Da Veja
Para entender a magnitude da prisão, na semana passada, de
Delcídio do Amaral, senador petista e líder do governo, é preciso até um pouco
de imaginação. Pois imaginemos que nenhum empresário preso na Operação
Lava-Jato tivesse até hoje quebrado o silêncio nas delações premiadas - ou que
nenhum político estivesse na lista que a Procuradoria-Geral da República mandou
para o Supremo Tribunal Federal (STF). Mesmo no cenário irreal acima, a prisão
de Delcídio e a possibilidade de ele recorrer à delação premiada - uma vez que
foi abandonado pelo PT, ignorado por Dilma e ofendido por Lula - terão
consequências devastadoras para a estabilidade do já cambaleante regime
lulopetista. Delcídio do Amaral testemunhou os momentos mais dramáticos dos
escândalos do governo do ex-presidente. Viveu e participou desses mesmos
momentos no governo Dilma. Delcídio não é uma testemunha. Ele é "a"
testemunha - e a melhor oportunidade oferecida à Justiça até agora de elucidar
cada ação da entidade criminosa que, nas palavras do ministro Celso de Mello,
decano do STF, "se instalou no coração da administração pública".
Terminada uma reunião no gabinete de Dilma Rousseff, em
junho passado, Delcídio chamou-a de lado e disse a seguinte frase:
"Presidente, a prisão (de Marcelo Odebrecht) também é um problema seu,
porque a Odebrecht pagou no exterior pelos serviços prestados por João Santana
à sua campanha". Delcídio contrariou o diagnóstico de Aloizio Mercadante,
que ainda chefiava a Casa Civil, segundo quem a prisão de Marcelo Odebrecht
"era problema do Lula". Ao deixar o Palácio do Planalto, Delcídio
definiu Dilma a um colega de partido como "autista", espantado que
ficou com o aparente desconhecimento da presidente sobre o umbilical
envolvimento financeiro do PT com as empreiteiras implicadas na Lava-Jato. Na
reunião, Dilma dissera aos presentes que as repercussões da operação nada mais
eram do que uma campanha para "criminalizar" as empreiteiras e
inviabilizar seu pacote de investimento e concessões na área de infraestrutura.
"A Dilma não sabe o que é passar o chapéu porque passaram o chapéu por
ela", concluiu Delcídio.
Passar o chapéu é bater na porta das empreiteiras e pedir
dinheiro para campanhas políticas. Quando feitas dentro da lei, as doações não
deixam manchas no chapéu. Mas, quando fruto de propinas como as obtidas nos
bilionários negócios com a Petrobras, a encrenca, mesmo que seja ignorada por
sua beneficiária, não vai embora facilmente. Menos de um mês após a reunião no
Planalto, a Polícia Federal divulgou as explosivas anotações com que Marcelo
Odebrecht incentivava seus advogados a encontrar uma maneira de fazer chegar a
Dilma a informação de que as investigações sobre as contas da empreiteira na
Suíça bateriam nela.
Poucos políticos tiveram mais acesso do que Delcídio aos
bastidores do mensalão e do petrolão. Poucos políticos conhecem tão bem como
ele as entranhas da Petrobras, onde trabalhou e fez amigos. Poucos políticos
têm tanto trânsito como ele nos gabinetes mais poderosos da política e da
iniciativa privada. Até ser preso, Delcídio atuava como bombeiro, tentando
reduzir os focos de tensão existentes para Lula, Dilma e o PT. Na condição de
encarcerado, é uma testemunha decisiva. A possibilidade de ele colaborar com os
investigadores está sob avaliação de sua família.
Trecho da reportagem de capa da revista Veja desta semana
que já está nas bancas.
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