Da Veja
Em fevereiro de 2014, as obras do Edifício Solaris, no
Guarujá, tinham acabado de ser concluídas. A OAS era a empreiteira responsável.
O apartamento 164-A, embora novo em folha, já passava por uma reforma. Ganharia
acabamento requintado, equipamentos de lazer, mobília especialmente sob encomenda
e um elevador privativo. Pouca gente sabia que o futuro ocupante da cobertura
tríplex de frente para o mar seria o ex-presidente Lula. Era tudo feito com
absoluta discrição. Lula, a esposa, Marisa Letícia, e os filhos visitavam as
obras, sugeriam modificações e faziam planos de passar o réveillon contemplando
uma das vistas mais belas do litoral paulista. A OAS cuidava do resto. Em
fevereiro de 2014, a reforma do sítio em Atibaia onde Lula e Marisa descansavam
nos fins de semana já estava concluída. O lugar ganhou lago, campo de futebol,
tanque de pesca, pedalinhos, mobília nova. Como no tríplex, faltavam apenas os
armários da cozinha.
Os planos da família, porém, sofreram uma mudança radical a
partir de março daquele ano, quando a Operação Lava-Jato revelou que um grupo
de empreiteiras, entre elas a OAS, se juntou a um grupo de políticos do
governo, entre eles Lula, para patrocinar o maior escândalo de corrupção da
história do país. As ligações e as relações financeiras entre Lula e a OAS
precisavam ser apagadas. Como explicar que, de uma hora para outra, o tríplex
visitado pela família e decorado pela família não pertencia mais à família?
Teria havido apenas uma opção de compra. O mesmo valia para o sítio de Atibaia
- reformado ao gosto de Lula, decorado seguindo orientações da ex-primeira-dama
e frequentado pela família desde que deixou o Planalto. Em 2014, os Lula da
Silva passaram metade de todos os fins de semana do ano no sítio de Atibaia.
Por que Lula e Marisa deram as diretrizes para as reformas
no tríplex do Guarujá e no sítio de Atibaia se não são seus donos? Por que a
OAS, que tem seu presidente e outros executivos condenados por crimes na
Operação Lava-Jato, gastou milhões com Lula? O Ministério Público acredita que
está chegando perto das respostas a essas perguntas - a que o próprio Lula se
recusou a responder, evadindo-se do depoimento que deveria prestar sobre o
assunto na semana passada. Para o MP, Lula se valeu da construtora e de amigos
para ocultar patrimônio. Os investigadores da Lava-Jato encontraram evidências
concretas disso. Mensagens descobertas no aparelho celular do empreiteiro da
OAS Léo Pinheiro, um dos condenados no escândalo de corrupção da Petrobras,
detalham como a empresa fez as reformas e mobiliou os imóveis do Guarujá e de
Atibaia, seguindo as diretrizes do "chefe" e da "madame" -
Lula e Marisa Letícia, segundo os policiais.
Em fevereiro de 2014, Léo Pinheiro era presidente da OAS,
responsável pela condução de um império que já teve quase 70 000 trabalhadores,
em 21 países, construindo plataformas de petróleo, hidrelétricas, estradas e
grandes usinas. Àquela altura, porém, ele estava preocupado com uma empreitada
bem mais modesta. A instalação de armários de cozinha em dois locais distintos:
Guarujá e Atibaia - a "cozinha do chefe". O assunto, de tão delicado,
estava sendo discutido com Paulo Gordilho, outro diretor da empreiteira, que
avisa: "O projeto da cozinha do chefe está pronto". E pergunta se
pode marcar uma reunião com a "madame". Pinheiro sugere que a reunião
aconteça um dia depois e pede ao subordinado que cheque "se o do Guarujá
está pronto". Seria bom se estivesse. Gordilho responde que sim. No dia
seguinte, o diretor pergunta a Léo Pinheiro se a reunião estava confirmada.
"Vamos sair a que horas?", quer saber. "O Fábio ligou
desmarcando. Em princípio será às 14 hs na segunda. Estou vendo, pois vou para
Uruguai", responde o presidente da empreiteira.
Para a polícia, os diálogos são autoexplicativos. No início
de 2014, a OAS concluiu a construção do edifício Solaris, onde fica o tríplex
de Lula, o "chefe". A partir daí, por orientação da
"Madame", a ex-primeira-dama Marisa Letícia, a empreiteira iniciou a
reforma e a colocação de mobília no apartamento, a exemplo do que já vinha
fazendo no sítio de Atibaia. "Fábio", segundo os investigadores, é
Fábio Luís, o Lulinha, filho mais velho do casal. Em companhia dos pais, ele
visitou as obras, participou da discussão dos projetos e, sabe-se agora, era a
ponte com a família sempre que Léo Pinheiro e a OAS precisavam resolver
detalhes dos serviços. Para não incomodar o "chefe" com assuntos
comezinhos, a OAS tratava das minúcias diretamente com Marisa e Lulinha. Léo
Pinheiro, o poderoso empreiteiro, fazia questão de ter controle sobre cada
etapa da reforma. Quando havia uma mudança no projeto, ele era informado.
"A modificação da cozinha que te mandei é optativa. Puxando e ampliando
para lateral. Com isto (sic) fica tudo com forro de gesso e não esconde a
estrutura do telhado na zona da sala", informa Gordilho. Pela data da mensagem,
ele se referia ao projeto do sítio de Atibaia.
Leia a íntegra dessa reportagem em Veja desta semana que já
está nas bancas.
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