Este ano é o do centenário do nascimento de André Franco
Montoro, que ocupou significativo espaço, de múltiplas vertentes, na vida
pública de nosso país, num arco de tempo que se estendeu de 1950 a 1998. Foi
atuante parlamentar na Câmara Municipal de São Paulo, na Assembleia
Legislativa, na Câmara dos Deputados, no Senado Federal. Foi ministro do
Trabalho e notabilizou-se como modernizante governador de São Paulo. Foi
dedicado dirigente do Partido Democrata Cristão, do MDB, do PMDB e do PSDB, que
ajudou a criar e dar identidade. Foi figura decisiva no processo de transição
do regime autoritário para a democracia. Destacou-se como paladino da
democracia e dos direitos humanos, que soube afirmar na sua prática política e
defender em momentos difíceis. É bem-sucedido exemplo de quem na sua trajetória
promoveu a convergência entre ética e política. Por todos os motivos, cabe
celebrar seu centenário e colher do seu belo percurso de vida ensinamentos para
desatar os nós da entrópica crise em que estamos afundados.
Política, para Montoro, não obedecia à lógica excludente e
intolerante da dicotomia nós/eles. Não se caracterizava como relação
amigo/inimigo, à Carl Schmitt. Para ele, o objetivo da política era construir e
preservar uma ordem de composição dos conflitos, asseguradora da convivência e
da coesão social. Por isso, a metáfora de homem público que melhor se ajusta ao
que foi a sua maneira de pensar e de agir é a do tecelão – um tecelão empenhado
em desenvolver e manter a integridade do tecido sócio-político-econômico do
Brasil. Para ele, esse tecido requer incorporar fios de diversas procedências,
importantes para a tessitura de uma mescla compatível com o bem comum da
realidade brasileira. Daí o seu não sectarismo, a sua abertura à cooperação e ao
diálogo e, desse modo, à sua capacidade de atribuir tarefas, delegar
responsabilidades e agregar talentos, abrindo espaço para gente nova. Foram
essas características de sua personalidade que fizeram de seu governo em São
Paulo uma grande escola de formação de quadros e lideranças e exemplo
republicano de cidadania.
Na formação do homem público Montoro teve papel a Faculdade
de Direito do Largo de São Francisco, na qual adquiriu, como tantos que o
antecederam e lhe sucederam, o gosto pela política. Esta, ele a exerceu na sua
substância, guiado pelos valores de um catolicismo impregnado pela reflexão de
Jacques Maritain, que lançou as bases de uma cristandade não sectária, menos
“sacra” e mais “laica”, aberta às necessidades do mundo moderno, defensora do ideal
democrático e da tutela dos direitos humanos, sempre atenta à importância do
bem comum e, nesse contexto, rigorosa no trato dos meios que devem ser
apropriados aos fins. É por isso que Montoro não foi um utilitarista. Foi um
republicano dedicado ao dever ser dos princípios propiciadores da confluência
da ética e da política, para quem a corrupção era inaceitável porque sobrepõe
ilícitos interesses de pessoas, grupos ou facções ao legítimo interesse
coletivo do bem comum. Essas características emanavam naturalmente da sua
pessoa, que “ tinha horror à canalha. A corja não chegava perto dele. Montoro
era limpo”, como observou FHC no depoimento a Jorge Cunha Lima que integra o
volume de seu Perfil Parlamentar.
Faziam parte da família intelectual do catolicismo de
Montoro, além de Maritain, Alceu Amoroso Lima, o Padre Lebret e Teilhard de
Chardin, cuja lição sempre evocava como caminho para o pluralismo da sua obra
de tecelão: “Quando a gente se eleva a gente se entende”. Daí a sua admiração
por João XXIII, o impulsionador do “Concílio da Renovação, União e Paz”. Foram
referências políticas de Montoro grandes figuras da democracia cristã da Europa
pós-2.ª Guerra: Adenauer, na Alemanha; De Gasperi, na Itália; Schuman, na
França; que, além da bem-sucedida reconstrução de seus países, abriram caminho
para a integração europeia – inspiração da sua incansável dedicação à
integração da América Latina.
Montoro tinha a percepção do contemporâneo. Teve sempre a
compreensão da importância da sociedade civil e a relevância política de estar
atento à dinâmica do seu movimento. Daí não só o seu papel em prol das
Diretas-Já, como a constância com que se empenhou em sua vida pública nas
diretrizes da participação pluralista e da descentralização do poder político.
Foi um paladino pioneiro da preservação do ambiente.
Montoro foi um homem público dotado de persistência e
incansável energia. Tinha o sentido de direção de quem era norteado por valores
e ideias, que o resguardava das pressões, sempre presentes, da política de
clientelas. Era um ser que possuía o dom da percepção da realidade concreta.
Esta guiava o seu juízo político sobre o que podia ou não podia ser levado
adiante numa dada conjuntura, o que dele fez, no cenário nacional, um
bem-sucedido e democrático reformista. Isso se conjugava à permanente dedicação
a uma política de ideias. Era um professor que se renovava nos embates da vida
política, em harmoniosa consonância com outra dimensão fundamental da sua
trajetória: a do professor universitário que se dedicou a um qualificado e
aberto magistério da Teoria e da Filosofia do Direito. Não é por acaso que a
primeira edição de seu livro de Introdução, de 1971, foi redigida enquanto
exercia mandato parlamentar, e almejava que seus alunos bem conhecendo o
Direito melhor pudessem servir à justiça.
Ao discursar na Câmara dos Deputados em 1996, fazendo um
balanço de seus 80 anos de vida, concluiu que a síntese de todos os valores de
sua vida pública foi a justiça com seu corolário lógico, a paz, pelo
desenvolvimento com equidade do País. Uma grande causa que, como diria Montoro,
transita pela elevação como caminho do entendimento, na lição de Teilhard de
Chardin, que ele seguiu com exemplar coerência.
Este ano é o do centenário do nascimento de André Franco
Montoro, que ocupou significativo espaço, de múltiplas vertentes, na vida
pública de nosso país, num arco de tempo que se estendeu de 1950 a 1998. Foi
atuante parlamentar na Câmara Municipal de São Paulo, na Assembleia
Legislativa, na Câmara dos Deputados, no Senado Federal. Foi ministro do
Trabalho e notabilizou-se como modernizante governador de São Paulo. Foi
dedicado dirigente do Partido Democrata Cristão, do MDB, do PMDB e do PSDB, que
ajudou a criar e dar identidade. Foi figura decisiva no processo de transição
do regime autoritário para a democracia. Destacou-se como paladino da
democracia e dos direitos humanos, que soube afirmar na sua prática política e
defender em momentos difíceis. É bem-sucedido exemplo de quem na sua trajetória
promoveu a convergência entre ética e política. Por todos os motivos, cabe
celebrar seu centenário e colher do seu belo percurso de vida ensinamentos para
desatar os nós da entrópica crise em que estamos afundados.
Política, para Montoro, não obedecia à lógica excludente e
intolerante da dicotomia nós/eles. Não se caracterizava como relação
amigo/inimigo, à Carl Schmitt. Para ele, o objetivo da política era construir e
preservar uma ordem de composição dos conflitos, asseguradora da convivência e
da coesão social. Por isso, a metáfora de homem público que melhor se ajusta ao
que foi a sua maneira de pensar e de agir é a do tecelão – um tecelão empenhado
em desenvolver e manter a integridade do tecido sócio-político-econômico do
Brasil. Para ele, esse tecido requer incorporar fios de diversas procedências,
importantes para a tessitura de uma mescla compatível com o bem comum da
realidade brasileira. Daí o seu não sectarismo, a sua abertura à cooperação e
ao diálogo e, desse modo, à sua capacidade de atribuir tarefas, delegar
responsabilidades e agregar talentos, abrindo espaço para gente nova. Foram
essas características de sua personalidade que fizeram de seu governo em São
Paulo uma grande escola de formação de quadros e lideranças e exemplo
republicano de cidadania.
Na formação do homem público Montoro teve papel a Faculdade
de Direito do Largo de São Francisco, na qual adquiriu, como tantos que o
antecederam e lhe sucederam, o gosto pela política. Esta, ele a exerceu na sua
substância, guiado pelos valores de um catolicismo impregnado pela reflexão de
Jacques Maritain, que lançou as bases de uma cristandade não sectária, menos
“sacra” e mais “laica”, aberta às necessidades do mundo moderno, defensora do
ideal democrático e da tutela dos direitos humanos, sempre atenta à importância
do bem comum e, nesse contexto, rigorosa no trato dos meios que devem ser
apropriados aos fins. É por isso que Montoro não foi um utilitarista. Foi um
republicano dedicado ao dever ser dos princípios propiciadores da confluência
da ética e da política, para quem a corrupção era inaceitável porque sobrepõe
ilícitos interesses de pessoas, grupos ou facções ao legítimo interesse
coletivo do bem comum. Essas características emanavam naturalmente da sua
pessoa, que “ tinha horror à canalha. A corja não chegava perto dele. Montoro
era limpo”, como observou FHC no depoimento a Jorge Cunha Lima que integra o
volume de seu Perfil Parlamentar.
Faziam parte da família intelectual do catolicismo de
Montoro, além de Maritain, Alceu Amoroso Lima, o Padre Lebret e Teilhard de
Chardin, cuja lição sempre evocava como caminho para o pluralismo da sua obra
de tecelão: “Quando a gente se eleva a gente se entende”. Daí a sua admiração
por João XXIII, o impulsionador do “Concílio da Renovação, União e Paz”. Foram
referências políticas de Montoro grandes figuras da democracia cristã da Europa
pós-2.ª Guerra: Adenauer, na Alemanha; De Gasperi, na Itália; Schuman, na
França; que, além da bem-sucedida reconstrução de seus países, abriram caminho
para a integração europeia – inspiração da sua incansável dedicação à
integração da América Latina.
Montoro tinha a percepção do contemporâneo. Teve sempre a
compreensão da importância da sociedade civil e a relevância política de estar
atento à dinâmica do seu movimento. Daí não só o seu papel em prol das Diretas-Já,
como a constância com que se empenhou em sua vida pública nas diretrizes da
participação pluralista e da descentralização do poder político. Foi um
paladino pioneiro da preservação do ambiente.
Montoro foi um homem público dotado de persistência e
incansável energia. Tinha o sentido de direção de quem era norteado por valores
e ideias, que o resguardava das pressões, sempre presentes, da política de
clientelas. Era um ser que possuía o dom da percepção da realidade concreta.
Esta guiava o seu juízo político sobre o que podia ou não podia ser levado
adiante numa dada conjuntura, o que dele fez, no cenário nacional, um
bem-sucedido e democrático reformista. Isso se conjugava à permanente dedicação
a uma política de ideias. Era um professor que se renovava nos embates da vida
política, em harmoniosa consonância com outra dimensão fundamental da sua
trajetória: a do professor universitário que se dedicou a um qualificado e
aberto magistério da Teoria e da Filosofia do Direito. Não é por acaso que a
primeira edição de seu livro de Introdução, de 1971, foi redigida enquanto
exercia mandato parlamentar, e almejava que seus alunos bem conhecendo o
Direito melhor pudessem servir à justiça.
Ao discursar na Câmara dos Deputados em 1996, fazendo um
balanço de seus 80 anos de vida, concluiu que a síntese de todos os valores de
sua vida pública foi a justiça com seu corolário lógico, a paz, pelo
desenvolvimento com equidade do País. Uma grande causa que, como diria Montoro,
transita pela elevação como caminho do entendimento, na lição de Teilhard de
Chardin, que ele seguiu com exemplar coerência.
Celso Lafer é professor emérito da USP; foi ministro das Relações Exteriores e do Desenvolvimento Indústria e Comércio no Governo Fernando Henrique Cardoso
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