Diante da evidência de que as pedaladas fiscais praticadas
pela presidente Dilma Rousseff configuram crime de responsabilidade fiscal – o
parecer unânime do Tribunal de Contas da União (TCU) não dá margens a qualquer
tipo de dúvida quanto a isso –, vem surgindo uma tentativa canhestra de
desqualificar o pedido de impeachment da presidente da República atualmente em
análise pelo Congresso Nacional. Reconhece-se o descumprimento da Lei de
Responsabilidade Fiscal, ou seja, admite-se o crime, mas procura-se tratá-lo
como algo menor, incapaz de servir de fundamento para o impeachment.
Ao tratar as pedaladas fiscais como mero pecadilho, essa
enviesada argumentação quer fazer crer que a retirada da presidente eleita pelo
povo com base no argumento de crime de responsabilidade fiscal seria um castigo
desproporcional. Vende-se a ideia de que se trata de uma punição severa demais
para um simples escorregão, e que o precedente acarretaria séria instabilidade
para os futuros governantes. O impeachment, afirmam os defensores dessa tese,
deveria ser usado apenas em casos “graves”, como o fechamento do Congresso pelo
Exército por ordem presidencial.
Tal argumentação cai por terra, no entanto, quando se
analisam os fatos e a lei. A presidente Dilma Rousseff não é acusada de um mero
descuido na gestão fiscal. O fundamento jurídico para o impeachment é a prática
voluntária e reiterada de atos que ferem a Lei de Responsabilidade Fiscal.
A defesa da presidente Dilma apresentada no TCU comprova sua
plena consciência a respeito das pedaladas fiscais, fato esse corroborado por
seus discursos. Ela não diz que não “pedalou”. Ela insiste em dizer, à revelia
da lei, que podia e devia “pedalar”.
O descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal está
longe de ser um “crime menor”. Afinal, refere-se ao modo como os governantes
devem gerir o dinheiro público. Dizer que as pedaladas fiscais não têm muita
importância é o mesmo que defender uma gestão arbitrária dos recursos públicos,
à revelia da lei. Além dos graves danos causados à economia do País – basta ver
a atual recessão brasileira –, uma política fiscal irresponsável fere a
democracia.
Aqui está um dos sofismas da frágil argumentação a favor da
presidente Dilma Rousseff. O pedido de impeachment baseado juridicamente nas
pedaladas fiscais seria uma tentativa de fazer prevalecer uma lei “burocrática”
– a Lei de Responsabilidade Fiscal – sobre a vontade popular manifestada nas
urnas em 2014. Ora, tal disjuntiva é absolutamente falsa.
As pedaladas fiscais significam uma gestão antidemocrática
do dinheiro público – e aí reside a sua gravidade. O respeito à Lei de
Responsabilidade Fiscal não é um detalhe contábil. Trata-se da garantia de que
a gestão do dinheiro público se submete ao crivo democrático.
E é contra isso que a presidente Dilma se rebela. Desejaria
poder fazer o que bem entende com o dinheiro público. Isso não é nada
democrático. Não basta que o governante não ponha dinheiro público em seu
próprio bolso, é preciso gastá-lo respeitando a voz popular expressa na lei.
Também é pernicioso o argumento de que o impeachment com
base nas pedaladas fiscais trará instabilidade ao sistema político. É o
contrário. Será uma mensagem muito clara a todos os políticos de que o cargo
público deve ser exercido de acordo com a lei.
A sociedade já deixou evidente que não quer uma estabilidade
institucional de fachada, mantida à custa de esconder os ilícitos embaixo do
tapete. A estabilidade alcançada por meio da impunidade é uma falsa
estabilidade.
Não pode prosperar a tentativa de matizar os efeitos da lei
com vistas a tolerar certo grau de ilicitude na vida pública. Isso é
antidemocrático. Essa foi a grande lição para o Brasil quando –
desproporcionalmente, diriam os defensores da Dilma – o presidente Fernando
Collor sofreu o impeachment por causa de um Fiat Elba. Foi uma vitória da lei,
foi uma vitória da democracia.
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