Da IstoÉ
Termina nesta semana o prazo concedido à Polícia Federal
pelo ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal
(STF), para a conclusão do inquérito que relaciona o presidente do Senado,
Renan Calheiros (PMDB-AL), ao esquema do Petrolão. Nele, Renan é suspeito de
ser beneficiário de propina desviada da Petrobras. A julgar pelo que os
investigadores conseguiram desvendar até agora, o presidente do Senado terá
dificuldades para escapar da denúncia. Obtido por ISTOÉ, relatório produzido
pela PF no Paraná, a partir do conteúdo encontrado num celular do ex-presidente
da OAS, Léo Pinheiro, – condenado a 16 anos de prisão por, entre outras razões,
pagar propina a políticos –, é explosivo. O material de 50 páginas indica uma
série de mensagens trocadas entre Pinheiro e seus auxiliares, em que o
empreiteiro demonstra intimidade com o presidente do Senado. Mais do que isso.
Trechos das conversas sugerem, de acordo com os
investigadores, a influência exercida pelo empreiteiro sobre Renan, que à
frente de uma das Casas do Congresso teria passado a atuar em sintonia com as
conveniências da OAS – uma das empreiteiras do Petrolão que mais contribuíram
para a campanha de seu filho ao governo de Alagoas. Os documentos em poder da
PF indicam que Pinheiro possa ter influído para enterrar o projeto que proibia
a doação privada a políticos bem como a CPI dos gastos com a Copa, temas
considerados de suma importância para a empreiteira. Ambos dependiam da caneta
e do prestígio político de Renan para serem sepultados. E foi exatamente o que
ocorreu com as duas proposições entre 2013 e 2014. Da cadeira de presidente do
Senado, Renan mandou-as para o arquivo.
As mensagens encontradas no celular de Pinheiro revelam que,
para alcançar o seu objetivo de interferir em projetos de seu interesse no
Congresso, o executivo da OAS participou de uma série de reuniões com Renan. Ao
menos uma delas ocorreu no final de semana. Diz o relatório: “Uma breve análise
das mensagens trocadas entre Leo Pinheiro e o usuário identificado por Renan
Calheiros reflete entre 2012 e 2014 ao menos 06 pedidos para encontro ou
contato, 02 comunicações que indicam que um interlocutor (de Pinheiro) estava
ou estaria logo em um determinado local, 03 agradecimentos de Leo Pinheiro para
Renan Calheiros e 14 citações de notícia de Renan no email de Leo Pinheiro”.
Numa sequência de mensagens rastreadas pela PF, ocorridas
entre os dias 13 e 17 de setembro de 2013, a Lava Jato conseguiu identificar
claramente a ingerência da OAS sobre a pauta do Congresso. Segundo o relatório,
em 13 de setembro de 2013, o assessor de Leo Pinheiro, Marcos Ramalho, o comunica
sobre um encontro com Renan na residência oficial do Senado que ocorreria no
domingo seguinte às 11h. A reunião, avisou o assessor, havia sido agendada por
Alexandre Grangeiro, um conhecido lobista da OAS em Brasília. No dia marcado,
Pinheiro, em mensagem encaminhada ao assessor, checa o local do encontro. “Bom
dia. O encontro das 11hs será na residência da Presidência?”. Ao que o assessor
confirma: “Sim, na residência oficial”. Procurado por ISTOÉ, Renan reconheceu
por meio de sua assessoria que se reuniu “em algumas oportunidades com o Sr.
Leo Pinheiro”. “Todas as conversas foram estritamente institucionais”,
acrescentou a assessoria de Renan. Para a PF, no entanto, a quebra do sigilo
telefônico do ex-presidente da OAS indica que a reunião de Pinheiro e Grangeiro
com o presidente do Senado, no domingo 15, serviu para que os três combinassem
o arquivamento de uma proposta que a empreiteira não gostaria que prosperasse
na Casa. O empreiteiro da OAS parecia empenhado em conseguir o que queria. No
dia seguinte, ele mandou entregar na casa de Renan um corte de terno. Por
acaso, era aniversário do presidente do Senado. “Hoje é aniversário Sen. Renan
Calheiros (corte já entregue)”, avisa seu assessor pelo celular. Na terça-feira
17, dois dias depois do encontro, consumou-se o desenlace esperado por todos.
Pinheiro enviou uma mensagem ao diretor jurídico da OAS, Agenor Valadares, em
que afirmou que o presidente do Senado estava, naquele momento, ligando para
ele. “Renan está me ligando. Engavetou?”, questionou Pinheiro. “Sim. Engavetou.
Porém a expectativa é de que só até dezembro. Em dezembro, teria uma
reavaliação”, respondeu Valadares. Para os investigadores da Lava Jato, essa
troca de mensagens revela que o que fora acertado com Renan, na conversa na
residência do Senado da qual participaram os dirigentes da OAS, foi cumprido.
Para identificar o que tanto interessava à OAS àquela
altura, a Lava Jato cruzou as datas das mensagens trocadas pelo celular com os
temas em discussão no Senado durante aqueles dias. Bingo! Os investigadores
descobriram que tramitava na Casa um assunto essencial para empreiteira: o
projeto que acabava com as doações eleitorais de empresas. De iniciativa do
senador Randolfe Rodrigues (Rede -AP), a proposta fez parte de uma minireforma política
em apreciação na Casa como resposta às manifestações populares que ocorreram em
junho daquele ano. O tema não interessava a empresários e muito menos aos
políticos. Por isso, a importância para a OAS do seu engavetamento. Naquele
momento, a Lava Jato não era uma realidade. Hoje, perto de completar dois anos,
a investigação revelou como são intrincadas as relações entre financiamento
eleitoral, políticos e contratos com a administração pública. Em 2013, para o
deleite de Leo Pinheiro, o Senado presidido por Renan recusou a proposta de
barrar o dinheiro empresarial. No ano passado, o STF se encarregou de jogar uma
pá de cal nas doações privadas. Mas esta é outra história.
O arquivamento da proposta que poria fim às doações de
empresas a políticos não foi o único tema de interesse da OAS que contou com a
contribuição de Renan naquele ano. Segundo relatório da Lava Jato, em 24 de
julho de 2013, Pinheiro manifestou outra preocupação ao lobista Alexandre
Grangeiro. Naquela semana, havia sido apresentado no Senado um requerimento
para a criação de uma CPMI, de autoria do deputado Izalci Lucas (PSDB-DF), para
que fossem investigados os gastos do governo brasileiro com a organização da
Copa do Mundo, incluindo as despesas com a construção dos estádios. A OAS foi
responsável pela construção das arenas Dunas, no Rio Grande do Norte, e Fonte
Nova, na Bahia. Portanto, não tinha interesse em uma investigação parlamentar.
Dizia a mensagem trocada entre os executivos da OAS e rastreada pela PF: “O
requerimento teve assinatura de 186 dep e 28 sen, das 171 e 27 mínimas
necessárias. Agora é preciso a leitura em sessão do Congresso prevista para
20/08, mas depende de decisão de Renan. Os parlamentares podem retirar
assinatura até meia noite do dia da leitura. Eu já mandei o requerimento
anteriormente por email. Abs.” Segundo a investigação da PF, Renan matou essa
no peito. Foi articulada no Senado a retirada de assinaturas, o que acabou se
consumando em 20 de agosto, quando quatro parlamentares recuaram. Em novembro
de 2013, a PF encontrou uma nova referência ao assunto no celular do então
dirigente da OAS. Pinheiro comenta com o diretor-executivo da OAS, Roberto
Zardi, sobre uma reunião na qual Renan e o então presidente da Câmara, Henrique
Eduardo Alves (PMDB-RN), participavam, fazendo um pedido para alguém tratado
como “presidente”. “Avisa para ele que Renan e Henrique estão com presidente
daí fazendo um apelo”.
O relatório com as mensagens do ex-presidente da OAS está
sendo analisado pelo grupo de procuradores e policiais federais encarregados de
investigar os políticos beneficiados com dinheiro desviado da Petrobras. A OAS
junto com outras empreiteiras do Petrolão respondeu por 40% das doações
eleitorais feitas ao filho de Renan, atual governador de Alagoas. Em delação
premiada, o empresário Ricardo Pessoa, da UTC, disse que as doações a Renan
Filho pelo caixa um serviram para encobrir o pagamento de propina. Para a
força-tarefa da Lava Jato, Renan, que controla há muitos anos o diretório do
PMDB de Alagoas, seria o elo com a OAS. O caso se junta a outras frentes de
apuração que implicam Renan. O presidente do Senado é alvo de cinco inquéritos
que tramitam no Supremo. No início de novembro, a procuradoria pediu a quebra
do sigilo bancário e fiscal do parlamentar, assim como a realização de buscas
na residência oficial da Presidência do Senado, no escritório do PMDB de
Alagoas e endereços vinculados ao deputado Aníbal Gomes. Zavascki poupou a
residência oficial, mas deu sinal verde para que fosse vasculhado o diretório
estadual do partido de Renan - diretório que, segundo o Ministério Público
Federal, possui o parlamentar como responsável junto aos registros da Receita
Federal. Os advogados do presidente do Senado reclamaram da decisão, alegando
que seu cliente já havia colocado suas informações bancárias e fiscais à
disposição das autoridades. Os investigadores ficaram satisfeitos com o
resultado das buscas. Encontraram documentos que corroboram a versão
apresentada pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e
o doleiro Alberto Youssef. De acordo com os dois delatores, o próprio Renan
também foi beneficiado com propina na forma de doação eleitoral. “Renan tinha
um representante para receber propina”, disse Paulo Roberto Costa. Uma das
comissões era repassada por fornecedores da Transpetro, a subsidiária da
Petrobras comandada entre 2003 e 2014 por Sérgio Machado, aliado do senador.
“Uma análise sistemática dos depoimentos contidos no bojo do Caso Lava Jato,
permite identificar contornos muito claros de fato específico a envolver os
parlamentares Renan Calheiros e Aníbal Gomes, com a obtenção de vantagens a
partir de contratos firmados pela Transpetro”, afirmou o chefe do Ministério
Público Federal, Rodrigo Janot, no início de dezembro.
As suspeitas, neste caso específico, estão relacionadas à
licitação para a construção de estaleiro encarregado de produzir barcaças e
empurradores destinados ao transporte de etanol entre Mato Grosso e São Paulo
(hidrovia Paraná-Tietê). Há indícios de irregularidades na licitação vencida
pelo consórcio formado pelas empresas SS Administração e Serviços, Estaleiro
Rio Maguari S.A. e Estre Petróleo Gás. Segundo o que revelaram Costa e Youssef,
além das informações colhidas pelo MPF, a SS Administração arrendou área na
cidade de Araçatuba com o objetivo de construir os comboios para a Transpetro
antes mesmo de iniciado o processo licitatório, num indício de que o vencedor
da concorrência já estaria escolhido. Além disso, entre o início da licitação e
a divulgação do resultado, as empresas do consórcio vencedor - apesar de
sediadas em São Paulo (SP) e Belém (PA) - fizeram doações eleitorais em favor
do diretório estadual do PMDB de Alagoas. Foram transferidos, em 19 de julho de
2010, cerca de R$ 650 mil para o PMDB de Alagoas. Parte do dinheiro seguiu no
mesmo dia para o caixa eleitoral de Renan. “Constata-se que em 19 de julho de
2010 ocorreram duas transferências para a campanha de Renan Calheiros, ambas no
valor de R$ 200.000,00, perfazendo-se um total de R$ 400 mil correspondentes
aos valores depositados pelas empresas que fraudulentamente venceriam a
licitação”, afirmou Janot. Por considerá-lo o seu principal aliado no
Congresso, o Planalto acompanha com lupa o desfecho das investigações
envolvendo Renan. Se, ao que tudo indica, o peemedebista for denunciado, ele arrastará
consigo a esperança do governo de ver enterrados sumariamente o processo de
julgamento das contas de Dilma, reprovadas pelo TCU, e um eventual pedido de
impeachment, caso ele seja aprovado na Câmara. À espera do desfecho do caso
Renan, Brasília estremece.
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