Editorial O Globo
Com o inédito envio ao Congresso de uma proposta de
Orçamento com déficit, o governo exercita a transparência e instala amplo
debate sobre como tapar o buraco bilionário. Nada mal, embora deva o Executivo
assumir a responsabilidade de formular uma proposta para a deliberação final do
Congresso, a ser enviada à sanção presidencial.
O debate põe tudo em escrutínio. A começar pelo próprio
tamanho do déficit, calculado em R$ 30,5 bilhões pelo Planalto, mas já
contestado. O relator do Orçamento, Ricardo Barros (PP-PR), por exemplo, diz
faltarem na cifra pelo menos R$ 1,5 bilhão em emendas parlamentares e R$ 1,9
bilhão do FEX, um fundo do Tesouro que ressarce estados de incentivos dados às
exportações.
As maiores desavenças, no entanto, ocorrem no campo das
providências para se tapar o rombo. Do lado do PT, surgem ideias mirabolantes e
suicidas: emitir títulos da dívida, algo que, se vier a ser feito, acelerará a
trajetória já preocupante de aumento do peso da dívida bruta no PIB, e
decretará o rebaixamento da nota de risco do Brasil em questão de horas; ou a redução,
à base da canetada, dos juros, a fim de economizar nas despesas públicas, porém
sinalizando para mais inflação.
Como todo governo petista, o Dilma 2 busca cortar menos e
arrecadar mais, por meio de impostos — ressuscitados, como pretende fazer com a
CPMF, ou recalibrados, caso de gravames que incidem sobre produtos eletrônicos
e bebidas, por exemplo. Em entrevista coletiva, Dilma admitiu, ontem, que a
CPMF tem “complicações”, mas deixou claro que pode tentar mais uma vez enviar
ao Congresso a proposta da volta do “imposto do cheque”. Mesmo que seja iníquo
do ponto de vista social — ao atingir proporcionalmente mais as pessoas de
renda baixa —, e desastroso do ponto de vista do aumento do custo das empresas
e, por consequência, redução da competitividade do país no comércio
internacional.
Será seriíssimo equívoco Dilma continuar se esquivando da
necessidade de fazer reformas de fundo, para tornar o Orçamento administrável.
A reforma da Previdência, por exemplo, mesmo com resultados a médio e longo
prazos, já sinalizaria que o país começou a recuperar a capacidade de
solvência. E com isso haveria reflexos imediatos na redução do custo da rolagem
(juros).
Outra mudança urgente, esta mais simples, é retirar do
salário mínimo a função de indexador de parte ponderável da despesa pública:
benefícios da Previdência, como aposentadorias e pensões, e os pagamentos
feitos dentro da Loas (Lei Orgânica da Assistência Social), para idosos de
baixa renda, por exemplo. Só em benefícios previdenciários, são previstos para
o ano que vem R$ 491 bilhões, o equivalente a 40% de todo o gasto público. Com
o reajuste de 10% do mínimo, já previsto, não haverá corte e mesmo imposto que
cobrirão o déficit. A crise se agravará em 2016.
Toda crise grave é uma Esfinge da mitologia: precisa ser
decifrada; se não, devora o governante.
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