Artigo de Fernando Gabeira
Esse era o título de uma coluna em que falava da
manifestação de hoje. Os fatos correm tão rapidamente neste capítulo final que
sou obrigado a escrever novas versões a cada dia. Dois acontecimentos, entre
tantos, representam uma espécie de salto na linha de notícias: a denúncia de
Lula, seguida de um pedido de prisão, e os documentos que a Andrade Gutierrez
entregou à Justiça sobre doações ilegais à Dilma, em 2014.
A denúncia de Lula se dá no contexto daquela cooperativa
Bancoop que lesou três mil famílias e terminou com a cúpula em apartamentos no
edifício Solaris, em Guarujá. Ainda não ouvi ninguém defendendo a trajetória da
Bancoop, exceto um lacônico depoimento de João Vaccari. Para um partido
igualitarista é um movimento mais condenável ainda, salvar a pele enterrando os
outros. Ao ler o texto que pede a prisão de Lula, constato que o famoso vídeo
feito pela deputada Jandira Feghali foi anexado a ele. No vídeo, Lula aparece
ao celular dizendo que quer que enfiem o processo no cu. O vídeo rodou pela internet
e parece revelar o oposto do que dizem os defensores de Lula sobre sua boa
vontade para atender à Justiça. Curiosamente, os celulares de Jandira e de Lula
só foram possíveis com a quebra do monopólio nas teles, que eles tanto
combateram. A antena da Oi em Atibaia mostra como passaram de adversários a
intérpretes radicais da privatização das teles. Ela serve apenas ao sítio de
Lula, os vizinhos não têm sinal. Se o vídeo foi mesmo usado pelos promotores,
voltaremos ao poeta Murilo Mendes: “o mundo começa nos seios de Jandira”. E
diremos que o mundo acaba no celular de Jandira. Mas ainda não acabará assim: o
pedido de prisão será avaliado por uma juíza e pode ser rejeitado.
Ao longo desses anos, consumi muita energia combatendo os
erros do PT e satélites. Uma de minhas expectativas, após o domingo, é de olhar
para frente, imaginar que Lula, Dilma e o PT em breve podem sair da agenda. Os
adversários definem muito o que somos. Combater gente mentirosa, cheia de
truques, mastigando vulgarmente alguns conceitos marxistas, talvez tivesse
sentido no fim do século passado. Hoje, isto me dá uma sensação de perda de
tempo, como se tivesse de fazer um giro pelas aldeias chinesas que acham que a
ida do homem à lua não aconteceu, foi apenas propaganda mentirosa dos americanos.
Olhar para frente é apenas uma necessidade. Não vislumbro nada de grandioso.
Pelo contrário, uma dura fase de transição, em que será preciso ajustar a
economia para deter a queda livre do nosso PIB. Se as pessoas que saírem às
ruas hoje compreenderem isto, vão querer se manter unidas mesmo depois da queda
de Dilma. Não será tão fácil assim: caiu, soltamos fogos e voltamos ao nosso
cotidiano. Estamos diante de desafios que dependem de todos. Impossível
reestruturar a economia sem uma base responsável na opinião pública. Impossível
combater o mosquito e seus estragos sem uma ponte entre governo e sociedade.
Mosquitos e, certamente, ratos multiplicam-se com nossa passividade. Dilma está
fora do baralho. Ela vive um único objetivo: o de não cair. E todos, inclusive
o PT, sabem que ela não tem experiência política, capacidade de articulação nem
habilidade para conduzir a crise.
O PT e alguns delinquentes do PMDB, que estão em busca da
quadrilha ideal, usam Dilma apenas para continuar no poder, usufruir os últimos
instantes de um projeto que sabem condenado. Eles não se importam com o tamanho
do buraco. A experiência recente da Espanha, por exemplo, mostrou como certos
processos econômicos são devastadores para a juventude. O alto nível de
desemprego impediu que uma geração realizasse seu potencial. Lá, pelo menos, os
jovens compreenderam isso e se revoltaram. Por causa disso também vou à
manifestação. Não a limito apenas ao desejo de punir a corrupção, atropelar o
cinismo e botar os saqueadores na cadeia. Eu a vejo como um feixe de
compromissos. O primeiro deles é com a credibilidade que nos dê a chance de
crescer. O segundo, e também importante: como foi possível que o Brasil tenha
chegado a esse ponto, onde estávamos todos que não impedimos o país de ser levado
ao abismo?
Sinais de incompetência não faltaram. Evidências de desvios
tampouco. O país foi incapaz de deter o processo e até hoje há quem pense que
os bandidos vão vencer no final: PT e PMDB continuarão nos assaltando pela
eternidade. Como foi possível conviver com tanta ladroagem? Como foi possível
aceitar versões tão enganadoras? Como foi possível cultuar o cinismo que nos
corrói? Ainda agora, surgem as velhas trapaças. O PT ameaça soltar nas ruas
barbudos de camisa vermelha, e há garotas fazendo gestos obscenos com o dedo.
Ao PT interessa a hipótese de conflitos. Se as pessoas tiverem medo, não sairão
às ruas. E alguns cronistas vão dizer: caiu o ímpeto do impeachment, Dilma
respira de novo. Dilma tem respirado à custa da nossa asfixia. O governo cairá,
de qualquer maneira, porque está podre. Abundam provas contra ele por ter usado
dinheiro roubado nas eleições. A delação de um diretor da Andrade Gutierrez
comprova isso, assim como as transferências da Odebrecht para o marqueteiro
João Santana. Lula será preso em algum momento, porque também contra ele
avolumam-se os indícios de ser o chefe da quadrilha. Para que Dilma, Lula e o
PT prossigam incólumes, é preciso que o Congresso desapareça na podridão, que o
Supremo se revele petista, que a própria Polícia Federal e o Ministério Público
engulam suas investigações. E que todos fiquem em casa com medo dos homens de
barba.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 13/03/2016
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