sábado, 26 de setembro de 2015

BALCÃO DE NEGÓCIOS

Da IstoÉ
Tal como agiu o apóstolo Pedro em relação a Jesus, antes de o galo cantar, a cúpula do PMDB negou Dilma Rousseff três vezes na segunda-feira 21. Os principais nomes da legenda, o vice Michel Temer, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), responderam com rotundos “não”, quando instados pela presidente da República a participar da indicação de nomes para a reforma ministerial. Mas, ao contrário de São Pedro, que diante do canto do pássaro chorou de arrependimento, os caciques do PMDB não capitularam. Em desespero, ao ver o que poderia representar a despedida prematura dos aliados, a petista resolveu jogar sua última cartada: abriu o balcão de negócios e avançou sobre líderes secundários do PMDB. O problema é que, ao que parece, a presidente Dilma até hoje não entendeu como funciona a lógica política da maior legenda da base aliada – apêndice do poder desde a ditadura. Ao decidir lotear os Ministérios da Saúde e da Infra-estrutura (fusão da Aviação Civil com Portos) e pedir a sugestão de seis nomes do baixo clero do PMDB, a presidente imaginou que estava arrebanhando a legenda inteira, quando na verdade quem ela atraiu foram alguns gatos pingados de uma bancada volúvel à pressão popular. Um diálogo ocorrido na casa de Cunha ilustra como pensa e age o PMDB. Questionado por um parlamentar da oposição se o partido iria ou não apresentar nomes para a nova composição da Esplanada, o líder Leonardo Picciani (RJ) respondeu sem pestanejar: “Vamos indicar para esse governo, sim. Até porque para o próximo governo que vem aí já estaremos muito bem colocados”. Embora a conversa tenha sido testemunhada por dois parlamentares, um do PMDB e outro do PDT, Picciani nega a frase. Ironia ou não do líder peemedebista, o fato é que a ofensiva do governo pode até adiar por poucos meses, mas não terá o condão de impedir o desembarque do PMDB da aliança com o PT, que poderá acontecer em novembro ou, no mais tardar, em maio de 2016.
Quando percebeu o cerco se fechar sobre o seu mandato, meses depois da posse, o ex-presidente Fernando Collor nomeou um ministério de notáveis, recheado de nomes de peso, como o jurista Célio Borja e o economista Marcílio Marques Moreira. A política, ele entregou a Jorge Bornhausen, então principal estrela do PFL. Promoveu alterações na composição ministerial alicerçado pelo alto escalão das legendas. Não foi o suficiente para mantê-lo no cargo, mas Collor conseguiu uma sobrevida de mais de um ano, até ser apeado do poder.
 O próprio Lula, em 2002, depois de divulgar a Carta aos Brasileiros, fez acordos de cúpula para se eleger. Depois, os acertos se revelaram espúrios, mas esta é outra história. O ex-presidente FHC, mesmo em momentos em que a relação esteve estremecida, nunca deixou de assegurar na Esplanada a cota de Antônio Carlos Magalhães, um dos expoentes do PFL – principal partido da coalizão tucana. Dilma faz o inverso. Sem o aval da cúpula do PMDB, vai às compras no varejo. Ocorre que entregar meia dúzia de pastas aos peemedebistas não lhe assegura tranquilidade e apoio para livrar o País da crise ou afastar os fantasmas que rondam o seu mandato. Em entrevista à ISTOÉ, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, defensor do rompimento do PMDB com Dilma, foi explícito ao dizer que as indicações da bancada não significam que o partido passará a “dizer amém” ao Planalto (leia mais à pág. 38). A nomeação para mais um ou dois ministérios também não será capaz de barrar o andamento do cada vez mais provável processo de impeachment contra a presidente. Na própria quinta-feira 24, Cunha leu em plenário, para o deleite da oposição, o rito a ser adotado pela Câmara para o afastamento de Dilma, irritando sobremaneira o PT, que promete recorrer ao STF.
Nem mesmo a possibilidade da ampliação do espaço do PMDB no governo, com a oferta de ministérios com caneta, tinta e verba foi capaz de assegurar à Dilma apoio integral do aliado na votação dos vetos na semana passada que, se tivessem ido ao chão, poderiam provocar um impacto de R$ 128 bilhões no já combalido Orçamento da União até 2019. Ao apreciar um dos temas mais complexos na sessão do Congresso na noite de terça-feira 22, a alternativa ao fator previdenciário – mecanismo que desencoraja aposentadorias precoces –, 30% dos 49 deputados peemedebistas presentes votaram pela derrubada do veto. A sessão conjunta da Câmara e Senado analisaria 32 vetos. Ao fim, 26 deles foram mantidos. Para que as decisões da presidente fossem anuladas, eram precisos os votos de ao menos 257 dos 513 deputados e 41 dos 81 senadores. O placar final do PMDB acabou contabilizando 34 opções pela manutenção da decisão presidencial, 15 contrários e três abstenções. Por saber que não se pode confiar nos acordos acertados pelo governo petista, o Congresso, sob operação dos peemedebistas, deixou para apreciar a manutenção ou não de reajuste para o Judiciário apenas nesta semana que se inicia. Ou seja, em sua tentativa desesperada de escapar do cadafalso, Dilma entrega os anéis, os dedos e uma joia – a pasta da Saúde – ao PMDB em troca de míseros votos com os quais nem tem certeza de que poderá contar doravante. “A presidente fez um pacto com demônio para salvar o seu governo. Vai governar como? Não vai. Vai ser governada”, disse na quinta-feira 24 o ex-presidente Fernando Henrique para quem “o tempo de Dilma está se esgotando”.
A Saúde, até o final da última semana, estava cotada para ser entregue a Manoel Jr, deputado do PMDB da Paraíba. Um parêntese para o currículo da excelência: além de, recentemente, ter sugerido a renúncia de Dilma, e ser um crítico assumido do programa Mais Médicos - talvez o único que deu certo em todo o governo da presidente petista - Manoel Jr. ostenta como seu maior feito no setor a gestão de um hospital localizado num município de 28 mil habitantes. Será que Dilma imagina que o parlamentar será capaz de resolver a grave questão da saúde pública no País? Para piorar, a negociação envolvendo a pasta da Saúde preencheu mais um capítulo da total inabilidade política da chefe do Executivo. Na noite de segunda-feira 21, a presidente convidou o líder Picciani e Temer para uma reunião no Palácio da Alvorada a fim de tentar costurar apoio para votações da semana. O deputado chegou primeiro e entabulou a conversa com a petista. Temer apareceu em seguida, com a conversa já em andamento. Encerrado o encontro, o vice-presidente dirigiu-se ao Palácio do Jaburu, como de praxe. Só soube na manhã seguinte do tema principal da conversa entre Dilma e Picciani: que durante aquela reunião a presidente havia oferecido ao líder o ministério da Saúde. Quando o assunto tornou-se público, Dilma ligou para Temer para confirmar o que ele já havia lido no noticiário. O gesto foi interpretado pelo peemedebista como uma tremenda deselegância, no mínimo.
Além de sugerir Manoel Jr., foram ofertados também à mesma pasta os nomes de Saraiva Felipe (MG), ex-ministro, e Marcelo Castro (PI), figura carimbada nas indicações do PMDB. Para a Infraestrutura, os peemedebistas da Câmara indicaram José Priante (PA), Mauro Lopes (MG), Celso Pansera (RJ) e Newton Cardoso Júnior (MG). O martelo ainda não foi batido. Se já não bastassem as trapalhadas envolvendo a reforma meia-boca que a governante pretendia fazer para evitar o impeachment a todo custo, no final da semana, o governo ameaçava implodir o que ele próprio havia costurado com parlamentares do PMDB. “Se modificar, vou tirar todas as indicações e reunir a bancada novamente”, vociferou Picciani na noite de quinta-feira 24. O impasse ocorreu porque congressistas da Câmara exigiam dois ministérios.
Um deles está acertado que será o da Saúde, hoje controlado pelo PT, mas os deputados não aceitavam até o fim da semana assumir como sendo deles as pastas de Turismo, ocupada por Henrique Eduardo Alves, e Aviação Civil, comandada por Eliseu Padilha. A última proposta apresentada por Dilma previa que Padilha permanecesse na Aviação Civil e Helder Barbalho, filho do senador Jader Barbalho (PMDB-PA), fosse transferido da Secretaria da Pesca para Portos. Para abrigar o ministro bem nascido, a presidente desistiria de fundir Portos e Aviação. O plano inicial de Dilma é incorporar a Pesca ao Ministério da Agricultura. Nesse xadrez, continuariam em seus postos os ministros Eduardo Braga (Minas e Energia) e Kátia Abreu (Agricultura), que representam a bancada do PMDB no Senado, reforçada esta semana com a filiação da ex-petista Marta Suplicy. Para tentar contornar a rebelião de última hora no partido, Dilma resolveu pedir socorro ao governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, e ao prefeito da capital, Eduardo Paes. Depois de colocar a Infraestrutura no pacote de promessas, a presidente quer agora que a dupla convença Picciani a se contentar apenas com a Saúde. Ou seja, confusão à vista.
Enquanto Dilma mergulhava no feirão do fisiologismo com o baixo clero do PMDB, a cúpula da legenda – a que realmente importa – exibia seu programa nacional na quinta-feira 24 em rede de rádio e televisão dizendo que era “hora de virar o jogo” e “deixar o estrelismo de lado”. No filmete, o partido reconhece a “crise econômica que resulta em recessão e desemprego”. Combinados com uma crise política, os problemas na economia, acrescentou a legenda, deixam a sociedade “angustiada, à espera de soluções, cansada de sempre pagar a conta, pessimista diante do nó que não se desfaz”. Nem um partido de oposição seria capaz de emitir um recado tão eloquente.
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