Da Veja
Para Marcelo Odebrecht, é mais um de seus 205 dias em prisão
cautelar, situação em que aguarda o desenrolar do processo a que responde por
corrupção, fraude e lavagem de dinheiro no escândalo do petrolão. Ele e os
outros presos da Lava-Jato são as estrelas do Pavilhão 6, com suas celas, em
geral de 12 metros quadrados, ocupadas por três pessoas. São, portanto, 4
metros quadrados para cada uma - metragem acima dos padrões humanitários da
União Europeia e aceitos no Brasil, sem os quais eles estariam sendo submetidos
a tratamento degradante.
Caneca de plástico numa mão, tubo de pasta na outra, o
interno 118065 tem apenas mais dois colegas de cela. Ele escova os dentes
enquanto os outros dois se levantam para usar o "boi", como é chamada
no dialeto da cadeia a latrina rente ao chão que fica ao lado do tanque,
separada das camas por uma meia parede. Antes que o ralo café da prisão seja
servido, o interno 118065 planeja seu dia: exercícios físicos, leitura e
anotações.
Desde que a Operação Lava-Jato eclodiu, revelando aos
brasileiros o maior esquema de corrupção da história, dezenas de empresários
poderosos e alguns dos políticos mais influentes da República enfrentam uma
realidade incomum. A tradição de impunidade foi trancafiada. É uma realidade
sem precedentes. Marcelo Odebrecht está em companhia de outros catorze presos
em sete celas de uma galeria antes reservada apenas a policiais que cometeram
crimes. São grandes empresários como ele, executivos, ex-diretores da
Petrobras, lobistas, dirigentes partidários e políticos. Corruptos e corruptores.
Tubarões e peixes pequenos envolvidos nos bilionários desvios de dinheiro da
Petrobras durante os governos do ex-presidente Lula e da presidente Dilma
Rousseff dividindo o mesmo espaço e compartilhando a mesma rotina.
O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu é o interno número
119526. Ele divide a cela 602 com o ex-deputado Luiz Argôlo. Preso há 160 dias,
Dirceu fez fortuna traficando influência no petrolão. Já Argôlo era um cliente
contumaz do esquema. Dirceu passa as horas mergulhado em livros, sendo o mais
recente a obra que retrata os primeiros anos de governo do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso. Seus amigos explicam que a leitura de Diários da
Presidência é uma forma de estudar os adversários tucanos. Pode até ajudar na
formação de caráter, mas a motivação intelectual do ex-ministro é outra.
Dirceu lê e produz resenhas para abater os dias de pena. Condenado a sete anos
e onze meses de prisão no escândalo do mensalão, ele sabe que se avizinha uma
nova e pesada condenação. Aos 69 anos, o "capitão do time" de Lula
intui que suas chances de absolvição são remotas. Deve passar mais um bom tempo
atrás das grades. Acusado de corrupção e lavagem de dinheiro, "o
cadeieiro", como ele mesmo se define, embolsou 39 milhões de reais em
propinas.
Já Luiz Argôlo nunca foi muito afeito a assuntos acadêmicos.
Ele até tentou, mas não conseguiu, concluir um curso de administração. Em
alguns ramos do conhecimento, a prática de fato suplanta a teoria. Durante
anos, ele administrou como poucos a coleta de propina. Era tão eficiente que
ganhou da quadrilha um helicóptero de presente. Os 275 dias de prisão, porém,
afloraram o seu lado intelectual. Em Pinhais, além de ler livros para abreviar
os dias na cadeia, o ex-deputado se dedica a um curso profissionalizante do Senai.
Está aprendendo técnicas de automação. Pensando no futuro, ele se inscreveu no
Enem, fez as provas e, na semana passada, aguardava ansioso o resultado. Caso
tenha se classificado, a Justiça poderá autorizar sua saída da penitenciária
para assistir às aulas em uma faculdade do Estado - dependendo, claro, do
comportamento.
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