Artigo de Fernando Gabeira
O ano que começa hoje não é dos mais promissores. É um
desses em que você diz “feliz ano-novo”, mas reconhece que é apenas uma maneira
de dizer: as chances são escassas.
O ano velho terminou com uma vitória do governo no Supremo.
Alguns consideram a salvação de Dilma. Se estivesse na UTI e fosse salvo por
gente usando frases em latim, desconfiaria. Na penumbra do quarto pode soar
como uma extrema-unção. Mais complexo, o impeachment dará tempo a ela para
respirar. Resta saber o que fará com essa dose extra de oxigênio.
A troca de ministros na economia nos confunde. Caiu Joaquim
Levy, subiu Nelson Barbosa. O discurso é de continuidade e o mercado parece não
confiar nele. Já as forças que defendem Dilma parecem confiar no que diz o novo
ministro e lamentam seu discurso. Com a manobra Dilma descontentou,
simultaneamente, quem a apoia e quem a rejeita.
Indiferente às opiniões, a realidade marcha no ritmo
implacável da lama de Mariana.
Crescem a inflação e o desemprego, Estados e municípios
começam a dar sinais de quebradeira. Aqui, no Rio de Janeiro, a crise eclodiu
na saúde, atingindo os mais pobres num momento de vulnerabilidade, buscando
socorro médico nas emergências.
Este é o ano da Olimpíada. O colapso do sistema de saúde o
inaugura. A festa foi programada num momento de euforia com o Brasil e com o
petróleo. De lá para cá veio a a crise econômica. No caso específico do Rio,
vieram o petrolão, com a ruína da Petrobrás, e as quedas no preço internacional
do petróleo.
Em 2010 tive a oportunidade de mostrar a fragilidade da
saúde pública no Rio, visitando hospitais, com ou sem autorização do governo.
Incompetência e corrupção se entrelaçavam e os governantes escaparam com as
UPAs, algumas replicadas ao longo do País como uma grande saída . Todos sabiam que
não eram em si a solução.
No momento em que optaram pela Olimpíada no Rio, os
governantes queriam projetar o poder de um Brasil emergente. Havia dinheiro e
empreiteiras para tudo. Grande parte desse dinheiro já foi gasta. Impossível
reverter o processo. O realmente necessário, no entanto, não foi procurado: a
resposta a como tocar a Olimpíada num momento de crise profunda; e como evitar
que o Estado se desintegrasse, num campo essencial como o da saúde.
Jamais neguei o potencial de uma Olimpíada para o turismo e
a economia brasileira. Menos ainda seu papel de projetar um soft power, uma
cultura e um estilo de vida do País. Mas um evento dessa magnitude pode revelar
exatamente o contrário do que pretendem os políticos. Ele dramatiza a nossa
fragilidade. A Baía de Guanabara está sendo projetada pelos atletas que treinam
nela como um espaço imundo e perigoso.
Num ano em que os esportes olímpicos se preparam para
grandes recordes, nas ruas do Rio vivem-se modalidades mais sinistras: parto na
calçada, chacina de adolescentes. O governo do Rio encostou-se no petróleo e na
aliança com Dilma. O petróleo caiu, Dilma apenas respira. Foi tudo vivido como
se os royalties fossem crescentes e eternos.
Entramos no ano da Olimpíada com uma retaguarda
problemática, manchas comprometedoras em nosso traje de gala. E somos os
anfitriões.
Esse é um dos nós de 2016. Assim como os outros, já estava
rolando no ano velho, mas agora o Rio passa a ser uma agenda internacional. Não
apenas o Rio, mas o Brasil.
Não é fácil atrair a atenção do mundo, com esperanças de
projetar poder, num Estado atingido pela combinação da crise com o escândalo na
Petrobrás. Como realizar a Olimpíada despojado da visão delirante do passado,
respeitando as condições reais, sem humilhar uma população vulnerável, que
depende do serviço público de saúde?
A Olimpíada ficou um pouco deslocada, como se ela se
desenrolasse num mundo à parte, blindado contra a crise.
De um ponto de vista político, é preciso reconsiderar tudo.
A imagem de um país esbanjando progresso ficou no passado. A pergunta que todos
farão é esta: como se faz Olimpíada num país em recessão, com milhões de
desempregados e emergências, universidades, hospitais de ponta, como um moderno
hospital do cérebro, fechados por falta de grana?
Foi um projeto nacional de grupo dominante. Dilma terá de
buscar também essa resposta, aproveitando os momentos em que respira.
A qualquer instante pode voltar a asfixia paralisante. E a
Olimpíada está aí. O Brasil será o foco de interesse internacional num dos
momentos mais difíceis de sua História.
Sempre se começa um ano com festas e promessas. Só depois
examinamos os desafios que nos esperam. A Olimpíada é, ao mesmo tempo, uma
grande festa e um desafio.
Nadamos pelados na maré alta e quando ela baixa convidamos
todos a nos olhar. É uma das operações de risco em 2016.
É o ano que concentrará o maior banco de dados sobre a
corrupção no Brasil. Inúmeros depoimentos virão, novas investigações serão
feitas, a história secreta do poder vai sendo escrita pela Operação Lava Jato e
outras da Polícia Federal.
Nunca as engrenagens e os mecanismos do sistema político
ficaram tão claras. O volume de dados, a claridade, tudo isso tem um poder de
combustão incalculável, ao longo do ano.
Ano de imprevisíveis eleições municipais. Até que ponto a
crise nacional não influirá nelas? Até que ponto a ruína das prefeituras não
vai produzir maciças alternâncias? Como o resultado de todo esse enigma
influenciará de novo a crise nacional?
Ano de eleição, costuma ser ano de gastança. Um governo que
apenas respira, precisa produzir um novo voo de galinha na economia, uma nova
ilusão de crescimento. Mas a galinha está alquebrada e precisa de um ano
sabático.
O Brasil pode terminar 2016 mais pobre, como preveem os
economistas. O consolo é prever que cada vez o País saberá mais, cada vez
acumula mais elementos para ousar a mudança.
Artigo publicado no Estadão em 01/01/2016
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