Carlos Alberto Sardenberg, O Globo
No começo do primeiro governo Lula, quando começavam a
decolar os acordos de comércio entre grupos de países, negociados por fora da
Organização Mundial de Comércio, o então chanceler brasileiro, Celso Amorim,
saiu-se com esta: o Brasil não está interessado nesses acordinhos.
Na diplomacia lulista, só o acordão interessava — um tratado
global negociado há décadas no âmbito da OMC. Por isso, aliás, havia
paralelamente o empenho brasileiro em conseguir o posto de diretor-geral da
organização, uma vitória alcançada em 2013, com o diplomata Roberto Azevêdo.
Mas o posto já não tinha importância. A maior parte dos
países — todos os mais importantes — havia simplesmente abandonado a OMC e
concentrado todos os esforços nos tais acordinhos, que, bem vista a situação,
davam não em um, mas em vários acordões.
Claro, ninguém diz que a OMC já era, nenhum governo retirou
seu embaixador da sede da entidade em Genebra. Mas a organização não teve nada
a ver com o Acordo de Parceria Transpacífica (TPP, em inglês), fechado nesta
semana por 12 países que representam 40% do PIB mundial e movimentam quase US$
10 trilhões/ano em exportações e importações.
Trata-se do maior e mais avançado acordo de liberalização
comercial dos últimos 20 anos. EUA e Japão lideram, a América Latina entra com
México, Peru e Chile. O Brasil tem negócios com todos eles, negócios que podem
ser desviados entre os parceiros TPP.
A OMC também não tem nada a ver com o outro baita acordinho
em gestação, o Transatlântico, que reúne simplesmente os EUA e a União
Europeia. Está meio atrasado, porque os EUA estavam mais concentrados no TPP —
cuja realização, aliás, está levando pressa aos europeus. Temem perder espaço
em dois dos quatro maiores mercados do mundo, Estados Unidos e Japão.
União Europeia e China completam os quatro grandes. A UE tem
vários acordos bilaterais, inclusive com países agora integrantes do TPP. A
China, que vinha preferindo os voos solo, possíveis pelo seu tamanho, também
está negociando um acordinho — com Japão e Coreia do Sul.
Eis onde nos trouxe a diplomacia inaugurada por Lula: todos
os nossos principais parceiros comerciais fecharam ou estão fechando acordos
que mudam a cara e o conteúdo do comércio mundial, enquanto o Brasil declara
colocar fé no acordão da OMC e no... Mercosul! É verdade que, de uns meses para
cá, membros do governo Dilma voltaram a se ocupar de um acordinho que seria
importante, o acerto Mercosul/União Europeia. Mas esta negociação já tem um
recorde: é a mais antiga do mundo, a que tem mais anos de conversa sem nenhuma
conclusão.
Em Brasília, costuma-se colocar a culpa do atraso eterno nos
europeus, que não teriam a necessária flexibilização para uma abertura
comercial. Bobagem, claro. Afinal, nesse tempo, a UE fechou diversos acordos,
inclusive com latino-americanos.
A verdade é que o Mercosul fez a opção bolivariana, definida
por Lula como a diplomacia Sul-Sul. Tratava-se de unir os países mais pobres
contra os ricos do Norte, de modo que a Turma do Sul, fortalecida política e
economicamente, pudesse encarar os de cima no mano a mano. Olhar na cara, como
Lula gostava de dizer.
Do ponto de vista econômico, havia, digamos, um equívoco de
base: achar que juntando um país pobre, dois pobres, três pobres etc... daria
um rico. Não funcionou. Se funcionasse, teria dado apenas um pobre maior. Além
disso, tirante os bolivarianos, os países em desenvolvimento estavam mais
interessados em entrar no mercado dos ricos, os maiores consumidores mundiais.
Os governos petistas também acreditaram que o Brics era mais
que uma sigla — ou seja, que Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
formariam um sólido e unido bloco no xadrez global. Até constituíram um banco
de desenvolvimento, mas do qual os outros quatro esperam apenas obter acesso
aos enormes fundos chineses.
Mas a China já não é o maior parceiro comercial do Brasil?
Ora, a China, com sua voracidade por comprar commodities e alimentos e vender
industrializados, é a maior parceira de um monte de países.
Na verdade, assim como ficou ao largo dos grandes movimentos
comerciais, o Brasil também se isolou politicamente. Até na América do Sul
perdeu influência.
Fala-se pouco disso por aqui, mas a diplomacia Sul-Sul foi
um dos maiores desastres da era Lula-PT. Um sintoma é o estado lastimável em
que se encontra o Itamaraty, formado por quadros tão competentes como Roberto
Azevêdo, e que estão por aí quase sem serviço e, de uns tempos para cá, até sem
dinheiro para pagar as contas das embaixadas.
Aliás, uma marca da estratégia Sul-Sul foi abrir embaixadas
pelos países da África, especialmente, e da Ásia mais pobre. Embaixadas que, do
ponto vista nacional, não servem para nada. Mas podem servir para ajudar algum
lobby a favor de uma ou outra empreiteira. E assim se cai de novo na corrupção,
a outra marca.
Via Blog do Noblat - Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário