Artigo de Fernando Gabeira
A crise brasileira é um fato internacional. Dentro dos
nossos limites, estamos puxando a economia mundial para baixo. Nossa queda não
impacta tanto quanto a simples desaceleração chinesa. Mas com alguma coisa
contribuímos: menos 1% no crescimento global.
Na crise da indústria do petróleo, com os baixos preços do
momento, o Brasil aparece com destaque. Cerca de 30% dos projetos do setor
cancelados no mundo foram registrados aqui, com o encolhimento da Petrobrás.
Dizem que os brasileiros eram olhados com um ar de condolências nos corredores
da reunião de Davos. Somos os perdedores da vez.
Diante desse quadro, Dilma diz-se estarrecida com as
previsões negativas do FMI. Quase todo mundo está prevendo uma crise de longa
duração e queda no PIB. Centenas de artigos, discursos e relatórios fortalecem
essa previsão. Dilma, se estivesse informada, ficaria estarrecida por o FMI ter
levado tanto tempo para chegar a essa conclusão. Ela promete que o Brasil volta
a crescer nos próximos meses. No mesmo tom, Lula declarou aos blogueiros
amestrados que não existe alma viva mais honesta do que ele. Não é recomendável
entrar nessas discussões estúpidas. Não estou seguro nem se o Lula é realmente
uma alma viva.
A troca de Levy por Barbosa está sendo vista como uma luta
entre keynesianos e neoliberais. Pelo que aprendi de Keynes, na biografia
escrita por Robert Skidelsky, é forçar um pouco a barra acreditar que sua
doutrina é aplicável da forma que querem no Brasil de hoje. É um Keynes de
ocasião, destinado principalmente a produzir algum movimento vital na economia,
num ano em que o País realiza eleições municipais. É o voo da galinha, ainda
que curtíssimo e desengonçado como o do tuiuiú.
O Brasil precisa de uma década de investimentos vigorosos,
para reparar e modernizar sua infra. Hoje, proporcionalmente, gastamos nisso a
metade do que os peruanos gastam.
O governo não tem fôlego para realizar essa tarefa. Isso não
significa que não haja dinheiro no Brasil ou no mundo. Mas são poucos os que se
arriscam a investir aqui. Não há credibilidade. O populismo de esquerda não é
uma força qualquer, ele penetra no inconsciente de seus atores com a certeza de
que estão melhorando a vida dos pobres. E garante uma couraça contra as
críticas dos que “não querem ver pobre viajando de avião”.
Em 2016 largamos na lanterna do crescimento global. Dilma
está estarrecida com isso e a mais honesta alma do Brasil diz “sai um lorde
Keynes aí” como se comprasse cigarros num botequim de São Bernardo do Campo.
Aos poucos, o Brasil vai se dando conta da gravidade da
epidemia causada pelo Aedes aegypti. Gente com zika foi encontrada nos EUA
depois de viajar para cá. As TVs de lá martelam advertências às grávidas. Na
Itália quatro casos de contaminação foram diagnosticados em viajantes que
passaram pelo Brasil. O ministro da Saúde oscila entre a depressão e o
entusiasmo. Ora exagera o potencial das campanhas preventivas, ora reconhece de
forma fatalista que o Brasil está perdendo feio a guerra para o mosquito. Com
nossa estrutura urbana, é quase impossível acabar com o mosquito. Mas há o que
fazer.
Não se viu Dilma estarrecida diante da epidemia. Nem a mais
honesta alma do Brasil articulando algo nessa direção. Solução que depende do
tempo, a vacina ainda é uma palavra mágica.
No entanto, estamos nas vésperas da Olimpíada. Os líderes
que a trouxeram para o Brasil, nos tempos de euforia, quase não tocam no
assunto; não se sentam para avaliar como nos degradamos e como isso já é
percebido com clareza lá fora.
A Economist publica uma capa com Dilma olhando para baixo e
o título: A queda do Brasil. Na economia, área em que as coisas andam mais
rápidas, não há mais dúvidas sobre o fracasso.
A segunda maior cidade do Rio, Estado onde se darão os
Jogos, simplesmente quebrou. Campos entrou em estado de emergência econômica,
agora que os royalties do petróleo parecem uma ilusão de carnaval.
O problema dos salvadores do povo é que não percebem outra
realidade exceto a de permanência no poder. Quanto pior a situação, mais se
sentem necessários. Os irmãos Castro acham que salvaram Cuba e levaram a um
patamar superior ao da Costa Rica, por exemplo. O chavismo levou a Venezuela a
um colapso econômico, marcado pelas filas para produtos de primeira
necessidade, montanhas de bolívares para comprar um punhado de dólares. Ainda
assim, seus simpatizantes dizem, mesmo no Brasil, que a Venezuela está muito
melhor do que se estivesse em mãos de liberais.
O colapso, a ruína, a decadência, nada disso importa aos
populistas de esquerda. Apenas ressaltam suas boas intenções e a maldade dos
críticos burgueses, da grande mídia, enfim, de qualquer desses espaços onde
acham que o diabo mora. O Lula tornou-se o símbolo desse pensamento. Na semana
em que se suspeita de tudo dele, do tríplex à compra de caças, do petrolão às
emendas vendidas, chegou à conclusão de que não existe alma viva mais honesta
do que ele.
Aqueles que acreditam num diálogo racional com o populismo
de esquerda deveriam repensar seu propósito. Negar a discussão racional pode
ser um sintoma de intolerância. Existe uma linha clara entre ser tolerante e
gostar de perder tempo. O mesmo mecanismo que leva Lula a se proclamar santo é
o que move a engrenagem política ideológica do PT. Quando a maré internacional
permitiu o voo da galinha, eles se achavam mestres do crescimento. Hoje, com a maré
baixa, consideram-se os mártires da intolerância conservadora. Simplesmente não
adianta discutir. No script deles, serão sempre os mocinhos, nem que tenham de
atacar a própria Operação Lava Jato.
Considerando que Cuba é uma ditadura e a Venezuela chega
muito perto disso com sua política repressiva, como explicar a aberração
brasileira?
Certamente algum mosquito nos mordeu para suportarmos
mentiras que nos fazem parecer otários. Não foi o Aedes aegypti. A tsé-tsé,
quem sabe?
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