarmes sonoros apitavam na cabine, a aeronave precisaria fazer um pouso de emergência. O piloto pôs-se a procurar um local, mas não deu tempo. A poucos metros de altura o motor parou e a aeronave de 1,2 tonelada e 8 milhões de reais foi ao chão. Após chocar-se contra a terra, deslizou por 13 metros e foi parar num descampado, já na Fazenda Santa Mônica. Não levaria muito até que dois outros helicópteros chegassem às terras de Eunício para prestar socorro –um do Detran do Distrito Federal, embora o acidente tenha sido em Goiás, e outro do Corpo de Bombeiros. O piloto fraturou três vértebras; Marcela, uma, e teve de ser operada. Junior saiu ileso.

No começo de julho, quatro anos depois do acidente que quase causou a morte de três pessoas, ocorreu o segundo pouso forçado na vida de Junior. Ele foi indicado pelo sogro para ocupar uma das cinco diretorias da Anac, órgão responsável pela segurança de 117 milhões de passageiros por ano. Além do funcionamento de todos os aeroportos, de Guarulhos a Macapá, a agência fiscaliza a atuação de pilotos, determina quais aeronaves podem voar e regula os trâmites da aviação privada e das companhias áreas – não à toa, seus corredores já foram palco da ação de lobistas em prol dos interesses das aéreas nacionais.

Se o Senado aprovar seu nome em votação ainda em agosto, Junior receberá um salário de 14 376,03 reais e a garantia de emprego fixo pelos próximos cinco anos – o cargo não é passível de demissão, só em caso de condenação transitada em julgado. Também poderá influenciar na discussão de questões críticas sobre a aviação civil do país e, ao final de sua gestão, sairá no mínimo com coordenadas para um eventual voo solo na iniciativa privada.

Junior teve seu plano de carreira traçado pelo sogro. O senador tem bom trânsito na Secretaria de Aviação Civil (SAC), feudo do PMDB e à qual a Anac está vinculada. A pasta, criada em 2011, foi entregue ao partido em 2013, numa tentativa de satisfazer o apetite peemedebista por cargos. Da SAC, o nome do genro de Eunício voou até o Palácio do Planalto, onde ficou à espera de uma decisão de Dilma, que não é das mais ágeis nas indicações do segundo escalão.

Enquanto o currículo aguardava a chancela da presidente nos escaninhos da Casa Civil, Junior foi promovido: passou de namorado a marido de Marcela. No dia 20 de junho, os dois se casaram numa cerimônia com mais de mil pessoas, na casa do senador, às margens do lago Paranoá. Junior, filho de uma dentista e de um dermatologista de Brasília, aguardava sorridente a noiva no altar – construído nos jardins da casa do sogro –, sob o olhar de Dilma, do vice, Michel Temer, e do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Marcela surgiu no tapete amarelo, num vestido clássico assinado por Oscar de la Renta. Uma das mãos segurava a do pai, a outra, um buquê de rosas brancas e um terço. Treze dias depois da festa, o currículo foi finalmente desengavetado pela Presidência e aterrissou no Senado.
Bookmark and Share

Nenhum comentário:

Postar um comentário