Entrevista do senador Romero Jucá (PMDB-RR), concedida a
repórter Thaís Oyama, nas Páginas Amarelas da revista Veja
Se há uma coisa que o senador Romero Jucá entende como ninguém
é a quase sempre sinuosa relação que governos estabelecem com o Congresso (na
política há quase trinta anos, conseguiu o feito de ser líder do governo
Fernando Henrique, líder do governo Lula e, mais tarde, líder do governo
Dilma). Nesse quesito, avalia, o atual governo merece nota mínima. Hoje um dos
políticos mais influentes do PMDB e mais próximos do vice-presidente Michel
Temer, ele acha que o papel da sigla não pode ser “segurar a votação de um impeachment
em troca de cargos”. Na economia, diz que o governo errou por ser ideológico e
intervencionista e que terá pela frente dias ainda mais amargos. Já os seus
serão doces. Na semana que vem, Jucá embarca para o exterior em viagem de lua
de mel para comemorar seu terceiro casamento.
O PMDB vai anunciar o rompimento com o governo Dilma no
congresso marcado para 15 de novembro?
Estamos discutindo, avaliando a situação. E estamos
procurando ajudar o governo, a Agenda Brasil é um exemplo disso. Mas não podemos
deixar de ser críticos. Não podemos deixar de dizer que o PMDB tem uma história
que vai além do governo do PT e da presidente Dilma. O partido tem uma vida que
vai além dessa aliança com o PT – uma aliança que já se esgotou. O PMDB tem de
se preparar para o futuro. Não pode ficar preso a esse passado nem a este
presente. Não pode ser sócio dos erros do governo porque a concepção desses
erros não foi nossa. O PMDB vai ter de ter coragem de decidir.
Mas o partido parece que nunca esteve tão dentro do governo,
dado que será o principal beneficiário da reforma ministerial.
O governo decidiu falar direto com as bancadas. O que ele
fez foi negociar com elas e ampliar o número de suítes do Titanic. Mas, para
nós, do comando do PMDB, a discussão não tinha de ser em torno do número de
suítes, tinha de ser para mudar a rota do navio. E o governo mais uma vez
deixou de atuar nessa direção. Mostrou estar completamente fora de sintonia com
a realidade política das ruas brasileiras. Tudo o que o povo não quer ouvir
falar é em negociação de cargos, distribuição de emendas – tudo o que não resolve
estruturalmente a relação política.
Mas essas são praticas comumente associadas ao PMDB.
Ocorre que nós estamos vivendo uma crise de
representatividade política e de relação com a sociedade. Os partidos e os
políticos que não entenderem isso estarão fora do jogo. Esse modelo do toma lá
da cá se esgotou. O partido que não estiver sintonizado com o que a sociedade
espera vai virar um dinossauro e perecer. Nós vamos ter em 2018 uma eleição
completamente diferente.
Por quê?
Porque o eleitor amadureceu e não aceita mais essa política
de ficar em cima do muro, a política da embromação, de fazer o jogo pra lá e
pra cá. Está muito mais seletivo. O cenário também vai mudar em relação ao
número de candidatos a presidente. Se houver essa mudança de governo, teremos
muitos partidos fazendo parte do que será uma ampla base para levar adiante esse
período de transição. E dessa base poderão sair muitos nomes novos. Agora, se não
houver essa mudança, e a presidente ficar sangrando até 2018, devemos ter um ou
dois opositores.
O que definirá qual dos dois cenários se tornará realidade?
A forma como o governo se conduzir. O brasileiro já mostrou
que aceita duas hipóteses: um governo novo – e isso significa que a presidente
Dilma teria de realinhar o seu eixo político – ou um novo governo – nesse caso,
sem a presidente Dilma. Uma dessas duas coisas tem de acontecer.
Qual é a mais provável?
A situação é gravíssima e vai piorar, mas não chegamos ainda
ao fundo do poço. A cobrança política e social está apenas começando e vai
ficar cada vez mais forte. Diante disso, o PMDB ou vira solução ou amarra seu destino
ao PT. Qual é o papel do PMDB hoje no governo? Se nós não estamos fazendo a
agenda do governo, qual é o nosso papel? É segurar a votação de um impeachment
em troca de cargos? Essa é a concepção política que está na cabeça dos líderes
do partido? Na minha, não.
Em que medida a degradação da economia pode apressar um
eventual processo de impeachment?
Veja: as classes C e D ainda não estão protestando contra o
governo. Mas isso vai acontecer em breve: é o sujeito que está devolvendo o
apartamento que comprou, que não vai mais poder pagar a prestação do carro ou
da moto, que vai perder o emprego, que está tirando o filho da escola
particular e perdendo o plano de saúde, obrigado a voltar para o SUS. Provar o
gosto de ser classe média e depois deixar de sê-lo é pior do que ser pobre. Estados
e municípios também estão em grande dificuldade, com a diferença de que não têm
banco para fazer pedaladas, vão atrasar pagamento de salários, e, quando
atrasarem, é porque não estão pagando os fornecedores, por sua vez, também farão
demissões, que vão recair sobretudo nas classes C e D. Os jovens também serão atingidos
fortemente pelo desemprego, porque está demonstrando que, num período de recessão,
a classe mais atingida pelo desemprego é a dos jovens, dispensados primeiro
porque a indenização é mais barata do que aquela a ser paga aos que têm mais
tempo de casa. Então, vai acontecer o que aconteceu na Espanha e na Grécia.
A classe C será a próxima a tomar as ruas, na sua opinião?
Vai protestar, vai para a rua e vai cobrar da classe
política. O governo está dando camarote no Titanic em vez de mudar o rumo do
navio. Só que, na hora em que o navio afundar, ninguém vai ficar na suíte, vai
todo mundo pular do barco. Quando vier essa onda de cobrança da sociedade,
essas pessoas que pegaram cargos não sustentarão
a posição. A maioria não vai enfrentar a onda, como não enfrentou em outra
situação, a da queda do Collor. O político vive de votos e de sintonia com a opinião
pública.
Quais foram os erros fundamentais do governo?
Na economia, o governo da presidente Dilma errou porque foi ideológico
e intervencionista. Na política, errou porque foi centralizador e centrado no
PT. Fazer política é saber ouvir, partilhar decisões, fazer uma construção coletiva
que dê sustentação às medidas que serão postas em prática. Não é manter o poder
de decisão restrito a um circulo e partilhar cargos para tentar convencer os
outros a seguir a sua posição. Mas havia um entendimento de que eles eram
superiores à política e superiores aos outros partidos políticos.
“Eles” são quem?
Além da presidente Dilma, os auxiliares diretos dela:
Aloizio Mercadante, Ricardo Berzoini, Miguel Rossetto. E, olhe, colocar Jaques
Wagner na Casa Civil não muda nada. Primeiro porque o Mercadante vai continuar
dando palpite, depois porque o núcleo não muda e o eixo continua sendo unicamente
o PT.
Quais as chances de o Congresso aprovar a volta da CPMF?
Nenhum imposto será aprovado neste governo.
Mas, como economista, o senhor admite que um aumento de
impostos será inevitável em um possível novo governo?
Qualquer país, se tiver a liderança correta e fizer a discussão
correta, pode, por determinado tempo, negociar um sacrifício para chegar a
um ponto que todos entendam desejável. Agora,
ninguém vai fazer um sacrifício se não perceber que ele tem um começo, um meio
e um fim. Temos de unir o Brasil, dar a ele um novo eixo politico, que agregue
forças, inclusive hoje antagônicas, para fazer essa transição, essas mudanças
estruturantes, graves, grandes. E negociar com a sociedade: “Bom, quais são os sacrifícios
que os empresários vão fazer? Por quanto
tempo? Qual seria o sacrifício mais palatável?”. É crucial discutir seriamente
a questão da previdência. “Que tipo de sociedade queremos? Uma sociedade que
daqui a pouco vai estar pagando 20%, 30% do PIB em previdência? E a questão da
taxa de juros? É a forma correta de tentar conter o avanço do dólar? Há outras
formas de fazê-lo?” Essa discussão tem de ser feita. Mas o eixo politico do
governo não dá sustentação a nenhum tipo de medida que precisa ser tomada. O país
necessita de um novo eixo.
E qual o papel do PMDB nesse novo eixo?
Nosso desafio é, até 2018, recuperar a credibilidade
política, a segurança jurídica e a previsibilidade da economia para fazer essa transição.
Temos de construir um modelo político que esteja em sintonia com a sociedade e
sinalizar um país que possa a ser respeitado no mundo. Nós vamos ter de remar
muito para voltar ao que éramos alguns anos atrás. O PMDB, o maior partido
político do Brasil, é o único que tem todo o instrumental necessário para
protagonizar essa mudança. Mas teremos de contar com a ajuda de todos. Essa reconstrução
das bases do Brasil é uma tarefa muito árdua e não pode haver disputa política
de partido querendo colocar na contra de outro partido qualquer medida mais
amarga que seja necessária. Isso vai ter de ser algo partilhado.
E o senhor vê essa disposição de outros partidos de
partilhar com o PMDB inclusive o ônus de um governo de transição?
Sim. Creio que todos estão convencidos de que, se não tomarmos
certas medidas agora, daqui a três anos a situação estará pior. Ela não se
resolverá por osmose. Pelo contrario: se nada for feito, o cenário será de
anarquia econômica e balburdia social. Ou seja, sobrará para o vencedor das eleições
para a Presidência em 2018. O ônus será maior quanto mais tempo passar. E eu
acho que o PSDB já entendeu isso também.
Há duas semanas, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), foi acusado por mais um delator da Lava-Jato de envolvimento no
petrolão. O senhor acha que isso pode contaminar um eventual processo de
impeachment, que cabaria a ele conduzir?
Temos que separar o papel institucional do PMDB de qualquer questão
individual. Qualquer um pode ser investigado e deve ser, não há demérito em ser
investigado. Já se houver uma condenação, esse alguém estará fora do processo. Ninguém
é insubstituível. Se o PMDB tiver qualquer tipo de baixa, essa baixa não representará
uma mudança nos rumos do partido.
O senhor já foi acusado de desvio de verbas, compra de
votos, uso de funcionários públicos em campanha eleitoral e abuso do poder econômico.
Agora, está sendo acusado também na Lava-Jato...
Acusado, não, investigado. Eu tenho dito que apoio toda investigação.
Não sou réu em nenhum processo nem nunca fui. Não sou réu, portanto, sou
investigado. E uma parte dessas investigações é fruto de disputa política grave que há em Roraima e que envolve acusações e armações.
Eu não me furto a dar nenhum tipo de esclarecimentos. Tenho algum temor nessa questão
da Lava-Jato? Nenhum temor. As questões que foram colocadas não mostram nenhum
tipo de envolvimento da minha parte, mas eu gostaria que o Ministério Público concluísse
essas investigações rapidamente, porque é importante que se diga logo quem é o responsável
por alguma coisa, para que quem não seja responsável possa ser ator neste
processo de transformação. Não é bom que pairem dúvidas sobre a classe política
brasileira, porque a solução para essa crise é política. Mas eu considero
legítimo tudo isso. Quem está na vida pública tem de estar sujeito a prestar contas
de tudo, sempre. Tem de se acostumar a apanhar. Ou então muda de ramo, esquece
a política e vai botar um food truck na rua.
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