Da IstoÉ
Tal como agiu o apóstolo Pedro em relação a Jesus, antes de
o galo cantar, a cúpula do PMDB negou Dilma Rousseff três vezes na
segunda-feira 21. Os principais nomes da legenda, o vice Michel Temer, o
presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o da Câmara, Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), responderam com rotundos “não”, quando instados pela presidente da República
a participar da indicação de nomes para a reforma ministerial. Mas, ao
contrário de São Pedro, que diante do canto do pássaro chorou de
arrependimento, os caciques do PMDB não capitularam. Em desespero, ao ver o que
poderia representar a despedida prematura dos aliados, a petista resolveu jogar
sua última cartada: abriu o balcão de negócios e avançou sobre líderes
secundários do PMDB. O problema é que, ao que parece, a presidente Dilma até
hoje não entendeu como funciona a lógica política da maior legenda da base
aliada – apêndice do poder desde a ditadura. Ao decidir lotear os Ministérios
da Saúde e da Infra-estrutura (fusão da Aviação Civil com Portos) e pedir a
sugestão de seis nomes do baixo clero do PMDB, a presidente imaginou que estava
arrebanhando a legenda inteira, quando na verdade quem ela atraiu foram alguns
gatos pingados de uma bancada volúvel à pressão popular. Um diálogo ocorrido na
casa de Cunha ilustra como pensa e age o PMDB. Questionado por um parlamentar
da oposição se o partido iria ou não apresentar nomes para a nova composição da
Esplanada, o líder Leonardo Picciani (RJ) respondeu sem pestanejar: “Vamos
indicar para esse governo, sim. Até porque para o próximo governo que vem aí já
estaremos muito bem colocados”. Embora a conversa tenha sido testemunhada por
dois parlamentares, um do PMDB e outro do PDT, Picciani nega a frase. Ironia ou
não do líder peemedebista, o fato é que a ofensiva do governo pode até adiar
por poucos meses, mas não terá o condão de impedir o desembarque do PMDB da
aliança com o PT, que poderá acontecer em novembro ou, no mais tardar, em maio
de 2016.
Quando percebeu o cerco se fechar sobre o seu mandato, meses
depois da posse, o ex-presidente Fernando Collor nomeou um ministério de
notáveis, recheado de nomes de peso, como o jurista Célio Borja e o economista
Marcílio Marques Moreira. A política, ele entregou a Jorge Bornhausen, então
principal estrela do PFL. Promoveu alterações na composição ministerial
alicerçado pelo alto escalão das legendas. Não foi o suficiente para mantê-lo
no cargo, mas Collor conseguiu uma sobrevida de mais de um ano, até ser apeado
do poder.
O próprio Lula, em
2002, depois de divulgar a Carta aos Brasileiros, fez acordos de cúpula para se
eleger. Depois, os acertos se revelaram espúrios, mas esta é outra história. O
ex-presidente FHC, mesmo em momentos em que a relação esteve estremecida, nunca
deixou de assegurar na Esplanada a cota de Antônio Carlos Magalhães, um dos
expoentes do PFL – principal partido da coalizão tucana. Dilma faz o inverso.
Sem o aval da cúpula do PMDB, vai às compras no varejo. Ocorre que entregar
meia dúzia de pastas aos peemedebistas não lhe assegura tranquilidade e apoio
para livrar o País da crise ou afastar os fantasmas que rondam o seu mandato.
Em entrevista à ISTOÉ, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, defensor do
rompimento do PMDB com Dilma, foi explícito ao dizer que as indicações da
bancada não significam que o partido passará a “dizer amém” ao Planalto (leia
mais à pág. 38). A nomeação para mais um ou dois ministérios também não será
capaz de barrar o andamento do cada vez mais provável processo de impeachment
contra a presidente. Na própria quinta-feira 24, Cunha leu em plenário, para o
deleite da oposição, o rito a ser adotado pela Câmara para o afastamento de
Dilma, irritando sobremaneira o PT, que promete recorrer ao STF.
Nem mesmo a possibilidade da ampliação do espaço do PMDB no
governo, com a oferta de ministérios com caneta, tinta e verba foi capaz de
assegurar à Dilma apoio integral do aliado na votação dos vetos na semana
passada que, se tivessem ido ao chão, poderiam provocar um impacto de R$ 128
bilhões no já combalido Orçamento da União até 2019. Ao apreciar um dos temas
mais complexos na sessão do Congresso na noite de terça-feira 22, a alternativa
ao fator previdenciário – mecanismo que desencoraja aposentadorias precoces –,
30% dos 49 deputados peemedebistas presentes votaram pela derrubada do veto. A
sessão conjunta da Câmara e Senado analisaria 32 vetos. Ao fim, 26 deles foram
mantidos. Para que as decisões da presidente fossem anuladas, eram precisos os
votos de ao menos 257 dos 513 deputados e 41 dos 81 senadores. O placar final
do PMDB acabou contabilizando 34 opções pela manutenção da decisão
presidencial, 15 contrários e três abstenções. Por saber que não se pode
confiar nos acordos acertados pelo governo petista, o Congresso, sob operação
dos peemedebistas, deixou para apreciar a manutenção ou não de reajuste para o
Judiciário apenas nesta semana que se inicia. Ou seja, em sua tentativa
desesperada de escapar do cadafalso, Dilma entrega os anéis, os dedos e uma
joia – a pasta da Saúde – ao PMDB em troca de míseros votos com os quais nem
tem certeza de que poderá contar doravante. “A presidente fez um pacto com
demônio para salvar o seu governo. Vai governar como? Não vai. Vai ser
governada”, disse na quinta-feira 24 o ex-presidente Fernando Henrique para
quem “o tempo de Dilma está se esgotando”.
A Saúde, até o final da última semana, estava cotada para
ser entregue a Manoel Jr, deputado do PMDB da Paraíba. Um parêntese para o
currículo da excelência: além de, recentemente, ter sugerido a renúncia de
Dilma, e ser um crítico assumido do programa Mais Médicos - talvez o único que
deu certo em todo o governo da presidente petista - Manoel Jr. ostenta como seu
maior feito no setor a gestão de um hospital localizado num município de 28 mil
habitantes. Será que Dilma imagina que o parlamentar será capaz de resolver a grave
questão da saúde pública no País? Para piorar, a negociação envolvendo a pasta
da Saúde preencheu mais um capítulo da total inabilidade política da chefe do
Executivo. Na noite de segunda-feira 21, a presidente convidou o líder Picciani
e Temer para uma reunião no Palácio da Alvorada a fim de tentar costurar apoio
para votações da semana. O deputado chegou primeiro e entabulou a conversa com
a petista. Temer apareceu em seguida, com a conversa já em andamento. Encerrado
o encontro, o vice-presidente dirigiu-se ao Palácio do Jaburu, como de praxe.
Só soube na manhã seguinte do tema principal da conversa entre Dilma e
Picciani: que durante aquela reunião a presidente havia oferecido ao líder o
ministério da Saúde. Quando o assunto tornou-se público, Dilma ligou para Temer
para confirmar o que ele já havia lido no noticiário. O gesto foi interpretado
pelo peemedebista como uma tremenda deselegância, no mínimo.
Além de sugerir Manoel Jr., foram ofertados também à mesma
pasta os nomes de Saraiva Felipe (MG), ex-ministro, e Marcelo Castro (PI),
figura carimbada nas indicações do PMDB. Para a Infraestrutura, os
peemedebistas da Câmara indicaram José Priante (PA), Mauro Lopes (MG), Celso
Pansera (RJ) e Newton Cardoso Júnior (MG). O martelo ainda não foi batido. Se já
não bastassem as trapalhadas envolvendo a reforma meia-boca que a governante
pretendia fazer para evitar o impeachment a todo custo, no final da semana, o
governo ameaçava implodir o que ele próprio havia costurado com parlamentares
do PMDB. “Se modificar, vou tirar todas as indicações e reunir a bancada
novamente”, vociferou Picciani na noite de quinta-feira 24. O impasse ocorreu
porque congressistas da Câmara exigiam dois ministérios.
Um deles está acertado que será o da Saúde, hoje controlado
pelo PT, mas os deputados não aceitavam até o fim da semana assumir como sendo
deles as pastas de Turismo, ocupada por Henrique Eduardo Alves, e Aviação
Civil, comandada por Eliseu Padilha. A última proposta apresentada por Dilma
previa que Padilha permanecesse na Aviação Civil e Helder Barbalho, filho do
senador Jader Barbalho (PMDB-PA), fosse transferido da Secretaria da Pesca para
Portos. Para abrigar o ministro bem nascido, a presidente desistiria de fundir
Portos e Aviação. O plano inicial de Dilma é incorporar a Pesca ao Ministério
da Agricultura. Nesse xadrez, continuariam em seus postos os ministros Eduardo
Braga (Minas e Energia) e Kátia Abreu (Agricultura), que representam a bancada
do PMDB no Senado, reforçada esta semana com a filiação da ex-petista Marta Suplicy.
Para tentar contornar a rebelião de última hora no partido, Dilma resolveu
pedir socorro ao governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, e ao prefeito da
capital, Eduardo Paes. Depois de colocar a Infraestrutura no pacote de
promessas, a presidente quer agora que a dupla convença Picciani a se contentar
apenas com a Saúde. Ou seja, confusão à vista.
Enquanto Dilma mergulhava no feirão do fisiologismo com o
baixo clero do PMDB, a cúpula da legenda – a que realmente importa – exibia seu
programa nacional na quinta-feira 24 em rede de rádio e televisão dizendo que
era “hora de virar o jogo” e “deixar o estrelismo de lado”. No filmete, o
partido reconhece a “crise econômica que resulta em recessão e desemprego”.
Combinados com uma crise política, os problemas na economia, acrescentou a
legenda, deixam a sociedade “angustiada, à espera de soluções, cansada de
sempre pagar a conta, pessimista diante do nó que não se desfaz”. Nem um
partido de oposição seria capaz de emitir um recado tão eloquente.
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