Entrevista do governador de Mato Grosso, Pedro Taques (PSDB),
concedida ao repórter Daniel Pereira, nas Páginas Amarelas da revista Veja
Pedro Taques tem um histórico diferente do da maioria dos políticos.
Como procurador da República, desempenhou papel decisivo em investigações de
desvio de dinheiro público, a mais conhecida delas a que resultou na prisão de
Jader Barbalho – com quem dividiria anos depois a tribuna do Senado Federal. Ao
renunciar ao cargo no Ministério Público e ser eleito senador, Taques desafiou
Renan Calheiros na disputa pela presidência da Casa. Sabia que perderia, mas
assumiu o risco em nome da moralização de certos costumes tão caros às excelências.
Como todo chefe estadual, Taques, recém-filiado ao PSDB, volta e meia está em
Brasília à cata de verbas. Nada que mude seu espírito em relação àqueles que
desrespeitam a Constituição e os bons costumes.
O senhor enfrentou o crime organizado quando era procurador,
adotou uma postura de independência do governo quando era senador e agora dá
expediente como governador. Qual dessas três tarefas é a mais difícil?
São trincheiras diversas, mas o meu objetivo sempre foi o
mesmo: defender os princípios constitucionais, como legalidade, impessoalidade,
moralidade, probidade e economicidade. Vejo que há uma disfunção cultural no
Brasil no sentindo de (não) cumprimento desses princípios. Por exemplo:
gasta-se muito e não se respeita a economicidade. Sou favorável a que o Estado
cumpra atribuições em áreas básicas e imprescindíveis, como saúde, educação,
segurança e, em estados com dimensões razoáveis como o nosso, transportes. O Estado
tem de desenvolver bem poucas atribuições. As demais podem ser tocadas pela
iniciativa privada. Como temos um Estado muito grande, há probabilidade maior
de que esses princípios constitucionais sejam violados.
O senhor aplica essa filosofia na administração de Mato
Grosso?
Claro. Cortamos o numero de secretarias, de cargos
comissionados e de determinados gastos, em alguns casos em 59%, a fim de que
sobrem os recursos necessários para a concretização de políticas públicas. Sou defensor
da tese de que você só pode gastar o que arrecada. Não concordo com orçamento
de ficção. Na gestão moderna, é preciso fazer mais com menos – e em menos
tempo. Para isso, você precisa de eficiência. Meus secretários assinaram um
acordo de resultados pautado no meu programa de governo. Há o detalhamento de
cada ação, inclusive com a origem do recurso que financiará essa ação. Se o
secretário não cumprir o acordo, ele será mandado embora.
A situação econômica dos estados é mais complicada do que a
da União?
A maioria dos estados tem problemas de caixa em razão da
distorção no chamado pacto federativo. Na Alemanha, que é uma federação, 50% de
tudo o que é arrecadado fica com os municípios. No Brasil, há uma hipertrofia
de recursos na União em detrimento de estados e municípios – e essa distorção
vem se agravando desde a Constituição de 1988. Mas a questão não é apenas de divisão
do bolo tributário. Hoje, a União não tem responsabilidade com a segurança pública,
excetuando-se o controle das fronteiras. A União também subfinancia o setor de
saúde. Isso tem de ser repensado.
A balança está descompensada?
Os estados que fizeram seu ajuste fiscal e precisam de
dinheiro novo dependem do aval da União para contratar novas operações de
crédito. Isso faz com que não tenhamos um pacto federativo, mas uma submissão federativa
dos estados à União. A justificativa do governo federal para a obrigatoriedade
do aval é que, sem o controle da contratação de operações de crédito pelos
estados, haverá prejuízo no resultado do superávit primário do setor público. Ou
seja: o estado é chamado, às vezes, a pagar uma conta que não é dele. O estado não
é nem poder submisso à União. Não é possível numa federação a presidente
decidir qual será o ajuste fiscal e depois simplesmente comunicar aos
governadores.
O ajuste fiscal anunciado pela presidente Dilma é meritório?
Entre os principais fatores das relações econômicas estão a
fidúcia, a fé, a confiança, a credibilidade, que exigem decisões corretas no
momento certo. Se o governo toma decisões erráticas, muda de posições a cada
instante, não tem unidade na equipe, ele inviabiliza a aceitação das medidas. Além
disso, quando se enfrenta uma crise econômica como a atual, você tem de, antes
de mais nada, cortar despesas, para só então ver o lado da receita. Tem de
cortar o número de ministérios. O efeito fiscal é pequeno, é verdade, mas há um
lado simbólico, pedagógico, importante. Tem de diminuir o número de cargos
comissionados, cortar o custeio da máquina e repactuar contratos, não sou o
dono da verdade, mas penso que você só pode falar em incremento de impostos a
partir do momento em que faz o seu dever de casa. Se você não faz o dever de
casa, acelera a perda da credibilidade. O governo, infelizmente, não fez o
dever de casa.
O senhor acha válida a tentativa do governo de recrear a
CPMF?
Todo dinheiro novo é bem-vindo aos estados diante da penúria
em que se encontram. Os governadores hoje quase não passam de gerentes de banco
– nada contra gerentes de banco – , ou gerentes de recursos humanos. A maneira
como o governo colocou a questão mostra um pouco de deslealdade com os
governadores: “Eu lhe dou tanto para você convencer a bancada a aprovar a CPMF”.
Eu não me sinto confortável numa situação como essa. A União precisa de
dinheiro e oferece uma cenoura aos governadores. Isso é desonesto do ponto de
vista político. Além disso, como disse, é preciso atacar a despesa, fazer o
dever de casa. O todo não está sendo discutido. Precisamos de reformas
estruturantes.
Em quatro anos como senador, o senhor apontou erros na
condução da política econômica pelo governo. Recentemente, seu partido votou a
favor de medidas de aumento de gastos, exatamente como fazia o PT nos tempos de
oposição. O senhor concorda com essa atitude?
Não concordo com algumas dessas votações do PSDB. Sou um
político independente e, como bom soldado, farei esse debate dentro do partido.
Alguns advogados, empresários e políticos alegam que a
Operação Lava-Jato está tisnada de arbitrariedades. O senhor concorda?
As decisões da Lava-Jato foram feitas pelo juiz Sergio Moro
e depois mantidas pelo Tribunal Regional Federal (TRF), da 4ª Região, pelo
Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Será que
todos esses operadores do direito erraram? Não é razoável essa alegação. É natural
que os advogados reclamem de arbitrariedades. Eles estão sendo pagos para isso.
Um esquema como o petrolão poderia funcionar sem o conhecimento
do governo?
Eu não quero estabelecer culpa sem ter o conhecimento do
processo. Seria uma deslealdade da minha parte. Mas, como disse um ministro do
STF sobre o mensalão, ao julgá-lo, o esquema se desenvolveu na sala ao lado do
gabinete do presidente da República. Isso começa a imbricar muito perto daquele
que exerce a chefia do Poder Executivo. O petrolão está sendo investigado
dentro das regras constitucionais. A Operação Lava-Jato deixará o legado de que
ninguém está acima da lei e que a impunidade não persistirá
O senhor concorda com o entendimento do procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, de que a presidente Dilma não pode ser investigada na
Operação Lava-Jato?
A Constituição diz que o chefe do Poder Executivo não pode
ser processado durante o exercício do mandato por atos estranhos à sua função. Ou
seja: se for em razão do exercício da função, ele poderá ser processado. Como você
saberá se o fato é ou não estranho ao exercício da função sem investigar? É ilógico.
Investigar é uma necessidade. A Constituição não proíbe a investigação.
Um delator do petrolão disse que doou à reeleição da
presidente depois de ser extorquido pelo tesoureiro da campanha. Esse fato, se
confirmado, abre espaço para que Dilma seja processada?
Eu não vi esse depoimento. Não quero falar sobre hipóteses.
O senhor acha que já há razoes para o impeachment da
presidente, como afirmam integrantes do PSDB?
A possibilidade de impeachment está na Constituição. Ela é
absolutamente legítima. Quem fala que isso é golpe está totalmente desarrazoado
da Constituição e não entende o momento histórico que o Brasil vive. Eu tive um
professor de direito constitucional, Michel Temer, que disse que o impeachment
é um processo político-jurídico. Ele ensinou que às vezes há provas de que o
crime foi cometido, mas não existem as condições politicas para a punição do
governante. Então, o contrario também é possível (a existência de condições
políticas mesmo sem a comprovação efetiva do crime). O juízo político pode ser
feito independentemente da tipicidade.
Sendo menos tucano e mais claro, o senhor é ou não favorável
ao impeachment?
O Tribunal de Contas da União (TCU) analisa o caso das
chamadas pedaladas fiscais. No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), está a questão
do abuso de poder econômico na campanha eleitoral passada. Os deputados têm de
fazer um juízo político de oportunidade e conveniência do impeachment. Os fatos
hoje são muito graves e merecem, sim, uma ordem de julgamento.
A oposição cobra o governo devido ao petrolão, mas não move
uma palha no Congresso a respeito de deputados e senadores acusados de
participar do esquema. A indignação é seletiva?
O fato de o cidadão ser investigado em processo penal não tem
significado, porque ele não tem uma culpa contra si estabelecida. É a chamada presunção
de inocência. Agora, do ponto de vista político, a investigação tem e deve ter repercussão,
sim. Eu, por exemplo, enfrentei o senador Renan Calheiros (que responde a inquéritos
variados no STF) na disputa pela presidência do Senado. Então, defendo a tese
de que o PSDB tem de se posicionar. O Congresso precisa superar essa
dificuldade que tem para se investigar.
Qual o modelo ideal de financiamento de campanha?
Eu recebi doações de pessoas jurídicas e físicas, mas, como
senador, defendi a proibição de financiamento pela iniciativa privada. Para mim,
o financiamento público poderia diminuir a possibilidade de corrupção, de venda
de apoio para receber benefícios posteriores. Mas o financiamento público com
lista fechada (como defendia o PT) também criaria o caciquismo e fortaleceria as
cúpulas partidárias. Hoje, acredito que o importante é limitar os gastos de
campanha e estabelecer mecanismos mais eficientes de fiscalização. Neste momento,
a sociedade não aprovaria o financiamento público integral de campanha em razão
do descrédito da classe política.
Desde a redemocratização, o Brasil adotou o modelo do
presidencialismo de cooptação, no qual, o governo compra – com cargos, emendas
e até dinheiro sujo – apoio parlamentar. Como é a relação do senhor com a
Assembleia do seu estado?
Eu fui eleito com dez de 24 deputados estaduais e, mesmo
assim, aprovei projetos. Nunca ofereci nada não republicano aos deputados, e
nenhum deles me pediu nada não republicano. Só tenho secretário com filiação partidária.
Todos os outros são técnicos. Há no governo indicações políticas nos escalões inferiores,
e a indicação política (como conceito) não pode ser criminalizada. Eu não estou
fazendo faxina porque o povo que entrou comigo não está sujo, diferentemente da
presidente Dilma, que recebeu um governo de continuidade. Você só faz faxina no
que está sujo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário