Da Época
O senador Delcídio do Amaral encontrou seu destino de
pijama. Ele vinha em papel, nas mãos dos policiais federais que batiam à porta
do flat onde o senador se hospeda, em Brasília, ao raiar daquele dia que o
Brasil jamais esquecerá. Os agentes carregavam uma ordem judicial inédita na
história do país. Eleito ao cargo pelo Partido dos Trabalhadores em Mato Grosso
do Sul, líder no Senado do combalido governo Dilma Rousseff, confidente da
presidente da República, articulador do cada vez mais difícil ajuste fiscal,
Delcídio do Amaral Gómez, de 60 anos, recebeu com resignação, sonolento, sua
sentença política de morte. Guiou a equipe da força-tarefa da Lava Jato pelos
aposentos. Imediatamente, foi informado de que o local seria alvo de uma busca
e apreensão. “Tudo bem, podem olhar”, disse. Abriu gavetas e até mencionou o
conteúdo de alguns documentos às autoridades. Após a devassa, foi comunicado
sobre a prisão. Reagiu com duas perguntas. Queria saber se a prisão era
preventiva, que pode se estender por meses. Sim, era. Ato contínuo, perguntou
sobre sua imunidade parlamentar. “Ordens do Supremo”, responderam os policiais,
de posse do mandado judicial. Delcídio se aprumou, vestiu terno e gravata,
entrou numa caminhonete que o aguardava no estacionamento do hotel e, às 8h15,
já estava na carceragem da Superintendência da Polícia Federal em Brasília.
Tornava-se o primeiro senador no exercício do mandato a ser preso. Começava ali
o dia 25 de novembro de 2015, um dia que soltou perigosamente o parafuso da
política brasileira – mas, ao mesmo tempo, um dia que demonstrou a blindagem de
aço da República contra pancadas institucionais.
O dia 25 de novembro começara cedo também no Rio de Janeiro.
Lá, a PF prendia um dos maiores banqueiros do Brasil, André Esteves,
controlador do BTG Pactual, acusado de integrar com Delcídio a organização
criminosa que tentou melar a delação do ex-diretor da Área Internacional da
Petrobras Nestor Cerveró – e até planejar a fuga do país do executivo. A Lava
Jato prendeu também Diogo Ferreira, chefe de gabinete de Delcídio, e, dias
depois, o advogado de Cerveró, Edson Ribeiro. Um dia antes, na terça-feira, a
Lava Jato, desta vez sob ordens do juiz Sergio Moro, prendera o pecuarista e
operador do PT José Carlos Bumlai, acusado pelo delator Fernando Baiano de
participar do petrolão usando o nome do ex-presidente Lula. A sequência de
prisões neste ano, culminando com as do dia 25 de novembro, rumo a uma ordem
hierárquica cada vez mais poderosa, assombra o Brasil. Estão presos, além do
líder do governo no Senado, o operador do PT, o nono homem mais rico do país, o
ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari, o
ex-diretor do PT na Petrobras Renato Duque, o presidente da maior empreiteira
da América Latina, Marcelo Odebrecht… Faltam beliches na PF para tanta gente
VIP.
A força-tarefa escolhera um nome para a operação: Catilina.
Uma referência ao senador romano corrupto que conspirou contra a República e
foi combatido por Cícero. “Eu tenho uma coisa muito importante aqui para decidir.
Precisamos conversar”, disse o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no
Supremo, ao ligar para o ministro Dias Toffoli, na manhã da terça-feira.
Preocupado, Toffoli, que preside a Segunda Turma da Corte, onde correm os
procedimentos contra a maior parte dos réus da Lava Jato com foro privilegiado,
apressou-se em chegar ao Tribunal antes da sessão, que se iniciaria às 14
horas, e foi direto ao gabinete de Teori. Informado, espantou-se e resumiu o
caso: “Isso vai chacoalhar a República”. Por liturgia e como preparação para
uma possível crise entre Poderes, o presidente do STF, ministro Ricardo
Lewandowski, também foi avisado pessoalmente.
E como chacoalhou. A gravação, desde já eternizada na rica
história da corrupção brasileira, feita por Bernardo Cerveró, filho do
ex-diretor da Petrobras, diz tudo. Ele estava hospedado em um quarto do hotel
Royal Tulip, próximo ao Palácio da Alvorada, onde recebeu, no dia 4 de
novembro, o senador Delcídio do Amaral, seu chefe de gabinete, Diogo Ferreira,
e o advogado do pai, Edson Ribeiro. Bernardo gravou a conversa de uma hora e 35
minutos. Nela, os quatro falaram, principalmente, da delação premiada de Nestor
Cerveró. Delcídio e o advogado Edson Ribeiro passaram a vislumbrar a
possibilidade de uma fuga de Cerveró do país.
Discutiram com Bernardo os meios e até a rota: aventaram se
a ida para a Espanha, de onde Cerveró tem um passaporte, seria mais viável via
Venezuela ou Paraguai; se seria melhor ir de veleiro ou jatinho. A fuga seria
possível, discutem, a partir de um habeas corpus que Ribeiro batalhava para
Cerveró. Delcídio passa a comentar, então, seu espanto com algumas anotações
que teriam sido feitas por Cerveró no documento referente à delação que faria –
documento este que, segundo o senador, estava em posse do banqueiro André
Esteves. Fica claro, ao longo da conversa, que havia um acerto prévio com
Cerveró sobre um pagamento – que, depois, Bernardo informou ser de R$ 50 mil
mensais para seu pai e R$ 4 milhões no total para o advogado Edson Ribeiro –
para que ele não fechasse o acordo de delação. O senador ainda comentou que
estava em contato com alguns ministros do Supremo e que pediria a ajuda de
Renan Calheiros, presidente do Senado, para falar com o ministro Gilmar Mendes.
O relato da gravação
foi analisado pelos ministros do Supremo no começo da noite de terça-feira. Os
cinco ministros da Segunda Turma se reuniram no gabinete de Teori. A reunião
durou cerca de uma hora e terminou por volta de 19 horas. Durante a conversa,
os ministros discutiram a possibilidade de haver questionamentos sobre a
prisão, mas, diante das provas, não restou dúvida sobre a necessidade de
prender Delcídio e os demais. Os ministros concordaram que se tratava, no
jargão jurídico, de um flagrante de prática continuada de crime inafiançável.
Entre os pares, o ministro Gilmar Mendes comentou ter ficado surpreso com a
forma como o senador planejou o esquema para barrar as investigações e até para
a fuga do ex-diretor. As provas mencionadas pelo procurador-geral, Rodrigo
Janot, eram fortes. “Não parecia o comportamento de um senador, mas sim de um
gângster”, disse aos colegas. Incomodou os ministros o fato de o senador ter
usado o nome do STF para vender influência para o advogado e o filho de
Cerveró. Os ministros discutiram ainda a possibilidade de a decisão ser
colegiada, o que teria de ser feito então em uma reunião na própria noite de
terça-feira. Se essa fosse a opção, a sessão teria de ser secreta, para que não
houvesse vazamento da operação policial. No entanto, se fosse secreta, poderia
levantar suspeita, ou mesmo a nulidade da decisão. Chegaram a um consenso de
que seria melhor uma decisão monocrática de Teori ad referendum – ou seja, que
ele tinha o consentimento e o apoio dos demais integrantes da Segunda Turma.
Ficou decidido que seria marcada uma sessão aberta, apenas para chancelar a
decisão de Teori, para as 9 horas do dia seguinte, quando a operação já estaria
em curso e teria seus principais alvos localizados.
O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay,
responsável pela defesa de André Esteves, diz que considera a prisão do
banqueiro “desproporcional”. “A prisão temporária foi decretada basicamente
para que a busca e apreensão fosse feita e para ter a oitiva do André. Esses
não são fundamentos necessários para uma prisão temporária. Foi uma
desproporcionalidade”, diz Kakay. Ele nega que Esteves tenha tido acesso a
documentos referentes à delação premiada de Nestor Cerveró: “Para nós, é importante
deixar claro: o André nunca teve acesso a esse documento”. O advogado acredita
que, se o Ministério Público quisesse investigar se Esteves teve acesso aos
papéis, poderia, no máximo, fazer um pedido de busca e apreensão na casa do
banqueiro. Kakay diz ainda que o banqueiro nunca teve qualquer tipo de contato
com o advogado Edson Ribeiro, com Bernardo Cerveró ou com Diogo Ferreira, chefe
de gabinete de Delcídio do Amaral. “Ele se encontrou com o senador Delcídio
umas quatro ou cinco vezes, como encontra com vários senadores. Ele é um player
no mercado financeiro, é normal que seja ouvido.”
Leia a reportagem completa em Época desta semana que já está
nas bancas.
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